sábado, 28 de agosto de 2010

Feministas em Rede, vamos tentar?

Tenho observado que as mulheres, apesar das enormes oportunidades que a internet propicia, continuam, de uma maneira geral, isoladas e trabalhando individualmente, sem conjugarem esforços nem se organizarem. Eu própria não sei bem como começar, mas lembrei-me que podíamos empreender em colectivo a tradução do inglês para o português de textos feministas, convidando desde já homens feministas a participarem na tarefa.
Um dos textos fundamentais, como não podia deixar de ser, é a Declaration of Sentiments and Resolutions, escrito e lido por Elizabeth Cady Stanton na Convenção de Seneca Falls de 1848 e que foi assinado por sessenta e seis mulheres e trinta e dois homens.
Assim vou tentar: vou colocar a parte inicial do texto aqui e ver o que acontece. A ideia é cada pessoa traduzir um parágrafo e colocar a tradução como comentário, devidamente assinado. Quando o texto estiver todo traduzido podemos colocá-lo num sítio de leituras feministas, divulgá-lo e disponibilizá-lo para quem quiser fazer download. Fico à espera.

Declaration of Rights and Sentiments

When, in the course of human events, it becomes necessary for one portion of the family of man to assume among the people of the earth a position different from that which they have hitherto occupied, but one to which the laws of nature and of nature's God entitle them, a decent respect to the opinions of mankind requires that they should declare the causes that impel them to such a course.

We hold these truths to be self-evident: that all men and women are created equal; that they are endowed by their Creator with certain inalienable rights; that among these are life, liberty, and the pursuit of happiness; that to secure these rights governments are instituted, deriving their just powers from the consent of the governed. Whenever any form of government becomes destructive of these ends, it is the right of those who suffer from it to refuse allegiance to it, and to insist upon the institution of a new government, laying its foundation on such principles, and organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their safety and happiness. Prudence, indeed, will dictate that governments long established should not be changed for light and transient causes; and accordingly all experience hath shown that mankind are more disposed to suffer, while evils are sufferable, than to right themselves by abolishing the forms to which they were accustomed. But when a long train of abuses and usurpations, pursuing invariably the same object, evinces a design to reduce them under absolute despotism, it is their duty to throw off such government, and to provide new guards for their future security. Such has been the patient sufferance of the women under this government, and such is now the necessity which constrains them to demand the equal station to which they are entitled.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Igualdade e desfasamento salarial

Hoje, quando se comemora o 90º aniversário do sufrágio feminino nos Estados Unidos, algumas pessoas, como por exemplo, Brad Peck, director da Câmara de Comércio, continuam a insistir em que a diferença salarial, bem documentada, entre homens e mulheres com o mesmo nível de experiência e de educação, se deve principalmente à “escolha individual”. B. P. in “Equality, Suffrage and a fetish for Money” vai mais longe e acusa as mulheres que exigem igual pagamento de terem um “fetish” por dinheiro.

O que as estatísticas revelam é que as mães ganham normalmente menos do que as mulheres sem filhos, acontecendo exactamente o contrário com os homens. Como se estima que cerca de 80% das mulheres acabarão por ter filhos, podemos imaginar o que isso irá representar no seu estatuto económico. Com tudo isto, continuar a defender a tese de que as mulheres já conseguiram o que queriam e que a luta feminista não faz mais sentido só pode derivar de má fé, ignorância ou estupidez.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sufrágio feminino - 90º aniversário

Completam-se hoje noventa anos do sufrágio feminino nos Estados Unidos - em 26 de Agosto de 1920 foi finalmente aprovada a 19ª Nona Emenda constitucional que o garantia.
Se lembrarmos que a luta começou formalmente na Convenção de Seneca Falls em 1848, na qual Elizabeth Cady Stanton leu a célebre Declaração de Direitos e Sentimentos, contas feitas, constatamos que a luta só foi coroada de sucesso setenta e dois anos depois de ter sido iniciada o que é um longo espaço de tempo para uma conquista que parecia mais do que justa; lembremos ainda que das signatárias do documento apenas uma viveu o suficiente para tomar conhecimento da aprovação da 19ª Emenda.
Esta memória talvez nos ajude a aceitar com menor desânimo o facto de continuarmos a assistir a um progresso lento dos direitos das mulheres, por vezes seguido de retrocessos, talvez nos ajude a perceber por que é que o sexismo continua a fazer parte das nossas vidas. Afinal o processo histórico tem estes percalços.

De qualquer forma, muitos avanços foram alcançados; hoje, mesmo no Brasil, um país que não foi de modo algum pioneiro na luta pela emancipação da mulher, duas mulheres apresentam-se como candidatas à presidência da república, mas se olharmos em volta delas mesmas, vemos como o universo da política continua a ser um universo avassaladoramente masculino e o quanto há ainda para fazer.

Para comemorar o dia em que o sufrágio feminino foi conseguido nos Estados Unidos nada mais apropriado do que apresentar algumas citações de uma mulher que com o seu esforço, inteligência e tenacidade para ele contribuiu, trata-se de Susan B. Anthony, que algumas anti-feministas contemporâneas querem cooptar para a causa, num claro desrespeito à sua memória. As palavras que Susan Anthony escreveu há mais de cento e cinquenta anos, ainda hoje, apesar de avanços, fazem sentido:

«O facto é que as mulheres estão acorrentadas e a sua servidão é tanto mais degradante quanto mais dela não se apercebem.»

«Não haverá igualdade enquanto as próprias mulheres não colaborarem na feitura das leis e na eleição dos legisladores.»

«Não se pode dizer que a mulher instruída é a mais feliz. Quanto mais aberta é a sua mente melhor compreende as condições desiguais entre homens e mulheres e mais desespera perante um governo que tolera tal situação.»

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Anti-feminismo travestido: o feminismo da igualdade

Christine Sommers, autora de Who Stole Feminism (1994) critica as feministas suas contemporâneas, que designa de «feministas de género» e defende aquilo a que chama «feminismo da igualdade».
A sua crítica, entre muitos outros aspectos, incide sobre a tentativa feminista de expurgar os manuais escolares de vestígios de sexismo. Vejamos o que escreve a esse respeito:

«Certos temas simplesmente não ocorrem nestas histórias e nestes artigos (dos livros escolares). Dificilmente surge uma história que celebre a maternidade ou o casamento como um modo de vida preenchido e significativo»

Como se pode ver, Sommers critica os manuais escolares por não apresentarem o casamento e a maternidade como um modo de vida e ainda como um modo de vida dotado por si só de significado e capaz de preencher a vida de uma mulher. Com esta crítica está a insistir mais uma vez num modelo que reduz a mulher à função de esposa e de mãe, precisamente aquilo que o feminismo combateu. Por isso não é de admirar que os manuais escolares, na tentativa louvável de expurgar vestígios de sexismo, não o apresentem, mas para S. esse modelo é não só legítimo como desejável. Parece não querer perceber ainda que se uma mulher se auto-limita e define por esses papéis, a sua capacidade de autonomia fica seriamente comprometida já que terá de depender de um marido provedor e protector e continuará a existir como um ser humano dependente.
Este é apenas um exemplo do tipo de «feminismo» de que é apologista, mas já dá para perceber que estamos perante anti-feminismo travestido.

Nota: Provavelmente Sommers gostaria que imagens do tipo da aqui apresentada constassem dos manuais escolares, claro que sem a legenda que pode despertar o senso crítico.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Dilma para a presidência, SIM


Motivada pela leitura do último texto do blog Maçãs Podres, vou discorrer hoje a propósito da actual campanha para a eleição da presidência da república brasileira, referindo de passagem as próximas eleições legislativas em Portugal. Este texto vem a propósito da tendência de alguns sectores da esquerda que apelam para que não se vote com o argumento de que mesmo a candidata mais à esquerda não o é suficientemente.

Acontece que, por vezes, pessoas, desiludidas com a esquerda e suas promessas não cumpridas, feridas com as contradições entre o ideal e a prática, angustiadas com a experiencia de governantes que afinal também se revelam corruptos, resolvem não votar ou votar em candidatos da direita. Quando isto acontece, poderia dizer-se que procedem como aquele tolo da história que, chateado porque lhe roubaram os sapatos, resolveu cortar as pernas. E a experiência em breve mostra a essas pessoas o erro que cometeram, mas então já é tarde e não tem volta.
O facto é que se pessoas cujas intenções e princípios nos parecem mais correctos nos desiludem o que é que temos a esperar de outras cujas intenções e princípios logo à partida nos parecem incorrectos, será que acreditamos em milagres?! Partidos ou candidatos democratas com ideias progressistas e partidos ou candidatos conservadores com ideias reaccionárias não são tudo a mesma coisa, não são o mesmo, confundir é arriscar-se a ser surpreendido desagradavelmente pela dura realidade.

Em relação a Portugal, entre um partido socialista que governou sem brilho nem sucesso, com vários escândalos à mistura, mas que mesmo assim, conseguiu a descriminalização do aborto, legitimou a união entre pessoas do mesmo sexo, garantiu o rendimento de inserção social, alargou a escolaridade a camadas da população antes marginalizadas, legitimou o divórcio sem culpa, e um outro que, expectavelmente, se tivesse estado no governo, nada disso teria feito, porque se mostrou sempre avesso a esses avanços, eu não tenho qualquer dúvida. E você, que se diz de esquerda, o que vai fazer, vai procurar os sapatos ou prefere cortar as pernas?

Também nos Estados Unidos, no início da década de oitenta do século passado muitas pessoas de esquerda, liberais e progressistas, desiludidas com os democratas e desconfiadas de um candidata pífio, o evangélico Jimmy Carter, não só não se envolveram na campanha presidencial nem tentaram influenciar a opinião pública como resolveram não votar e o resultado foi a ascensão do execrável Ronald Reagan que esteve oito anos no poder e que procurou por todos os meios destruir as conquistas obtidas com tanto esforço nas décadas anteriores, alem de que criou condições para a direita religiosa fundamentalista se instalar nos bastidores do poder.

Por isso, hoje, o meu apelo é para que se vote em Dilma Rousseff, a candidata que oferece melhores garantias de governar promovendo medidas progressista que irão permitir avanços significativos

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sexismo na política


Sobre as recentes entrevistas às duas candidatas e a um candidato à Presidência do Brasil, publico, com a devida vénia, um excerto de um interessante texto do blog «cinema e outras artes» que fala por si quanto a prevalência do sexismo nas nossas sociedades.

«Pois se a insistência do bad cop Bonner quanto ao alegado autoritarismo de Dilma trouxe, latente, o culto ao estereótipo de que mulheres, mesmo no comando, devem ser “femininas” e “delicadas” – como se isso tivesse alguma importância no exercício de cargos administrativos - e a feminilidade delicada de Marina acabou por lhe render um tratamento que não poucas vezes soou paternal e leniente – como se de um ser essencialmente frágil e, fica implícito, medianamente competente se tratasse -, Serra, por outro lado, foi tratado como um autêntico patriarca.
A interação do casal de entrevistadores com ele – da qual o tímido o “ senhor me permita”, vocalizado por Bonner, é expressão cabal de subserviência - claramente reverenciou “o político experiente”, “o administrador”, “o realizador”, encarnações do poder fálico decidido e destemido, o qual, ao contrário do que ocorre, na visão do JN, com as candidatas mulheres, não precisa mostrar a que veio.
Se isso não é uma demonstração cabal de ideário machista, a se somar a interesses classistas e empresariais, eu sou o Pato Donald.»

domingo, 8 de agosto de 2010

Mães, esposas e objectos decorativos

Gisele Bundchen é uma jovem mulher do século XXI, mas a darmos créditos às suas afirmações e ao seu estilo de vida é de supor que para ela os três papéis apropriados para «a verdadeira mulher» sejam os de mãe, esposa e objecto decorativo, que ela se vangloria de desempenhar exemplarmente, ficando aliás com a fama, mas também com o proveito.

O texto a seguir explica melhor estas opções:
«Segundo Kate Millet, apenas três papéis têm sido tradicionalmente apropriados para as mulheres na nossa sociedade: o papel da mãe, o da esposa e o papel decorativo (apenas possível, incidentalmente, para as mulheres quando são jovens). Quem quer que não se ajuste em nenhum destes papéis é atirada para a categoria remanescente: a puta, o estupor. As carreiras que são consideradas mais apropriadas para as mulheres são precisamente aquelas que aparecem como extensões naturais destes três papéis aprovados. Trabalhar com crianças, com deficientes ou pessoas idosas, em alguma capacidade de cuidadora, é uma extensão óbvia do papel de mãe. Mulheres que funcionam como investigadoras associadas, secretárias, técnicas de laboratório ou assistentes durante toda a sua vida estão também a desempenhar o papel semelhante ao da esposa para os homens que servem. E mulheres cuja feminilidade é o seu valor de troca mais forte são objectos decorativos.» ( Sheilla Tobias, Faces of Feminism).
Kate Millet publicou Sexual Politics em 1969, mas, infelizmente, a sua análise ainda hoje, quatro décadas volvidas, é pertinente, como as proclamações retóricas da G.B. o demonstram. Depois não me venham dizer que estamos numa época post-feminista e que o feminismo é coisa do passado.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Gisele Bundchen: outra celebridade a dizer como as mulheres devem viver


Numa entrevista recente, Gisele Bundchen fez a seguinte declaração:
«Algumas pessoas aqui nos E. U. pensam que não têm de amamentar. E eu penso: vocês vão dar comida química às vossas crianças, quando elas são tão pequenas? Eu penso que devia haver uma lei mundial, na minha opinião, que estabelecesse que as mães deviam amamentar os seus bebes durante os primeiros seis meses.»

Ainda bem que a esta super-modelo não é reconhecida competência legislativa porque criar uma lei que estipule o que as mulheres devem fazer com os seus corpos é absolutamente inadmissível. De resto, confrontada com reacções negativas às suas declarações, ela veio amenizar, afirmando … bem, não era isso que queria dizer. Mas o estrago já estava feito.

Deste modo, não basta a constante pressão dos Media sobre as mulheres para as convencer a amamentar os filhos, fazendo passar a mensagem de que é má a mãe que não amamenta, lançando um anátema sobre o leite artificial porque é um produto químico, como se o leite materno também não fosse ele próprio um produto químico, numa nítida estratégia retórica de terrorismo psicológico.
Para além da constatação de que há muitas situações em que o leite materno é insuficiente para alimentar a criança - que se omite muito convenientemente - ainda se pretende continuar a prender as mulheres aos seus «sacrossantos» deveres, num claro desrespeito pelos condicionalismos das suas existências, pela sua individualidade, seus interesses, estilos de vida e necessidades enquanto pessoas. Se não se submeterem, então o remédio será policiar os seus corpos, como prescreve esta beldade dos tempos modernos, precisamente uma que tira lucros chorudos da exploração do seu.

Li sobre esta interessante materia no blog Womanist Musings.

domingo, 1 de agosto de 2010

Antifeminismo na era Reagan


Em 1980, Ronald Reagan, ex-actor de filmes de segunda categoria, foi eleito Presidente dos Estados Unidos; com ele no comando (1981-1989), tudo foi tentado para que a América voltasse ao «glorioso» passado da ordem, da autoridade e dos valores tradicionais.


Com Reagan, reconhecidamente adverso do movimento feminista, fez-se passar a ideia de que as mulheres já tinham adquirido plena igualdade e que então a América se encontrava numa era post-feminista. Partindo desta premissa mais que dúbia tratou de se desmantelar todos os «institutos» que protegiam as mulheres, tais como o sistema de quotas ou a atribuição de fundos estatais para serviços de apoio às mães e às famílias, nomeadamente aos sectores mais desfavorecidos da população.


Uma das primeiras medidas legislativas, apresentada assim que Reagan chegou ao poder, proposta pela Nova Direita, foi o projecto de Lei de Protecção a Família com o qual se pretendia anular de uma assentada as conquistas alcançadas pelo movimento das mulheres.


A lei, tão estranhamente baptizada, acabou por não ser aprovada, mas, para ficarmos a fazer uma ideia da sua natureza e alcance, basta lembrar que, entre outras coisas, proibia a educação mista nas escolas bem como em actividades desportivas; recusava fundos a escolas que utilizassem manuais nos quais as mulheres aparecessem em papéis que não os tradicionais; propunha que o casamento e a maternidade fossem apresentadas no curriculum escolar como as carreiras que as meninas deveriam seguir; e visava eliminar fundos estatais para centros de apoio a vítimas de violência sexual, bem como a protecção do Estado a mães solteiras. Pela positiva, se é que podemos assim falar, previa isenções fiscais para as famílias em que a mulher não trabalhasse fora de casa, num claro convite ao restabelecimento da família tradicional com maridos provedores e mulheres domésticas. Como se pode ver um programa completo para fazer a história andar para traz.


Se o específico programa proposto na Lei de Protecção à Família não foi bem sucedido o mesmo não aconteceu com outras medidas posteriormente aprovadas e sobretudo alcançou-se com ele o objectivo pretendido: evitar que as feministas sequer ousassem apresentar novas reivindicações tão ocupadas estavam a evitar que o que tinham alcançado lhes fosse retirado.