domingo, 26 de setembro de 2010

Ruth Whitney Lyman - quem são as anti-sufragistas

Ruth Whitney Lyman escreveu um ensaio sobre o ideal anti-sufragista mas, muito de acordo com os princípios que defende, decidiu apagar-se como pessoa, pois assina como Mrs. Herbert Lyman, autenticamente um apêndice do sr. Herbert Lyman, seu esposo. Vejamos o que nos diz acerca das diferenças entre as sufragistas e as anti-sufragistas:

“A diferença fundamental é esta: as sufragistas (como os socialistas) insistem em considerar o indivíduo como a unidade da sociedade enquanto as anti-sufragistas insistem em que esta é a família. O individualismo é o que é importante para as sufragistas, para as anti-sufragistas é a solidez das relações familiares. O sufragismo está baseado na consciência de sexo do indivíduo e no antagonismo entre os sexos, o que conduz à afirmação de que a mulher pode apenas ser representada por ela própria e que as mulheres neste momento são uma classe não representada. Mas de facto as mulheres não são uma classe, mas um sexo, perfeitamente distribuído pelas várias classes sociais.
O anti-sufragismo está fundado na concepção da cooperação entre os sexos. Homens e mulheres devem ser considerados como sócios, não competidores, e a família a ser preservada como uma unidade, deve ser representada como tendo uma cabeça política. O homem da família deve ser quem representa, porque o governo é primariamente para garantir a protecção da vida e da propriedade e repousa na força política da maioria que deve ser capaz de, em caso de necessidade, forçar as minorias a obedecer à sua vontade. Esta é a única base na qual uma democracia pode perdurar.” (Mrs Herbert Lyman: The Anti-suffrage Ideal, in Ernest Bernbaum; Anti-suffrage Essays, p. 119)

Como se pode constatar a tónica é colocada entre o indivíduo e a família, entre o individualismo e a «solidez das relações familiares. As anti-sufragistas valorizam sempre a família, mesmo quando esta implica o sacrifício do indivíduo mulher, porque o homem, na relação familiar, não é minimamente beliscado enquanto indivíduo.
Para que o homem mantenha, na família, o status de individuo autónomo que sempre tem tido, é preciso que a mulher se anule como pessoa, porque uma pessoa - e aqui estou a seguir Kant - é um fim em si mesmo e não um meio ao serviço de um qualquer outro fim. Só numa união familiar que respeite os indivíduos é que a personalidade ética de mulheres e de homens se encontra assegurada, mesmo que isso represente compromissos e abdicações de parte a parte.

Para as anti-sufragistas as mulheres não são uma classe e por isso não há necessidade de que tenham representação política e desse modo consideram que um regime não deixaria de ser democrático por esse facto; mas temos de ver o que caracteriza uma classe e se entendermos que essa caracterização implica a existência de interesses comuns que têm de ser acautelados, então as mulheres constituem, pelo menos por enquanto, uma classe, embora, dados os condicionalismos da sua existência, uma classe que se encontra fragmentada por outras classes sociais e por isso é que a luta tem sido tão difícil.
As anti-sufragistas acusam as sufragistas de estabelecerem uma relação de hostilidade com os homens, o que em parte é falso e em parte é mistificador. Antes de mais, muitas sufragistas, por exemplo, mantiveram casamentos sólidos e felizes, embora algumas tenham reescrito os votos de casamento para anularem as tradicionais cláusulas da obediência feminina. Por outro, a hostilidade surge sobretudo por parte de alguns homens que entendem não dever abdicar do seu estatuto de superioridade. Portanto há aqui um equívoco, não são as sufragistas que são hostis, são alguns, muitos homens, que são hostis a mulheres que exigem o que eles não reconhecem como direitos.
As anti-sufragistas defendem não apenas a família mas sobretudo a família patriarcal, na qual a figura do chefe de família permite a eliminação do voto para as mulheres pois obviamente se elas votassem apenas iriam duplicar o voto masculino. Entendem que o destino da mulher é casar, a «solteirona» é percebida como uma aberração da natureza. Além de que, se num governo é preciso força para fazer cumprir as leis e se só o homem é forte só ele deve governar, mas isto é esquecer a diferença que há entre força e direito e sem essa diferença nem precisávamos de ter evoluído para as formas modernas de governação, ainda devíamos estar na idade da pedra lascada e recorrer apenas ao cacete para dirimir os conflitos.
Mas se aceitarmos que as mulheres são pessoas, então elas, porque são pessoas diferentes dos homens em alguns aspectos, devem estar igualmente representadas nos órgãos de legislação e de decisão política e, por isso, o voto e a participação em cargos políticos são aspectos essenciais, contrariamente ao que pensam as anti-sufragistas.

Resumindo: (1) as anti-sufragistas não reconhecem que as mulheres são pessoas e consequentemente (2) não consideram necessário que elas tenham voz na governação do país; afirmam ainda (3) que elas não constituem uma classe e, por isso, o facto de não estarem representadas politicamente não retira democraticidade a um regime político.

Se você não se considera uma pessoa, então esteja à vontade, alinhe com as anti-feministas de hoje que são as lídimas representantes das anti-sufragistas de ontem.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

As quatro magníficas

A Suiça atingiu um marco histórico com a eleição de Simonetta Sommaruga para um governo no qual dos setes ministérios quatro são desempenhados por mulheres. Tal aconteceu apenas quarenta anos depois de ter sido concedido o direito de voto às mulheres suiças (1971), o que, comparativamente com outros países, merece ser assinalado. Mas não nos deixemos deslumbrar, no parlamento suíço a representação das mulheres não excede os trinta por cento e o mundo dos negócios continua a ser avassaladoramente dominado por homens.
Uma nota positiva: Simonetta Sommaruga já se pronuciou a favor de medidas que não permitam a discriminação de minorias, sejam religiosas, etnicas, culturais ou quaisquer outras.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Josephine Marshall Dodge - Quem eram as anti-sufragistas

Josephine Marshall Dodge (1855-1928) nasceu numa família ilustre, descendente directa dos primeiros colonizadores – brancos, de ascendência anglo-saxónica e protestantes – o pai era um industrial próspero, proprietário de manufacturas de couros, além de político influente.
Depois de uma infância e adolescência felizes e da frequência de escolas de elite, Josephine casou em 1875 com Arthur Dodge, também pertencente a uma família com pergaminhos, dinheiro e influência política. Estabeleceram residência em Nova Iorque e tiveram seis filhos.
Em 1896, Arthur morreu com apenas 43 anos e Josephine, continuando a tradição filantrópica do marido, fundou uma instituição de caridade que cuidava de crianças de mães trabalhadoras.
Em 1899 testemunhou no Alabama contra uma lei de sufrágio feminino limitado e em 1911 fundou a National Association Opposed to Woman Suffrage e tornou-se a sua primeira presidente. Foi também Editora do Woman´s Protest no qual publicou vários artigos em que justificava a oposição ao sufrágio feminino: considerava que o voto para as mulheres era desnecessário pois já possuíam direitos civis reconhecidos pelos diferentes Estados, já havia leis de protecção ao trabalho infantil e o salário mínimo para as mulheres estava acautelado.
A fundação da National Association Opposed to Woman Suffrage revelou-se muito útil para quem se opunha ao sufrágio feminino pois dava aos legisladores um argumento forte: as mulheres estavam divididas, umas queriam o voto, outras não, logo não havia motivo para ele ser concedido, pois tanto peso teriam as que o reivindicavam como aquelas que se lhe opunham.
Em 1917, Josephine deixou o cargo de Presidente da Associação que passou a ser ocupado pela esposa de um senador ferozmente anti-sufragista e remeteu-se para o lugar, menos visível, de vice-presidente.

domingo, 19 de setembro de 2010

Molly Elliot Seawell - quem eram as anti-sufragistas

Molly Elliot Seawell (1860-1916) nasceu em Gloucester, Virgínia, numa família de ilustre linhagem, descendente dos primeiros colonizadores. O pai, advogado e orador, era primo do Presidente John Tyler, a mãe, nativa de Baltimore, era filha do Major William Jackson que tinha combatido na guerra de 1812. Passou a infância e juventude na mansão da família, na plantação The Shelter, e ela própria relata o estilo de vida aí adoptado como sendo mais parecido com o do século XVIII. O pai, homem culto e erudito, orientou a sua educação, estimulando-a a ler livros de história, enciclopédias, Shakespeare e os poetas românticos.
Com a morte do pai, quando ela mal tinha completado os vinte anos, a família transferiu-se para Washington onde Molly iniciou a sua carreira literária, começou a publicar novelas sob pseudónimos mas também ensaios e artigos. Nunca casou e levou uma vida activa e auto-suficiente.
Embora culta, independente e senhora da sua própria vida desde muito nova, revela uma visão socialmente conservadora, mesmo reaccionária, em relação às mulheres e aos negros. Nas obras de ficção, denuncia racismo mais ou menos aberto, expresso num tom condescendente e paternalista que se revela nas descrições que faz das personagens negras.
A sua atitude em relação ao casamento é convencional, apresentado como uma espécie de destino para a mulher a que todavia ela se conseguiu eximir pois nunca casou nem teve filhos.
Sempre manifestou hostilidade em relação ao feminismo e ao voto para as mulheres, considerando que nelas a faculdade criativa está completamente ausente. Tem mesmo um ensaio a que deu o título "On the Absence of the Creative Faculty in Women"; argumentou contra a concessão de voto para as mulheres em artigos e no livro The Ladies' Battle (1911), defendendo o velho chavão de que as sufragistas odiavam os homens e de que tinham tendências socialistas e até comunistas, como vemos um velho argumento para diabolizar as feministas que ainda hoje colhe.
São dela estas palavras reveladoras do «apreço» em que tinha as mulheres:

“ Tem de reconhecer-se, como uma proposição geral, que nunca nenhuma mulher fez o que quer que seja no mundo do intelecto que tenha revelado o germe da imortalidade. Isto equivale a dizer que o poder criativo está completamente ausente na mulher.” Critic, 292

“É um facto singular que todas as mulheres cuja pretensão ao génio tem sido seriamente considerada gozaram de enorme reputação na sua época – mas é chocantemente verdade que a posteridade em nenhum caso endossou esse veredito dos contemporâneos “ p.293

«Durante milhares de anos, as mulheres cozeram pão, lavaram e costuraram neste planeta – e, mesmo assim, todos os mecanismos para aligeirar o seu trabalho foram postos nas suas mãos pelos homens … as mulheres, deixadas a si mesmas, teriam permanecido na barbárie.” 294

Como vemos, uma lídima antepassada da não menos ilustre Camille Paglia que nos nossos dias, em Sexual Personae, escreveu:” Se a civilização tivesse repousado nas mãos das mulheres, ainda estávamos a viver nas cavernas” p. 38

Mas o livro no qual de forma mais persistente ataca o sufragismo é o The Ladies' Battle utilizando argumentos constitucionais e ataques ad hominem .
Diz ela que votar não é um direito é um privilégio e, enquanto tal, deve ser concedido apenas àqueles que o merecem, no caso vertente, os homens porque são só eles que podem pela força assegurar, se necessário, o cumprimento das decisões que foram objecto de votação.
Acrescenta ainda que com o voto as mulheres perderiam o privilégio de serem sustentadas pelos homens; aqui também estamos perante um argumento que, devidamente reciclado, será retomado por Phillys Schlafly, setenta anos depois, quando empreendeu a luta contra o ERA: se as mulheres tiverem os mesmos direitos, então os homens deixam de se sentir na obrigação de as protegerem.
Os ataques ad hominem às sufragistas carreiam a velha alegação de que elas são ignorantes quanto aos problemas da governação, não percebem nada de política e estão a colocar em risco a santidade do casamento dado que o voto das mulheres pode semear a discórdia na família.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Milread Lewis Rutherford - Quem eram as anti-sufragistas

Milread Lewis Rutherford (1851- 1928) autora de vários livros sobre o Sul dos Estados Unidos, nasceu em Athens numa família patrícia próspera com uma linhagem que remontava aos primeiros colonizadores. O avô materno, um dos homens mais ricos e influentes do seu tempo, era dono de uma extensa plantação que em 1840 contava com 209 escravos, o que o tornava o maior proprietário de escravos da região.
Milread, que em 1914 integrou a Associação contra o Sufrágio Feminino da Geórgia, defendia o ideal de domesticidade que remetia as mulheres para a esfera da família e para os papeis tradicionais, mas pessoalmente desafiou completamente este padrão: nunca casou, escreveu e publicou inúmeros livros, ensinou e palestrou em locais públicos e levou uma vida activa de intervenção na esfera pública que repudiava para o seu sexo.

Em relação à questão racial, a sua atitude paternalista e a sua concepção romântica da escravatura levavam-na a afirmar que, embora os escravos tivessem sido trazidos à força de África, eram felizes nas plantações.
Com as suas ideias anti-feministas e racistas, que divulgou através de livros, panfletos e palestras, ajudou a retardar a conquista do voto para as mulheres e a pavimentar o caminho para o regime de segregação racial que vigorou nos Estados Unidos até 1964. O seu contributo no sentido de preservar as estruturas tradicionais está bem resumido nestas palavras: “Rutherford representou a tentativa do Novo Sul de conjugar modernidade com fidelidade a uma compreensão conservadora das hierarquias de raça e de género.” (Georgia Women: Their lives and Times” by Ann Short Chirhart, Betty Wood, p. 272)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Abigail Adams - precursora feminista

Não deixa de ser curioso ter de introduzir Abigail Adams em termos dos papeis sociais de esposa e de mãe que ela desempenhou, mas, na época, século XVIII e inícios do século XIX, era virtualmente impossível sair desse padrão. Assim temos que Abigail Adams (1744-1818) foi esposa de John Adams, segundo Presidente dos Estados Unidos, e mãe do sexto presidente do mesmo país. Mas, para alem de esposa e de mãe, Abigail foi uma mulher determinada e enérgica que, com os recursos que tinha à disposição, tentou fazer a diferença e, no seu caso, a diferença consistiu em tentar influenciar o marido no sentido deste aprovar medidas legais que atenuassem a injusta situação em que as mulheres, particularmente as casadas, se encontravam.
Há uma carta dela para o marido que denuncia bem como essas injustiças a preocupavam e como tentava intervir no sentido de lhes por cobro:

“Lembre-se das Senhoras e seja mais generoso e favorável para com elas do que os que o antecederam. Não coloque um poder tão ilimitado nas mãos dos maridos. Lembre-se que todos os homens serão tiranos se puderem. Se não for dada uma atenção e cuidado particulares às senhoras, estamos determinadas a fomentar uma rebelião e não nos sentiremos limitadas por quaisquer leis para a feitura das quais não fomos ouvidas ou representadas.”
Abigail Adams, 1776 ( carta dirigida ao marido John Adams)

Alguns aspectos a salientar: Abigail tem a noção correcta de que todo o poder corrompe e que dar aos maridos tamanha autoridade sobre as esposas era legalizar o abuso. Lembremos que, na época com o casamento, a mulher deixava de ter existência legal e, por exemplo, não tinha sequer direito de propriedade sobre os bens que trazia para o casamento que passavam a pertencer ao marido.
Interessante é também a ideia de que não se pode exigir obediência a uma lei para a qual não se contribui através de representação, havendo nesse caso infracção do contrato social entre governados e governantes.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Motivações da luta contra o sufrágio - Pauline Wells e suas razões

Em 1915, tudo parecia indicar que, numa base Estado-por-Estado, o Texas seria mais um a aprovar o sufrágio feminino; as sufragistas locais estavam a realizar um bom trabalho: promoviam campanhas de rua, escreviam no mais influente jornal e, quando a Câmara Legislativa iniciou a sessão, enviaram cartas e petições aos legisladores. Havia boas expectativas de que as suas reivindicações fossem finalmente atendidas. Mas na arena política surgiu uma oponente do sufrágio que testemunhou perante a Câmara Legislativa de forma veemente e poderosa e conseguiu reverter o resultado inicialmente previsto: não se atingiu os dois terços de votos necessários para que a lei passasse. Essa mulher foi Pauline Kleiber Wells.

Pauline Kleiber Wells casou em 1880 com James B. Wells, um dos poderosos patrões políticos da região do Rio Grande Valley do Texas, uma zona de rancheiros e homens de negócios abastados que contavam com mão-de-obra constituída basicamente por hispânicos cujo voto era facilmente manipulável via paternalismo, ameaça e suborno. Claro que a estes patrões políticos que faziam e desfaziam governos não interessava que o número de votantes aumentasse, tanto mais que no caso das mulheres passaria a implicar uma constituência, aparentemente - pelo menos assim o deviam pensar - mais instável e difícil de controlar.

Pauline Wells, como outras anti-sufragistas, considerava que as mulheres eram inferiores aos homens, deixando-se governar não pela razão mas pelas emoções; portanto, não era conveniente entregar-lhe a alta responsabilidade de votar. Iriam colocar ao abrigo dos seus caprichos coisas tão importantes como decisões militares. Como não podia deixar de ser, acusava as líderes sufragistas de odiarem e invejarem os homens e de desprezarem as mulheres que se dedicavam à vida familiar e ao lar, para as quais o voto, ao invés de ser um direito, seria um fardo.
Era mais uma a assustar as mulheres com o declínio da família que o voto provocaria, semeando discórdia entre marido e esposa e levando as mulheres a terem menos filhos, o que poria em risco a raça do verdadeiro povo americano - branco, de origem anglo-saxónica e predominantemente evangélico – cuja supremacia ficaria ameaçada, um argumento que encontrava receptividade num número significativo de pessoas; não estava fora de questão, dizia-se, que o país viesse a ser dominado pelos negros.

Esta retórica alarmista escondia interesses políticos e económicos inconfessáveis. Os grandes proprietários, os comerciantes de bebidas alcoólicas, os barões da indústria e da finança e os patrões das máquinas políticas, todos viam com preocupação a concessão de voto às mulheres e aqui, independentemente de outras motivações , objectivamente, Pauline limitava-se a defender os interesses da classe a que pertencia. Quando testemunhou perante a Câmara, a sua argumentação resumiu-se à alegação de que o sufrágio feminino levaria ao «feminismo, antagonismo entre os sexos, socialismo, anarquismo e Mormonismo». Foi tão bem sucedida que, em seguida, resolveu fundar a “ Associação do Texas Oposta ao Sufrágio da Mulher (“Texas Association Opposed to Woman Suffrage”) que resistiu até 1920, altura em que a 19ª Emenda Constitucional foi aprovada.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Emily Bissell - activista social e anti-sufragista

Emily Perkins Bissell (186-1948), a segunda de quatro crianças de uma família da alta burguesia teve um pai banqueiro e investidor imobiliário e um avô materno advogado proeminente e senador; ficou conhecida como activista social e anti-sufragista.
Como acontecia frequentemente com as senhoras da elite, dedicou boa parte do seu tempo a actividades filantrópicas e dentro desse mesmo padrão revelou sempre uma mentalidade nitidamente conservadora que a levava a afirmar, entre outras coisas: “a ralé vive miseravelmente precisamente porque é ralé”, numa clara atribuição da pobreza a factores individuais, os pobres seriam pobres porque não se esforçam por sair da pobreza, porque não são empreendedores, etc. etc., descartando as responsabilidades da organização da sociedade na matéria; num outro registo, defendeu a introdução da punição por chicotadas em público, uma espécie de reconstrução dos pelourinhos medievais, só que em pleno século XX.

Enquanto activista social, Bissell envolveu-se em várias campanhas na luta contra a tuberculose que então era um verdadeiro flagelo, e o seu trabalho foi reconhecidamente meritório. Para angariar fundos, inspirada numa campanha dinamarquesa, teve a ideia , que acabou por vingar, de criar um selo que seria vendido nas estações de correio por uma importância ínfima e aposto junto dos outros selos. Foi ainda responsável pela introdução de uma lei que estabelecia o número máximo de horas de trabalho nas fábricas que podia ser exigido às trabalhadoras, uma medida de discriminação positiva que mais tarde haveria de ser invocada na luta contra o ERA (Equal Rights Amendment).

Bissell foi uma das líderes da National Association Opposed to Woman Suffrage; em 1909 esccreveu um panfleto que circulou em vários estados, «A Talk to Women on the Suffrage Question” em que se explica. Nos seus argumentos contra a concessão do voto às mulheres invoca o fardo que tal tarefa representaria bem como a discórdia que poderia provocar no seio da família. As mulheres tinham, dizia, outros meios para intervirem na vida da nação, tais como a persuasão moral, as actividades na comunidade religiosa e obviamente a filantropia - a que ela se dedicava. Um outro argumento insistia no «perigo» do sufrágio feminino que iria duplicar o voto negro e o voto emigrante, o que obviamente a devia preocupar a ela e às elites no poder.
Atenta às descobertas científicas da época muito favoráveis à causa anti-sufragista, Emily não se esqueceu de as utilizar:
“É nos animais superiores que a ciência encontra as maiores distinções entre os sexos. O homem - a mais elevada forma de vida animal - tem as mais amplas diferenças na função. É natural, é cientificamente correcto, que a mulher seja tão feminina quanto possível e o homem masculino. (…) Exigir, como o sufrágio faz, todos os direitos e deveres do homem é absurdamente anti-científico. Implicaria o retrocesso da sociedade moderna para as épocas da barbárie.” (A Talk to Women on the Suffrage Question, New York, National Association Opposed to Woman Suffrage, 1909, 3)
A ideologia presente é a de que os sexos são diferentes, os papéis são diferentes, as esferas de influência são diferentes, logo nada de permitir à mulher intervir em paralelo com o homem na vida política da nação; como a ciência o comprova, isso não será um avanço, mas um retrocesso.
É preciso dizer mais?!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Mulheres que não têm medo

Amélia Mary Earhart, de que poucas ouvimos falar - não foi considerada personagem apropriada para televisão ou para cinema, (vá-se lá saber porquê!) - foi uma mulher que não teve medo, uma verdadeira heroína. Não teve medo de se afastar dos modelos que a sociedade de supremacia masculina prescreve para as mulheres e que a maioria aceita sem recalcitrar porque considera que só assim encontra segurança e se resguarda da violência masculina, condenando-se a uma vida mesquinha de submissão e subserviência.

Porque foi uma mulher que não teve medo não é apresentada como exemplo às jovens, os exemplos são as cantoras e as modelos que vivem vidas que não entram em conflito com os valores tradicionais - afinal a aparência, a beleza física sempre foram consideradas importantes nas mulheres - até se achava que o «belo sexo» nem se devia preocupar com outras coisas: estudos e carreiras profissionais só podiam masculinizá-las!

Amelia Mary Earhart nasceu em 1897 no Kansas e desapareceu em 1937 quando voava sobre o Oceano Pacífico. Uma vida curta, é certo, mas uma vida que fez a diferença. Foi pioneira da aviação nos Estados Unidos, escreveu livros nos quais relatou as suas experiências, organizou cursos para mulheres que queriam aprender a pilotar e defendeu os direitos das mulheres numa altura em que o voto lhes era negado.

Uma mulher de coragem que devia servir de exemplo a todas as jovens, mas cuja vida até à data tem sido silenciada. Esperemos que a história seja revertida pois tudo leva a crer que Amelia Mary Earhart vai estar brevemente representada na National Statuary Hall - uma sala no Capitólio que expõe as esculturas de americanos/as proeminentes.

domingo, 5 de setembro de 2010

O feminismo põe em risco a segurança das mulheres. Será?

Depois de ler Right Wing Women, de Andrea Dworkin, começo a perceber melhor o movimento anti-feminista e a entender as motivações que levam tantas mulheres a estarem contra os direitos das mulheres.
Dworkin procura desvelar as motivações profundas que se encontram na origem da cumplicidade das mulheres para com a sua própria opressão. Procura explicar por que é que as mulheres se sujeitam à autoridade masculina, por que é que se conformam à submissão. Nos caminhos dessa demanda encontra em primeiro lugar o medo e a necessidade, ancorada no instinto vital, de sobreviverem:

«Da casa do pai para a do marido e desta para o túmulo - que pode ainda não ser dela -, uma mulher aquiesce à autoridade masculina para conseguir alguma protecção da violência masculina. Conforma-se, com vista a obter a segurança possível»

A violência masculina é imprevisível e incontrolável, com ela o mundo surge como um lugar perigoso e caótico; as mulheres - a experiência confirma-o - têm boas razões para recear. Mas não há problema para o qual não se encontre solução e para este a direita conservadora, o que é quase um pleonasmo, fornece uma, fácil e acessível: o casamento tradicional - uma união consagrada pela religião - e um lar seguro, estável e confortável. Em simultâneo, recorre à intoxicação ideológica: os homossexuais e as feministas põem em perigo o casamento tradicional, logo a segurança das verdadeiras mulheres fica em risco; o aborto é «assassínio de crianças»; as carreiras profissionais são um acessório facilmente descartável, o verdadeiro destino da mulher é ser esposa e mãe. E com esta intoxicação ideológica se eliminam as reais possibilidades de independência e autonomia. Dworkin não tem dúvidas:

«Todo e qualquer acto de acomodação das mulheres à dominação masculina, embora aparentemente estúpido, auto-destruidor ou perigoso, encontra-se enraizado na urgente necessidade de sobreviver, por qualquer meio, em termos masculinos.»

Mas como os «termos masculinos» implicam sentimentos de frustração e desalento geradores de ódio, a direita dá às mulheres a possibilidade de descarregarem essa frustração, que inevitavelmente têm de experimentar, sobre grupos marginais específicos que funcionam como bodes expiatórios, de entre estes, as feministas - ressentidas e invejosas - transformam-se nas más da fita.

Assim fica mais fácil entender o anti-feminismo e as anti-feministas. Obrigada, Andrea Dworkin.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Feministas em rede (continua)

Os parágrafos iniciais da Declaração de Seneca Falls já estão traduzidos graças à colaboração da Flovi e da Karla, que aceitaram o desafio.

Vou hoje colocar aqui a continuação do texto esperando que surjam outras pessoas para se concretizar este processo. Como os parágrafos são mais curtos, talvez se pudesse dividir a participação da seguinte maneira: três primeiros; quatros seguintes e os dois restantes.

Só espero que surjam então novas pessoas para colaborarem no projecto.


The history of mankind is a history of repeated injuries and usurpations on the part of man toward woman, having in direct object the establishment of an absolute tyranny over her. To prove this, let facts be submitted to a candid world.

He has never permitted her to exercise her inalienable right to the elective franchise.

He has compelled her to submit to laws, in the formation of which she had no voice.

He has withheld from her rights which are given to the most ignorant and degraded men--both natives and foreigners.

Having deprived her of this first right of a citizen, the elective franchise, thereby leaving her without representation in the halls of legislation, he has oppressed her on all sides.

He has made her, if married, in the eye of the law, civilly dead.

He has taken from her all right in property, even to the wages she earns.

He has made her, morally, an irresponsible being, as she can commit many crimes with impunity, provided they be done in the presence of her husband. In the covenant of marriage, she is compelled to promise obedience to her husband, he becoming to all intents and purposes, her master--the law giving him power to deprive her of her liberty, and to administer chastisement.

He has so framed the laws of divorce, as to what shall be the proper causes, and in case of separation, to whom the guardianship of the children shall be given, as to be wholly regardless of the happiness of women--the law, in all cases, going upon a false supposition of the supremacy of man, and giving all power into his hands.