segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Violência de gênero e vítimas colaterais


Diferentemente das agressões interpessoais, a agressão de gênero não ocorre na sequência de um conflito perceptível e incapaz de ser resolvido por outro meio que não seja o recurso à força; além disso é uma agressão extremamente desproporcionada que visa marcar uma posição – a daquele que manda. O seu objectivo é dar uma lição: “é para aprenderes a não desobedecer ao dono!”

O recurso a este tipo de violência no decorrer de uma relação heterossexual funciona como mecanismo de controlo para manter a mulher no seu lugar e, se a relação se rompe, o agressor destila a sua frustração, magoando a mulher, deixando uma espécie de marca.

Se há filhos, magoar os filhos é uma forma indirecta de magoar a mãe, por isso não podemos também esquecer as vítimas colaterais deste crime, as crianças que assistem aos maus tratos a que as mães são submetidas e que por vezes são elas próprias vítimas de agressão ou até de morte. Assim, é legítimo questionar se um companheiro que maltrata a mulher pode ser um bom pai. É difícil aceitar que o seja porque ele deve de alguma maneira perceber que o dano que inflige à mãe vai ter repercussões graves sobre os filhos.

Por tudo isto, devemos exigir tolerância zero contra a violência de género e a tolerância zero começa com o evitar desculpabilizar o agressor, evitar encontrar razões para o compreender, deixar de comentar quão boa pessoa ele é para os colegas de trabalho ou para os vizinhos; como a mulher é preguiçosa, desmazelada, ou respondona, etc; enquanto não mudarmos esta cultura, nada vamos conseguir. Mas, infelizmente, em muitos sectores e sectores com grandes responsabilidades, como o das hierarquias religiosas, é frequente encontrarmos pronunciamentos que vão no sentido de mais uma vez culpabilizar as mulheres e desculpabilizar os agressores.

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O lookismo


Bonnie Berry em The Power of Looks. Social Stratification of Physical Appearance, publicado em 2008, criou o neologismo “Lookism” que não antevejo como se poderia traduzir pelo que o mantenho no original com ligeira adaptação, o que não me parece particularmente grave até porque a expressão look, enquanto aspeto e aparência, já entrou no vocabulário português, em grande parte graças às revistas e programas sobre moda e beleza.

Bonnie Berry revela neste livro publicado em 2008, que nos Estados Unidos as despesas com produtos e tratamentos de beleza ultrapassam as despesas com a educação ou com os serviços sociais. Em sua opinião, este facto expressa por um lado a vacuidade das sociedades atuais e por outro a atitude das pessoas que, não tendo educação, procuram o caminho para a ascensão social através da beleza e da aparência física.

Usar a aparência ao invés de usar o cérebro para subir socialmente é lamentável, mas é uma realidade. Há todavia, uma consequência ainda mais desastrosa da prevalência deste padrão de comportamento; é que ele é gerador de preconceitos em relação às pessoas cuja aparência física não se conforma com a norma de beleza estabelecida; isto é, leva a discriminar as pessoas em função da sua aparência. É a isto que se dá o nome de “lookismo”; por via dele, não são os conhecimentos, cultura ou inteligência, muito menos a bondade, que tornam as pessoas elegíveis para determinados lugares, mas é tão simplesmente a sua aparência física.

O lookismo contribui para criar ou aprofundar desigualdades sociais pois o acesso ao poder económico e social fica dependente de circunstâncias que as pessoas não controlam; como diria John Rawls, essas circunstâncias, em si mesmas, não são justas nem injustas, mas já é injusto transformar contingências naturais em impedimentos e obstáculos ao sucesso social. Não é justo nem injusto nascer-se feio ou bonito, mas é injusto preferir para um determinado lugar uma pessoa bonita em circunstâncias em que, eventualmente, a feia teria outros requisitos, esses sim importantes, para um bom desempenho.

Que as pessoas bonitas sempre têm sido positivamente discriminadas não é novidade para ninguém; mas, nos nossos dias, o problema agravou-se significativamente, pelo papel que os media desempenham na criação, reforço e ampla divulgação do ideal de beleza, sobretudo criando nas pessoas, particularmente nas mulheres, o sentimento de que têm sempre qualquer coisa em falta. Daí o sucesso amplamente reconhecido da indústria de cosmética e da cirurgia estética com que todos e todas acabamos por perder mais do que ganhar.