sábado, 30 de agosto de 2014

Sexo é inato, sexualidade é aprendida

Resolvi iniciar a partir de hoje um mini curso sobre educação sexual e assumi que a primeira lição vai ser àcerca da distinção entre sexo e sexualidade. Comecemos pois pela clarificação destes dois conceitos.

O sexo é da ordem do instinto, existe nos seres humanos e nos animais, enquanto pulsão e enquanto saber fazer inato; o sexo é, se quisermos, da ordem do natural, não pressupõe aprendizagem e é um instinto que se encontra ao serviço da perpetuação da espécie que, sem ele, estaria condenada a perecer.  Diferentemente de outros instintos, como por exemplo, a fome e a sede, se não for satisfeito, pode ocorrer frustração, ansiedade ou mesmo contrariedade, mas não ocorre a morte do indivíduo, já que neste particular é apenas a sobrevivência da espécie que é posta em causa.

Devemos realçar, todavia, que os seres humanos, diferentemente de outros animais, possuem um número muito reduzido de instintos, embora, em contrapartida, possuam múltiplas potencialidades comportamentais, sendo extremamente moldáveis e dotados de enorme plasticidade. É aqui que entra a sexualidade.

A sexualidade é o modo como os humanos vivenciam o sexo, como satisfazem o instinto, podendo inclusive sublimá-lo ou orientá-lo para outros objetivos que não a reprodução. É óbvio que a sexualidade, enquanto expressão do sexo, depende da cultura e da sociedade em que as pessoas vivem; assim por exemplo, durante muito tempo, especificamente na Idade Média de matriz cristã, era impensável separar o sexo da reprodução até porque se considerava que só esta o legitimava porque correspondia à vontade divina. Este exemplo mostra porque dizemos que a sexualidade, diferentemente do sexo, é aprendida; ora, sendo os humanos extremamente moldáveis podem aprender um número imenso de comportamentos em vários domínios e, de entre estes, no domínio sexual.

Assim, hoje, o sexo é entendido não só enquanto capacidade procriativa,  mas também tem uma dimensão recreativa iniludível, ou pode ser ocasião de união entre pessoas, de procura recíproca de prazer, de procura do restabelecimento de unidade. Lembremos o mito dos andróginos, contado por Aristófanes, no Banquete, de Platão, no qual o dramaturgo vê o sexo como tendo por função unir aquilo que os deuses tinham separado num passado longínquo, reconstituindo assim uma totalidade perdida.
Para além desta visão romântica, todavia, há outras maneiras de viver o sexo, e, de entre estas, a mais perturbadora é a vivência do sexo enquanto meio de dominar o outro, enquanto exercício de poder; esta é a sexualidade que designamos de domínio/submissão que a todos/as é familiar.
Essa vivência do sexo como domínio/submissão está profundamente enraizada porque reflete a estrutura da sociedade e as assimetrias de poder que, particularmente nas relações entre homens e mulheres, têm sido mais do que evidentes. Num passado muito presente ainda, o filósofo alemão Nietzche definia o homem como vontade de poder que se reconheceria através da fórmula: “eu quero” e, paralelamente, destinava à mulher um papel de submissão, reconhecido através da fórmula “ele quer”.
Entretanto algumas coisas mudaram, algumas assimetrias esbateram-se, mas a um nível mais profundo, particularmente ao nível do psiquismo, muita coisa continua por fazer.

Posta esta diferença entre sexo e sexualidade, o que pretendo que se retenha é que a sexualidade é aprendida, é um fenómeno condicionado pela cultura, pela economia, é um fenómeno social, que consequentemente pode alterar-se, se as condições económicas, sociais e culturais também se alterarem.
Um outro aspeto que distingue o sexo da sexualidade é que esta tem sempre uma dimensão ética, mas ficará para a próxima “lição” a exploração deste aspeto.

P.S. Gostaria de lembrar que a educação sexual é um tema particularmente complexo e difícil; se calhar é por isso que ela não é implementada, como se pretendia, nas escolas e os adolescentes ficam à mercê de circunstâncias de vária ordem, nem sempre as mais consentâneas com uma aprendizagem que conduza a uma verdadeira e autêntica autodeterminação sexual.
Decidi dar o meu contributo para o tema e espero que estes textos venham a ser lidos não só por adultos mas também por adolescentes. Peço desde já desculpa pelas minhas insuficiências:
·         Se calhar vou dizer asneiras, só espero que não sejam muitas;
·         Se calhar vou dizer coisas com pouco interesso, só espero que as trivialidades não sejam muito frequentes.
·         De qualquer modo, estou aberta à crítica e sinceramente espero que as pessoas, por vergonha ou outros motivos, não se retraiam de exprimir os seus pontos de vista.