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A linguagem não se limita a reflectir e a exprimir a realidade, mas também a constrói e, se isto for verdade, então lutar por uma linguagem não sexista acabará por ter repercussão na prática e irá contribuir para que se operem mudanças não só na percepção que temos da realidade mas na própria realidade. Essa pode ser a razão, escondida e sempre negada, por que muitos resistem às alterações linguísticas propostas no sentido de se feminizar certas palavras e expressões, alegando que tal é desnecessário ou tentando ridicularizar tais esforços.
O texto de Olga Castro Vasquez[1], de que traduzimos alguns excertos, esclarece e aprofunda este tema:
«Para além das estruturas materiais e práticas, a opressão das mulheres existe também nas próprias bases do logos e do raciocínio, e estas incluem procedimentos linguísticos subtis e processos lógicos por meio dos quais se produz o significado. Pensamos com palavras e com categorias gramaticais e imaginamos a realidade através da representação cognitiva que fazemos dela por meio da linguagem. O famoso princípio cartesiano “penso, logo existo» ganharia sem dúvida precisão se se formulasse como propôs Wittgenstein, “falo, logo penso, logo existo”. As empresas mediáticas e publicitárias sabem isto tão bem que calculam escrupulosamente as palavras a utilizar nos seus discursos para construir nas nossas mentes uma realidade que resulte vantajosa para os seus propósitos, concordes em geral com os princípios hegemónicos neo-liberais. Todavia, isto que tem valor axiomático nas escolas de comunicação e publicidade inexplicavelmente deixa de ser válido quando reinvindicado pelos feminismos. Ou talvez haja uma explicação: dado o potencial da linguagem na construção mental da realidade, a linguagem não sexista supõe toda uma ameaça contra a ordem social estabelecida e por este motivo provoca em certos grupos sociais um receio profundo de que os valores feministas derrubem esses princípios hegemónicos que tanto os beneficiam, origina o medo de que se produza uma mudança social que enfraqueça parte dos privilégios que a linguagem e a sociedade patriarcal lhes outorgam e, por isso, quando não conseguem submeter ao silêncio as reivindicações feministas, utilizam o ridículo como forma de deslegitimação.
A linguagem não sexista não visa apenas tratar de forma simétrica mulheres e homens a nível linguístico, mas também ganhar precisão e exactidão a nível cognitivo, sem excluir nem tornar invisível qualquer dos sexos. Não se trata de mudar a linguagem apenas para o fazer, nem sequer por uma questão estética ou de moda, nem se trata tão pouco de impôr mudanças prescritivas. Pelo contrário, do que se trata é de mudar o repertório de significados que as línguas transmitem, de transformar a linguagem para fazer uma representação mais igualitária da realidade que conduza a uma categorização também mais igualitária nos modos de pensamento, e de promover a reflexão sobre as mudanças na língua para que as e os falantes pensemos no que dizemos e em como o dizemos, de modo que desse modo se gerem mudanças nas perspectivas que, por sua vez, terão consequências materiais na acção humana e na realidade.»
[1] Olga Castro Vasquez (1980) é jornalista e tradutora e encontra-se a escrever uma tese de doutoramento na Universidade de Vigo sobre o papel da linguagem, dos media e das novas tecnologias na reforma societal conducente a uma sociedade não sexista.
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