sexta-feira, 23 de setembro de 2022

 

Nós e o neoliberalismo

O neoliberalismo através de uma verdadeira revolução silenciosa com a qual conseguiu a proeza de modificar a linguagem e o pensamento das pessoas tornou-se o senso comum da nossa época, isto é, o modo de ser e de pensar que a maioria das pessoas assume como correto, sem mais indagações.

Desse modo, todos nós, se não fizermos um escrutínio crítico, contante, difícil, para o qual muitas vezes nos falta tempo e competência, assumimos uma forma neoliberal de pensar o mundo e a vida. Vemos tudo e avaliamos tudo em termos neoliberais.

Como foi isto possível?! Ainda não percebi completamente. Bem sei que a elite neoliberal tem os cordelinhos nas mãos, domina a informação, as técnicas, a comunicação social, e agora, o que é extremamente importante e muito poucos perceberam (estou a pensar na esquerda que está convencida que já sabe o que precisa de saber) domina as redes sociais, preocupando-se em construir perfis falsos para disseminar o que lhe convém e para orientar a opinião pública no mesmo sentido.

Além disso, dá-nos brinquedos para nos distrairmos: telemóveis cada vez mais sofisticados, programas recreativos que nos embrutecem, pornografia e sexo virtual e, entretanto, vai navegando, comendo-nos as papas na cabeça.

A coisa é toda muito bem feita e, embora lamente, tenho de reconhecer que a elite neoliberal se revela muito mais inteligente do que a esquerda que se julga bem-pensante. Um exemplo, qual o cidadão comum que alguma vez pensou que ao recorrer à Uber para se fazer transportar aqui ou ali estava afinal a minar os interesses dos trabalhadores e alimentar o sistema neoliberal, sistema esse que até é capaz de criticar em conversas com os amigos? E quem, mesmo tendo já adquirido essa perceção, é capaz de resistir a um serviço mais barato?

A questão é mesmo bicuda, porque, como escreveu Pierre Bourdieu, quando o dominado assimila o quadro de valores do dominante deixa de ter instrumentos para se revoltar contra a dominação e torna-se cúmplice desta.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

 

Imperialismo e Capitalismo combinam muito bem

Os Estados Unidos são o símbolo maior do capitalismo. O capitalismo tende a ser imperialista. Se pelo caminho, um país capitalista sentir necessidade de eliminar outro ou outros, não hesitará em fazê-lo. Aqui não há solidariedade que seria até contranatura já que ao fim ao cabo aplica-se a nível dos estados o princípio da concorrência e da competitividade que se aplica a nível dos indivíduos: perecem os mais fracos ficam os melhores e há sempre um que é melhor que os outros.

O capitalismo é imperialista porque só assim pode continuar o processo de acumulação de recursos que lhe é inerente - que faz parte do seu ADN. Os recursos não são inesgotáveis e os defensores do sistema já o devem ter percebido, mas como a ganância predomina, o que percebem com mais força é que, independentemente das consequências, enquanto houver recursos, a (sua) festa deve continuar. Quem vier por último que feche a porta.

Para a festa do capitalismo triunfante continuar, as guerras também têm de ser promovidas até porque o complexo industrial militar que foi preciso construir tem de dar vasão ao produto fabricado, quando não, por falta de consumidores, entra-se numa crise do próprio sistema pois este deixa de ser rentável. Por outras palavras, para acumular recursos é preciso espoliar outros povos, para o conseguir é preciso armamento poderoso, este uma vez produzido tem de ser vendido, se não for cria-se um problema extra não menos grave. Por isso, o sistema retroalimenta-se.

Convém, todavia, perceber que na base disto tudo está a psicologia ou melhor o psiquismo humano. Enquanto as pessoas se virem como inimigas umas das outras, se sentirem ameaçadas pelo inimigo humano próximo ou mesmo distante - e hoje mais do que nunca a distancia é relativa - vai ser muito complicado resolver o problema. Por isso o capitalismo favorece o individualismo, porque este isola as pessoas e dificulta que se unam para derrubar o sistema; mas também não é refratário aos nacionalismos, porque estes acicatam povos contra povos e são imprescindíveis para que as criaturas humanas se empolguem estupidamente e apoiem e participem nas ações bélicas.

A resposta encontra-se numa diferente organização económica e numa organização social e política que reconhecendo este problema crie condições para o resolver, mas para isso é preciso por um lado desestimular o individualismo e por outro os nacionalismos e ainda as alianças ofensivas, seria bom que retomássemos o velho slogan da esquerda dos anos 70: NEM NATO NEM PACTO DE VARSOVIA que pode ser atualizado: PACTO DE VARSÓVIA JÁ FOI, NATO TEM DE LHE IR FAZER COMPANHIA

Por outro lado, é preciso perceber que a democracia liberal ocidental funciona como uma fachada para defender interesses obscuros e para justificar crimes hediondos frequentemente cometidos em seu nome como aconteceu na guerra do Iraque na qual os Estados Unidos alegavam que o objetivo era tornar este um pais democrático. O resultado está à vista.

Seria bom que nos perguntássemos como é que um país que diz defender a liberdade acima de tudo quer obrigar outros países e outros povos a adotarem o seu regime político, ainda por cima à lei da bala? Ninguém vê a contradição? Ninguém vê que essa justificação para a guerra é uma fachada para esconder interesses que não quer revelar?  

Extrapolando para atual situação de guerra na Ucrânia, desvelemos os mecanismos ideológicos postos em ação:

- O Putin é um autocrata, a autocracia é o contrário da democracia. - A democracia é boa, a autocracia é má;

- Então vamos fazer guerra a um pais que tem um regime mau para que ele adote um regime bom;

Mas, como houve já quem tivesse denunciado este esquema, podemos ser ainda mais espertos e fazer outra coisa:

- Criar condições tais ao Putin e ao país que ele lidera de modo a conseguir que seja este a tomar a iniciativa de invadir o outro;

- Aí ninguém nos pode acusar, pois nós apenas fomos em auxílio do outro, vulnerável face a autocrática Rússia.

- Logo nos só queremos libertar a Ucrânia e também a Rússia, não queremos mais nada, o que nos move é a liberdade e os nobres valores da civilização ocidental que é preciso preservar a qualquer custo – Maquiavel no seu melhor!

A partir daqui, é plausível concluir que a politica é uma espécie de biombo com o objetivo de esconder que o que está em jogo é a economia, ou melhor interesses económicos e rivalidades entre potencias económicas capitalistas, bem como a necessidade de escoar os produtos do complexo industrial militar norte americano e de continuar o processo de acumulação capitalista não já dentro do próprio pais – que já deu o que tinha a dar  - mas permitindo aos capitalistas com mais força do seu lado apoderarem-se dos recursos de outros povos e países, neste caso e para já da Rússia, depois logo se verá.

O que é de realçar aqui é que toda a guerra económica é reduzida à guerra política: quer-se fazer crer que o que está em causa é a democracia a defender contra a autocracia. Isto é falso, mas é uma mentira muito conveniente porque atrai a simpatia das pessoas e torna-as recetivas à guerra inadiável e aos sacríficos que esta impõe e as pessoas comem isto tudo e anda pedem mais porque o complexo mediático corporativo também funciona no seu melhor.