O que é o populismo?
Quero começar por salientar que o populismo, tal como o entendo, é um movimento político que se situa no espetro da direita e que defende in extremis valores que a direita sempre defendeu. Rejeito, portanto, designar a extrema esquerda de populista porque o único aspeto que comunga com a direita é o princípio, em minha opinião, verdadeiro, da divisão da sociedade entre elite e povo, havendo no povo camadas intermédias mais ou menos próximas da elite, mas com a ressalva de que quem verdadeiramente decide é a elite, porque o diferencial de poder de que dispõe o permite. Sendo assim, abstenho-me de pronunciamentos morais, isto é, não considero que a elite é má e o povo bom, não embarco nessas categoriais concetuais dicotómicas que remetem para visões maniqueístas que não comungo. |
Vamos então à caracterização do
populismo (movimento de extrema direita) que apresenta duas nítidas dimensões,
uma que o caracteriza enquanto estratégia de poder e outra enquanto projeto político,
consubstanciado num conjunto de propostas políticas. Enquanto estratégia de
poder visa mobilizar para a ação política um vasto setor das sociedades
modernas que, por um ou outro motivo, não se reveem no liberalismo político e
valores por este defendidos. Enquanto conjunto de propostas políticas
apresenta-se como um movimento conservador e mesmo reacionário, no sentido de
retorno a um passado que se julgava já morto e sepultado.
O populismo enquanto estratégia de
poder visa a conquista do poder político, contando por um lado com o declínio das
democracias liberais e por outro com o desconforto que o neoliberalismo provoca
em vastas camadas da sociedade; para conseguir os seus objetivos e aliciar o
maior número de pessoas para a causa recorre a práticas diferentes, mas
convergentes:
(1) Fornece respostas
simples para os problemas, logo respostas aparentemente exequíveis;
(2) Explora os
sentimentos e emoções do auditório e não propriamente a sua razoabilidade,
conseguindo desse modo mobilizá-lo mais facilmente para a ação;
(3) Apresenta líderes fortes
e autoritários dotados de carisma com os quais as pessoas se podem identificar
e que vão querer apoiar incondicionalmente.
Estes três aspetos encontram raízes na
tendência das pessoas para cultivarem o que se chama de senso comum, para se
deixarem dominar mais facilmente pelas paixões do que pela razão, e por
preferirem seguir quem sabe mandar que inspira confiança e as exime da difícil tarefa
de ‘tomarem o touro pelos cornos’, como soe dizer-se. Podemos dar alguns exemplos que permitem
compreender como funcionam estes ‘fundamentos’ da estratégia populista:
·
Explicar
o declínio dos direitos da população nativa de um país atribuindo a culpa aos
emigrantes e propondo a proibição da entrada destes no pais é dar uma resposta simples,
aparentemente exequível – bastaria decretá-la – compreensível para as pessoas pela
sua simplicidade e exequibilidade. O facto de se estar perante um problema
muito mais complexo e perante uma pseudossolução, alem do mais desumana, passa
ao lado, porque exigiria, para ser equacionada, tempo de desconstrução e conhecimento
e compreensão das raízes económicas e sistémicas do problema.
·
Explorar
a raiva justa das pessoas contra a corrupção a que os políticos cedem é fácil e
apelativo porque a descarga emocional que esta proporciona diminui a pressão e
o incómodo. Todavia, não permite compreender o problema encontrando a sua causa
real. Ora, a causa da corrupção reside
na existência dos corruptores, e estes são os agentes económicos, por outras
palavras, o sistema capitalista de que o sistema político é simples correia de
transmissão. Os corruptos são o meio de que os corruptores se servem para
atingirem os seus objetivos. Mas já todos reparamos que ninguém fala nos
corruptores, todos apontam os dedos aos corruptos fornecendo-se mais uma vez
uma explicação imediata e aparentemente verdadeira – os políticos sabem quem são;
os agentes económico vivem numa espécie de penumbra da esfera pública.
·
Por
último, mas não menos importante, propor/apresentar líderes fortes,
autoritários, dotados de carisma, convida à obediência, à aceitação da
submissão, e consequentemente facilita a tarefa do líder político que não tem
de se preocupar com os embaraços da democracia porque ele é o demos,
identifica-se com o povo porque entre o líder e o povo não há diferença, há
identidade e graças a este passe de magica o povo julga que não esta a ser
marginalizado. Defende-se assim o autoritarismo depois de se terem rejeitado as
autocracias, e de se ter defendido a democracia como regra do jogo político.
Vejamos agora o populismo enquanto
projeto político. Neste aspeto o populismo apresenta propostas conservadoras e
mesmo reacionárias; estas não agradam a elite liberal, é certo, mas esta pode
ver-se obrigada a ‘engolir o sapo’, se não lhe restar outra opção, isto é, se,
para manter os seus privilégios económicos, tiver de aceitar um regime político
que será hoje uma nova versão do fascismo de meados do seculo passado. Vejamos
então por que razão ou razões se justifica dizer que o populismo é conservador
e reacionário.
O Populismo pretende restaurar, ou
melhor, reconduzir para o campo do político os valores da religião, da nação e
da família; “Deus, Pátria e Família” é a fórmula que resume de modo exemplar o
conteúdo ideológico do populismo. Em termos retóricos esta fórmula é
irrepreensível, apelativa para bom número de pessoas, e aqueles que dela
suspeitam têm mais uma vez de se justificar, de ficar na defensiva, numa
posição ingrata e incómoda. Mas vamos lá, é preciso desvelar o que ela oculta,
o que não diz, mas está subentendido:
·
Em
relaçao a Deus, ou seja, à religião, o que não se diz é que se pretende impor a
todos aquilo em que alguns acreditam, da maneira como acreditam, com a sua
interpretação muito própria e especifica dos mandamentos divinos e as
consequências a nível social que daí decorrem. Quer dizer, não se trata de
conceder aos indivíduos liberdade de pensamento e expressão no campo religioso
porque esta já lhes é reconhecida pelo liberalismo e pelas democracias liberais,
trata-se de voltar ao passado, a um passado que se supunha derrotado, que
obrigava a uma só fé e que não admitia sequer a ausência de fé, ou seja, o
ateísmo. Trata-se de abolir o estado laico e de inscrever a religião no âmago
do político, tal como em tempos passado, quando as monarquias e poder
eclesiástico se reforçavam e defendiam reciprocamente. Assim, enquanto o
liberalismo e a democracia liberal instituíram o estado laico e a tolerância em
relaçao aos credos religiosos diferentes de diferentes indivíduos, o populismo
revela profunda intolerância em relaçao a outras religiões que não a dominante
e pretende que a doutrina e a moral religiosa enformem a estrutura política.
· Quanto à “Pátria” o reforço do sentimento nacionalista e a exaltação da nação, numa época em que esta, embora ainda conserve algum sentido pelos laços de pertença que fornece, perdeu muita da sua importância, em função da globalização e internacionalização da economia - fenómenos inevitáveis a menos que um cataclismo anule as recentes aquisições tecnológicas - revelam o conservadorismo que habita o projeto populista, não porque haja alguma coisa errada com o sentimento de pertença a uma nação, a um território, mas porque este sentimento, se exacerbado, propende a fazer esquecer a solidariedade que é necessário construir entre as nações a fim de minorar os conflitos bélicos que dele se alimentam e sempre estão à espreita.
·
Também
não se diz, nesta fórmula simpática e apelativa, que a família aqui defendida é
a família heterossexual e patriarcal com exclusão de outras formas de
organização familiar. Ora, como sabemos, a família tradicional tem vindo a
sofrer alterações no sentido de suavizar a carga patriarcal que resiste em
perdurar e, alem disso, está a ser confrontada com outros modos de organização
familiar. Face a estes desenvolvimentos, é reconhecido o desagrado e o
ressentimento de muitos setores da sociedade, em primeiro lugar de muitos
homens, que sentem perder privilégios ancestrais, mas também de populações com
formação religiosa impregnada nas suas mentes, que embora pretendam aceitar as
mudanças, no fundo de si mesmas, são ainda presa de crenças e de preconceitos nas
quais estas não se encaixam.
Resumindo, existe um campo fértil para
a difusão da ideologia populista que prega “Deus Pátria e Família”, mas que
esconde:
(1) a intolerância religiosa contra outros
credos e também contra a ausência de credo;
(2) um nacionalismo fundamentado no ódio e na aversão ao que é diferente;
(3) um apego forte à família patriarcal e à ordem
e hierarquia nela implícitas.
Numa palavra, o populismo
recentra valores que a contemporaneidade tem vindo progressivamente a
desmontar. Por isso se pode dizer que afinal o
populismo é um anacronismo; é a recusa da modernidade que inspirou o
liberalismo, apenas com uma exceção, mas uma exceção de peso, que pode explicar
o seu sucesso: a aceitação do liberalismo económico, indispensável ao
funcionamento do capitalismo. Quer dizer o populismo não põe em causa o
sistema capitalista e o tipo de liberdade que este exige e pressupõe – este é o
segredo do seu sucesso, isto é, da sua aceitação pelos setores sociais privilegiados.
Melhor ainda, os seus valores afinal alinham com os valores essenciais do
capitalismo: hierarquia em vez de igualdade; dominação de uns e submissão de
outros; liberdade dos mercados, isto é, liberdade para aqueles que controlam a
economia.
O populismo aparece assim como a verdadeira face política do capitalismo quando a máscara da democracia liberal não mais se sustenta. Resta saber se as contradições que suscita não se vão continuar a manifestar, agora em outros campos e de sentido diferente, e se o populismo não será de facto e de direito a última fase do capitalismo – a face feia, mas necessária que o capitalismo tem hoje de assumir para se sustentar.
Glossário retórico:
O populismo é a política
da pedra lascada;
O populismo é um
anacronismo;
O Populismo - é a última
tábua de salvação do capitalismo - a face feia do capitalismo.
Sem comentários:
Enviar um comentário