sábado, 14 de janeiro de 2023

 

Populismo e corrupção

Uma das bandeiras atuais dos partidos populistas é a da luta contra a corrupção; mas mais uma vez, como é sua caraterística dominante, o populismo dá uma resposta simples a um problema complexo: advoga um estado forte que, de uma penada, elimine os políticos corruptos e com eles, claro, a democracia liberal, instalando um governo autocrático que reponha a ordem e a autoridade. Esta resposta é simples porque não compreende, ou não quer compreender, a complexidade do problema; contudo a maioria das pessoas, precisamente porque é simples, aceita-a sem contestação e sem escrutínio.

O populismo não compreende desde logo que existe contradição entre o sistema político e o sistema económico, isto é, entre a democracia liberal e o capitalismo. De facto, enquanto a democracia propõe igualdade de participação política e de representação, o capitalismo está nos antípodas porque o modo de produção capitalista está longe de ser democrático: quem decide o que produzir e como produzir é o dono do capital não são as pessoas que trabalham para o servir e que não são tidas nem achadas, nem tem qualquer poder decisório. Por exemplo, se ele entender deslocalizar a empresa, os trabalhadores não terão qualquer hipótese de anular tal decisão por mais gravosa que esta seja para as suas vidas.

Todavia, malgrado esta contradição entre democracia e capitalismo, os donos do capital precisam do Estado para este lhes criar as condições mais favoráveis e por isso precisam de alguma maneira de dominar o aparelho politico; de notar que este, em principio, nas democracias liberais,  já lhes é favorável porque afinal os políticos na sua maioria são filhos das burguesias nacionais e defendem os interesses destas, desse modo estão recetivos à adoção de medidas que favoreçam o sistema económico vigente. Quando tal não sucede espontaneamente, entram as luvas, os subornos, os favores, as placas giratórias entre a esfera política e as empresas, etc., numa palavra, entra a corrupção.

No caso que estamos a abordar, o populismo pretende que a resposta/solução do problema da corrupção consiste em punir/eliminar os corruptos, uma resposta circular: há corrupção porque há corruptos, se eliminarmos os corruptos, eliminamos a corrupção. Reparem na falácia, é como dizer: há pobreza porque há pobres, logo a solução da pobreza está encontrada se eliminarmos os pobres.

Esta resposta populista ignora a verdadeira causa do fenómeno e desse modo não se propondo eliminar a causa não vai eliminar o efeito. Ora a causa da corrupção não são os políticos, é o sistema económico e os seus agentes diretos que exigem que as medidas políticas sejam favoráveis aos seus interesses económicos; os corruptos são simplesmente o meio de que os corruptores se servem para atingir os seus objetivos.

Assim, se um partido populista vencer eleições e for governo, o mais certo é que vá subordinar as suas políticas aos interesses do capital; se não o fizer, terá igualmente corruptos no seu interior ou então terá os dias contados. Isto porque, qualquer que seja o sistema político, o capitalismo tem de manipular a governação, seja através da própria representação ou da sua cooptação por meio  do suborno, vulgo corrupção.

 

2 comentários:

  1. Belo!!!
    "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come"
    Exatamente como na peça do mesmo nome para o teatro (1966), de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, logo no início do período da ditadura (1964) no Brasil
    Obrigada pela reflexão.
    Beijo. Ana BR

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  2. "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come" Belo, adorei, já conhecia, mas nunca tinha pensado o verso neste contexto. Pois é, enquanto houver capitalismo, o regime politico ou colabora às boas e faz os fretes, ou, se não colabora, tarde ou cedo vai para as urtigas. Portanto, para abreviar: "Não são os políticos, é o capitalismo, estúpido!"

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