A
história de Lucrécia, contada pelo historiador romano Tito Lívio,
ilustra de modo flagrante a íntima ligação entre sexo e
moralidade. Lucrécia, esposa de reconhecida virtude, foi violada por
Tarquínio, o último rei de Roma, que exerceu pressão direta (força
física) ou ameaçou matá-la e de seguida encenar o envolvimento
dela com um escravo. Lucrécia acabou por se suicidar tendo
proclamado: “como pode uma mulher viver bem se perdeu a sua
castidade?” A família vingou-se e Traquínio viu-se obrigado a
fugir.
Este
acontecimento foi objeto de numerosas pinturas e narrativas
dramáticas, e até mesmo de comentários filosóficos. Kant, pr
exemplo, já em fins do século XVIII, um filosofo tão reto e irrepreensível teve o
'descaramento' de reprovar Lucrécia por não ter resistido antes de
se sucidar.
A
história de Lucrécia ilustra a ligação intima que a sociedade e
também os seus mentores têm estabelecido entre comportamento sexual
e valor ético da pessoa, sobretudo no que às mulheres diz respeito.
Hoje temos dificuldade em ver, ou pelo menos em justificar, esta
ligação que se manteve, pelo menos no nosso país, até aos fins do
seculo XX e que execrava a mulher solteira não virgem ou a mulher
casada adúltera, consideradas não dignas de respeito social e
moral. Aqui no ocidente, particularmente nos países de tradição
latina como Portugal, uma jovem que tivesse tido relações sexuais
com o namorado era considerada desonrada; era assim que as pessoas se
lhe referiam. A mulher honesta devia ser casta e tal significava
ter relações só com o marido. Para a mulher a “pureza sexual” era
condição sine qua non para ser considerada uma “pessoa”
honesta.
Ainda hoje, malgrado alguns avanços, esta mentalidade está
presente bastando para tal lembrar o assassínio frequente de
mulheres pelos seus companheiros.
Erradicar
esta mentalidade é tarefa complicada, mas podemos sempre perguntar:
O
que é que uma determinada prática sexual ou o que é que um
determinado comportamento sexual têm a ver com a bondade ou maldade,
com a generosidade ou com a lealdade ou com a probidade da pessoa humana?