quinta-feira, 30 de abril de 2009

Quem não gosta de ser livre?

Procurem a resposta na Bíblia

Elizabeth Cady Stanton (1815-1902), feminista norte-americana, defendeu a necessidade de se pôr a nu a misoginia contida em inúmeros textos bíblicos. Todavia, esta posição era rejeitada por outras feministas da época, como Susan Anthony, com o argumento de que ela iria alienar boas vontades para a causa das mulheres.
A posição de Stanton, expressa nas seguintes palavras, parece todavia bastante razoável:
«Estes textos familiares são citados pelo clero nos púlpitos, pelos homens de estado nas câmaras legislativas, pelos advogados nos tribunais e ampliados pela imprensa em todos os países civilizados e são aceites pela própria mulher como a “palavra de Deus”. Tão pervertida está a natureza do elemento religioso que, com a fé e as obras, ela é o suporte da Igreja e do clero – os verdadeiros poderes que tornam a emancipação impossível. Quando nos princípios do século XIX, as mulheres começaram a protestar contra a degradação civil e política a que estavam sujeitas, disseram-lhes que procurassem a resposta na Bíblia. Quando protestaram contra a sua posição desigual na Igreja, disseram-lhes que procurassem a resposta na Bíblia.»

Em outro passo Stanton acrescenta:

«Quanto mais leio (os textos bíblicos), mais profundamente sinto a importância de convencer as mulheres de que a mitologia hebraica não tem especial pretensão a uma origem mais elevada do que a grega, sendo bem menos atractiva no estilo e menos refinada no sentimento. Há muito que as suas características objectáveis se teriam tornado aparentes, não tivessem elas sido glosadas com fé na sua divina inspiração.»

Como se pode avaliar pela leitura destes excertos da obra de Elizabeth Stanton (citados por Naomi Goldenberg em Changing of the Gods: Feminism and the End of Traditional Religions), ela tem a clara noção, por um lado, do carácter misógino de muitos textos bíblicos e da influência perniciosa que exerceram enquanto obstáculo à emancipação das mulheres e, por outro, do seu carácter mítico enquanto narrativas imaginadas para interpretar e explicar acontecimentos, o que lhes retira a força que uma pretensa inspiração divina lhes poderia outorgar.
Na época, a posição de Stanton parecia demasiado perigosa e arriscada, mais de um século volvido, infelizmente o tema continua a ser melindroso, o que mostra bem quão pouco se progrediu em determinados aspectos.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

John Lennon e o feminismo

Uma canção controversa: há quem pense e sinta que, embora a intenção tivesse sido positiva, pelo tipo de linguagem utilizada, a defesa da igualdade das mulheres acabou por reforçar outros tipos de opressão.
A mim não me parece, mas podemos sempre conferir:



Woman is the nigger of the world
Yes she is...think about it
Woman is the nigger of the world
Think about it...do something about it
We make her paint her face and dance
If she wont be a slave, we say that she don't love us
If she's real, we say she's trying to be a man
While putting her down, we pretend that she's above us
Woman is the nigger of the world...yes she is
If you don't believe me, take a look at the one you're with
Woman is the slave of the slaves
Ah, yeah...better scream about it
We make her bear and raise our children
And then we leave her flat for being a fat old mother hen
We tell her home is the only place she should be
Then we complain that she’s too unworldly to be our friend
Woman is the nigger of the world...yes she is
If you don't believe me, take a look at the one you’re with
Woman is the slave to the slaves
Yeah...alright...hit it!
We insult her every day on TV
And wonder why she has no guts or confidence
When she's young we kill her will to be free
While telling her not to be so smart we put her down for being so dumb
Woman is the nigger of the world
Yes she is...if you don’t believe me, take a look at the one you’re with
Woman is the slave to the slaves
Yes she is...if you believe me, you better scream about it
We make her paint her face and dance
We make her paint her face and dance
We make her paint her face and dance
We make her paint her face and dance
We make her paint her face and dance
We make her paint her face and dance

Madame de Stael ou … como as mulheres se deixam ludibriar …

Sugiro hoje como tema de reflexão o seguinte texto de Madame de Stael (1776-1817) que li em Mary Trouille «Sexual Politics in the Enlightenment»:
«Embora Rousseau tentasse impedir as mulheres de se imiscuírem nos assuntos públicos e diminuir a sua influência sobre as deliberações dos homens, como ele reverenciava a sua influência sobre a felicidade dos homens! Encorajava-as a desistirem do trono que tinham usurpado, mas colocava-as de novo no trono para o qual a natureza as tinha verdadeiramente destinado! E, embora se sentisse ultrajado quando as mulheres tentavam assemelhar-se aos homens, como as adorava quando se apresentavam perante ele com todos os encantos, fraquezas, virtudes e erros do seu sexo! Por isso, o seu perdão está garantido: ele acreditava no amor.»

Uma mulher culta e influente da época, como Madame de Staell, revela sentimentos ambivalentes em relação a Rousseau e parece não querer perceber como este só reverenciava as mulheres quando elas se punham no que ele entendia ser o seu lugar natural: a esfera privada da família. Para ele, quererem usufruir de direitos políticos e intervir na esfera pública era quererem assemelhar-se aos homens.
Stael não consegue reconhecer a misoginia de Rousseau disfaraçada sobre uma capa de pseudofeminismo, como ocorre ainda com frequência nos nossos dias com aqueles que consideram as mulheres adoráveis desde que sejam mulheres, isto é, desde que prescindam de direitos que, paradoxalmente, eles próprios consideram universais e inalienáveis.
O curioso é que Madame de Stael pela vida que levou esteve muito longe do modelo de fada do lar que Rousseau enaltecia: casou, pouca atenção deu aos filhos, teve vários amantes, foi animadora de um Salão parisiense, escreveu, numa palavra, teve uma vida pública intensa. Dela pode dizer-se o que se diz de S. Tomé: olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz!
Ou será que Stael, filha do influente e aristocrático Necker, alto funcionário das Finanças de Luis XVI, está apenas a contemporizar com as suas origens para melhor se conseguir movimentar num meio que lhe era hostil?

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Proteger os direitos reprodutivos das mulheres

A resposta de Hillary Clinton a um parlamentar da oposição que lhe pede para clarificar a posição da Administração Obama quanto à política de saúde reprodutiva e para esclarecer se esta inclui o acesso ao aborto não podia ser mais lúcida e tranquila.
Face ao sofrimento de tantas mulheres, vítimas de abortos clandestinos, face à alarmante situação, sobretudo em países do terceiro mundo, de tantas mães adolescentes com 12 e 13 anos de idade, que, mal saídas da infância, são obrigadas a tomar a seu cargo crianças quando ainda elas próprias são crianças, só há uma política lúcida e honesta: lutar contra a ignorância, lutar contra a dificuldade de acesso a práticas contraceptivas, aceitar o aborto sim, para o tornar seguro, legal e raro.

Rita Levi-Montalcini – uma mulher e um exemplo

Rita Levi-Montalcini completou 100 anos na passada quarta-feira. Nasceu em 1909, em Turim, no seio de uma família judaica. Para entrar na universidade e cursar medicina, teve de afrontar a vontade paterna que entendia que uma carreira profissional era desaconselhável para as mulheres pois iria interferir com os seus deveres de esposas e de mães.
Quando em 1936, Mussolini, ao abrigo de leis raciais, a afastou de funções de investigadora de uma instituição estatal, Rita, dotada de extrema perseverança, continuou o seu trabalho em casa num laboratório improvisado. Reintegrada no pós guerra, em breve partiu para os Estados - Unidos que lhe ofereciam melhores condições de investigação e aí permaneceu por um período de trinta anos. O Nobel da Medicina foi-lhe atribuído em 1986 pelo seu trabalho sobre os factores de crescimento das células nervosas, que permitiu perceber melhor o mecanismo de doenças cancerígenas, do Mal de Alzheimer e de Parkinson.
Lutadora e trabalhadora incansável sempre defendeu os direitos humanos, promovendo e integrando campanhas de apoio às mulheres africanas e de luta contra a fome. Em 2004, apesar da idade, tomou posição activa contra a pretensão, da então ministra da educação, de abolir o ensino da teoria evolucionista nas escolas.

Rita Levi-Montalcini é um exemplo e uma inspiração porque «O corpo pode morrer, mas as mensagens que deixamos em vida permanecem.»

domingo, 26 de abril de 2009

Quando a Igreja Católica colhe o que semeia

Na República Dominicana, país de forte tradição católica, foi votada uma emenda à Constituição que no artigo 30 estabelece: «O direito à vida é inviolável desde a concepção até à morte» - impondo-se assim a proibição radical do aborto.
Do alto do púlpito, o Cardeal de S. Domingos, Nicholas de Jesuz Lopez Rodriguez na missa que semanalmente oficia voltou a reafirmar a oposição da Igreja Católica ao aborto em qualquer circunstância. O movimento pró-vida exultou com o novo quadro legal.
Estranho nome este de movimento pró-vida; estranha Igreja esta do inviolável direito à vida, porque para ambas, de facto, a única vida que importa é a do feto, a da mulher é dispensável; de outro modo, no mínimo teriam considerado uma excepção: o risco de vida para a mulher, ou seja, o aborto terapêutico que as autoridades médicas do país são unânimes em defender.

Não satisfeitos com a ilegalização total do aborto, em qualquer circunstância, também os anticoncepcionais estão na mira dos legisladores, proibindo-se desde já o recurso aos dispositivos intrauterinos.

É uma infelicidade que, num país com índices alarmantes de pobreza e em que 39% dos lares são constituidos por mães solteiras e seus filhos, se castiguem os pobres com filhos não desejados, condenados a repetirem o ciclo de sofrimento e pobreza.

Como o capitalismo convive com a mudança

Recentemente um banco argentino, o banco Província, para publicitar os seus produtos, reproduziu um diálogo entre um velho senhor e uma transexual:



Ao apresentar positivamente a transexual, a mensagem que envia é de tolerância e de respeito pela identidade de género, o que não é de menor importância num momento em que os crimes de ódio com fundamento no sexo apresentam um recrudescimento assustador.
Este incidente parece dizer qualquer coisa acerca da capacidade de renovação do sistema capitalista - estamos a falar de um banco, mas também nos diz que este não teme perder clientes, bem pelo contrário parece apostar no seu alargamento respeitando uma sociedade que se pretende inclusiva.
«A tua vida muda quando o teu banco está disposto a mudar»: Simples manobra de marketing? Capacidade de renovação do sistema? Assimilação de valores humanistas?

sábado, 25 de abril de 2009

Uma mulher na presidência do Brasil?

Dilma Rousseff, 61, actual Chefe da Casa Civil de Lula da Silva, perfila-se como candidata pelo PT - Partido dos Trabalhadores, à Presidência do Brasil, nas próximas eleições de 2010 e conta com o apoio do actual presidente, com boas hipóteses de vencer o seu presumível opositor, José Serra, Governador de S. Paulo.
Dilma tem um passado de luta política contra a ditadura que lhe valeu a prisão por um período de quatro anos. É inteligente, com boa capacidade de trabalho e comprovada capacidade de gestão.
Ciente da importância da imagem e das exigências do «marketing», submeteu-se recentemente a uma cirurgia estética que lhe renovou a imagem, o que bem vista as coisas, mesmo numa perspectiva feminista, não podemos reprovar, considerando a ferocidade de alguns media quando se trata de comentar figuras femininas que se atrevem a entrar num palco dominado quase exclusivamente por homens.
Esperamos, todavia, que, se for eleita, consiga imprimir mudanças significativas nas estruturas de poder e revele um estilo inovador no exercício do mesmo, cedendo à pressão ou à tentação de se transformar numa versão reciclada de «dama de ferro».

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Da castidade enquanto virtude ou de como os tempos mudam

Divergir da corrente tradicional e considerar a castidade – virtude pretensamente feminina, como uma virtude artificial, como David Hume fez (1711-1766), não é de todo indiferente, nem é uma questão ociosa, como pode parecer à primeira vista.
Se a castidade é uma virtude artificial, inculcada nas mulheres como recurso, na altura aparentemente único, para assegurar aos maridos a paternidade dos filhos que entendem como seus, então a unilateralidade dessa virtude deixará de fazer sentido a partir do momento em que se encontrem outros meios de identificar a filiação, o que nos nossos dias se consegue através dos testes de determinação do ADN. A partir daqui, se se quiser manter unida a família tradicional, a castidade deixará de ser virtude feminina para passar a ser simplesmente virtude tão aconselhável à esposa quanto ao marido, pois de outra maneira, este pode vir a ter filhos fora do casamento que irão certamente perturbar os arranjos, nomeadamente os financeiros, do seu matrimónio.
Não foi por acaso que, durante séculos, mantendo um duplo padrão de conduta, os homens se aventuraram fora do casamento, mas de uma maneira geral sempre recusaram aceitar ou sequer reconhecer os «bastardos» - palavra que ainda hoje na língua inglesa corresponde a um insulto que visa não o «virtuoso» progenitor masculino mas a mãe, entendida como senhora de costumes pouco edificantes. Agora essa estratégia deixou de estar ao alcance e convém que os homens se mantenham atentos, se não quiserem criar responsabilidades para as quais podem não estar preparados e que abandonem o duplo padrão de conduta não mais justificável.

Por aqui se vê como afinal, contrariamente à opinião de muitos, a filosofia, com as suas conceptualizações aparentemente irrelevantes, é um tipo de reflexão de consequências práticas iniludíveis.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Fanatismo e sexo ou quando o diabo anda à solta

Os iraquianos aprenderam uma nova forma de tortura para castigar e matar homossexuais. A denúncia recente foi feita por Yina Mohammad, activista dos direitos humanos.
Milícias xiitas utilizam uma substância química tipo cola só removível cirurgicamente para obstruir completamente o ânus das vítimas que em seguida são obrigadas a ingerir uma bebida que provoca diarreia. O resultado é uma morte lenta e um sofrimento indescritível.
Este é o Iraque democrático que Bush prometeu: uma mistura satânica de fanatismo, sexo e violência em doses inimagináveis.

Raízes da misoginia na tradição cristã







«As fundações da misoginia cristã – a sua culpa em relação ao sexo, a sua insistência na submissão da mulher, o tema da sedução feminina – estão nas Epístolas de S. Paulo. Elas fornecem um conveniente suplemento de textos misóginos divinamente inspirados para qualquer escritor cristão que os queira escolher; as suas declarações sobre a submissão da mulher foram ainda citadas no decurso do século XX pelos opositores da igualdade das mulheres.»[1]

Como Katharine Rogers aponta, a misoginia cristã, que tem perpassado toda a cultura ocidental, repousa basicamente em três aspectos fundamentais: (1) percepção negativa que o Cristianismo manifesta sobre a vida sexual; (2) percepção da mulher como sedutora e como a personificação da tentação; (3) defesa da necessidade de submissão da mulher ao homem.

A percepção negativa que o Cristianismo tem do sexo foi amplamente exposta e desenvolvida por S.Paulo e seguida pela generalidade dos Padres da Igreja nos primeiros séculos do Cristianismo. No Cristianismo, como de uma maneira geral em todas as religiões, a separação entre o corpo e o espírito é um aspecto fundamental; o corpo, imperfeito e perecível é obviamente depreciado e o espírito incorruptível e eterno é exaltado. Com o corpo, o instinto e a necessidade sexual são condenadas; por arrastamento são condenadas também as relações sexuais apenas admitidas no casamento como um mal menor que, por um lado, evita um pior desregramento sexual e por outro garante a sobrevivência da espécie. Os padres da Igreja apenas toleraram o casamento, mas elogiaram o celibato como a situação mais desejável.

Como para o homem o objecto do desejo sexual - que ele pretende reprimir, é a mulher e como se sente culpado por apesar de tudo sentir esse desejo, por um mecanismo psicológico compreensível, projecta na mulher todo o sentimento de pecado e de negatividade que o sexo lhe merece. Deste modo se explica a mundividência que apresenta a mulher (Eva) eterna pecadora e sedutora, como aquela que personifica o mal de que o homem deve fugir porque é sempre ela que o induz em tentação.

Por sua vez, esta visão depreciativa da mulher leva à prescrição da sua submissão ao homem e ao recurso à autoridade divina para a legitimar: O homem há-de estar para a mulher como Cristo para a sua Igreja e qualquer desobediência a um ou a outro é vista como pecaminosa e inaceitável.
Temos assim como a rejeição e a repressão do sexo conduziu à depreciação e ao ódio do objecto sexual identificado com a mulher e à subsequente tentativa de reduzir a mulher a esse estatuto para reforçar a sua depreciação e respectivo controlo. É certo que na origem deste processo estiveram motivações inconscientes; é certo que os instrumentos conceptuais utilizados pareciam a todos muito plausíveis; é certo que só nos dias de hoje começamos a desconstruir e a perceber com mais nitidez o processo, mas nem por tudo isso ele foi - e é ainda, menos injusto e pernicioso.

[1]Katharine M. Rogers: The Troublesome Helpmate: A History of Misogyny in Literature.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Quando a homofobia começa na escola

Jaheem Herrera, 11 anos, enforcou-se após ter sido continuadamente enxovalhado e escarnecido na escola que frequentava, sob a alegação de que seria gay. Mais uma vítima mortal, este mês a segunda e pelo mesmo motivo, da prática do bullying, muito vulgarizada em escolas dos Estados Unidos e vista com alguma complacência (as rapaziadas do costume!) pelas autoridades de muitas instituições.
Independentemente desta suspeita de comportamento ou tendência homossexual ter ou não fundamento, a mensagem que este tipo de perseguição envia é a de que aquele que não se comporta de acordo com o estereótipo de masculinidade considerado desejável irá ter problemas.
Para Jaheem Herrera os problemas terminaram a 17 de Abril de 2009; os seus colegas encarregaram-se de dar uma ajuda. Alguém me diz o que é que os pais ensinaram a estes rapazinhos??

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Partilhar o mundo para o transformar

Os valores incrustados nas leis, nos costumes, nas instituições, nas organizações, são valores que foram atribuídos pelos homens; as mulheres não tiveram uma palavra a dizer, nem sequer foram ouvidas; por isso, algumas feministas pensam que não irá adiantar muito uma partilha do poder mesmo que esta assuma a proporção de 50% por 50% porque as mulheres continuariam a movimentar-se numa esfera masculina e a assimilar valores da sociedade patriarcal, quando o que se impõe é pôr em causa esses valores e essa sociedade.
Embora concorde basicamente com esta avaliação, penso, no entanto, que é importante a partilha do poder por parte das mulheres, mesmo que esse poder seja na sua essência masculino, pois só num momento seguinte, dentro do sistema - qual cavalo de Tróia, será possível abalá-lo significativamente.

O acesso ao poder teve início a partir do momento em que as mulheres, mesmo com todas as dificuldades e limitações, começaram a aceder ao mercado de trabalho pois este garantiu-lhes alguma independência económica, condição indispensável para a libertação e o auto-controlo. Mesmo aceitando-se que esse mercado é organizado segundo regras que foram escolhidas pelos homens, seria um retrocesso desistir dele. Idêntica situação ocorre com o poder político; parlamentos, órgãos de governo, dirigidos milenarmente pelos homens, tiveram obviamente de incorporar os valores que estes pensavam ser preferíveis, mas só se nós, mulheres, lá chegarmos é que poderemos fazer alguma coisa para alterar esse e outros universos em que nos movemos.
Se as mulheres em geral, em pé de igualdade com os homens, participarem nos órgãos de deliberação e de decisão, então podemos dizer que enquanto classe oprimida terão deixado de existir; todavia é importante que tenham a noção de que a partir daí não é legítimo que participem na opressão de outros, seja em nome da religião, da raça, de interesses económicos ou outros, pois isso constituiria uma traição dos ideais pelos quais lutaram e significaria que estavam a pactuar com os valores da sociedade patriarcal.

domingo, 19 de abril de 2009

Vida familiar e carreira – Que resposta?

Retomo hoje o tema que abordei no post de 8 de Abril: vida familiar e carreira, tentando encontrar resposta para a questão que nele formulei.
O mundo do trabalho, tal como o conhecemos, é fruto de uma evolução secular, mas basicamente podemos dizer que foi organizado pelos homens e para os homens. Partiu do pressuposto da divisão da vida social em duas esferas distintas: a esfera privada da família e a esfera pública do trabalho, sendo a primeira o lugar onde a mulher exercia os papéis de mãe e de esposa, através dos quais provia à manutenção da espécie e do indivíduo (homem) ao qual assegurava as necessidades básicas de sobrevivência para que por sua vez pudesse florescer na esfera pública.
Neste contexto e libertos de cuidados demasiado prosaicos e rotineiros, os homens puderam dispensar boa parte da sua energia ao trabalho e à vida realmente produtiva dado que as tarefas reprodutivas e de subsistência ficavam praticamente entregues em exclusividade às mulheres.
Não vou falar aqui das consequências que resultaram desta divisão social. Vou concentrar a atenção no mundo do trabalho ao qual, lenta mas continuamente, as mulheres começaram a aceder e no qual vão encontrar inúmeras dificuldades a que os elementos masculinos são poupados.
Para além de outros aspectos, essas dificuldades, decorrentes do facto de a organização do trabalho ter sido masculina, tiveram como consequência restringir a liberdade das mulheres, levando-as a escolher profissões menos exigentes ou profissões que lhes permitissem uma melhor gestão do tempo, como é o caso, por exemplo, do Ensino que possibilita que muito trabalho seja feito em casa e fornece assim um enquadramento menos rígido e mais compatível com as tarefas domésticas. No caso de carreiras mais exigentes nas áreas, por exemplo, da política, administração empresarial ou finanças, é frequente as mulheres queixarem-se da existência de um «tecto de vidro», isto é, de obstáculos informais, não declarados nem visíveis, que não lhes permitem o acesso aos lugares de topo da carreira.
O mundo do trabalho tal como se apresenta é um mundo muito exigente em termos de disponibilidade e dispêndio de energia e justifica essa exigência pela necessidade de competitividade: é sempre preciso ser melhor do que os outros para produzir mais e melhor. Claro que este conceito de competitividade como estilo de vida é discutível, mas não o faremos aqui. O facto é que, para as mulheres que têm a seu cargo a organização da vida familiar, isso representa uma desvantagem real pois tornam-se, enquanto força de trabalho, menos competitivas que os seus colegas masculinos e por tal motivo são preteridas, ou ganham menos ou não chegam a lugar de topo.
A inversão desta situação passa por transformações profundas - não por mera cosmética, na vida familiar e na vida profissional. E para essas transformações têm de começar a caminhar-se em simultâneo porque umas não são possíveis sem as outras.
Quanto à vida familiar é preciso ir mais além da mera pretensão a que os homens ajudem nas tarefas domésticas, não é que essa ajuda não seja importante, mas é que ela é insuficiente. O conceito de ajuda implica sempre um papel secundário: os homens ajudam, mas o trabalho é delas… Ora é este modelo que é preciso começar a rejeitar: a responsabilidade pelas tarefas domésticas, cuidado dos filhos e/ou dos elementos mais idosos das famílias, é dos dois e deve ser igualmente repartida ou pelo menos tem de caminhar-se nesse sentido.
Na esfera profissional é preciso encontrar modelos mais flexíveis tanto para os homens como para as mulheres que permitam compatibilizar as suas responsabilidades profissionais com as responsabilidades domésticas. Uma dessas medidas deveria ser a de reduzir a jornada de trabalho. A situação actual em que vivemos, com índices preocupantes de desemprego que podem vir a provocar convulsões sociais, impunha regulamentação a promover pela Organização Mundial do Trabalho nesse sentido. Uma outra medida seria flexibilizar essa jornada de trabalho permitindo, por exemplo, o trabalho em casa sem a deslocação a escritórios ou outros locais - o que a Internet e os computadores já facilitam em muitas situações. Por outro lado, o aumento de lugares de boa qualidade onde as crianças possam desenvolver-se saudável e harmoniosamente seria um instrumento importante que se podia tomar a nível estatal ou de grandes empresas para ajudar as famílias.
Resumidamente podemos dizer que o que é preciso é alguma imaginação e vontade política para alterar as coisas. Mas as coisas só poderão ser alteradas se:
(1) Os homens também começarem a sentir as pressões que as mulheres actualmente experimentam nas suas tentativas de conciliação entre vida familiar e profissional;
(2) As mulheres cooperarem em força no campo legislativo ocupando cargos políticos que permitam intervenção efectiva.

As mudanças na vida familiar e na vida profissional, caminhando em paralelo, reforçar-se-ão mutuamente. Isto no curto prazo, penso, é o que se pode fazer.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

O valor de uma mulher

Susan Boyle, 47, escocesa, é a cantora sensação do momento do You Tube. Descoberta por um programa televisivo o «Britain’s Got Talent», encantou o júri e a audiência e parece ter aberto a porta do sucesso.
Este curioso episódio diz-nos muito acerca de nós e da nossa própria cultura, uma cultura superficial e sexista, de dominância masculina, que nas mulheres valoriza acima de tudo a juventude e a beleza. Com base em tal critério os media bombardeiam-nos constantemente com imagens femininas plasticizadas que constituem os modelos a seguir, essa é pelo menos a mensagem subliminar que muitas mulheres captam e por isso não é de estranhar que recorram com tanta frequência à cirurgia estética para se aproximarem dos modelos exigentes que lhes são propostos.
Susan Boyle não é jovem nem é bela; se calhar por tal motivo o seu talento não foi descoberto há mais tempo ou, o que seria ainda mais grave, nunca ninguém quis investir nele. Mas é senhora de uma bela voz e encantou quem a ouviu; afinal é uma mulher e tem valor, embora lhe faltem juventude e atractivos físicos.

O que vai na mente perversa desta gente?

Ontem, ao tentar encontrar algum tipo possível de explicação para a sanha dos talibans contra as mulheres que, com a aprovação da sociedade envolvente, os leva a penalizá-las, mesmo quando são vítimas de violação, por uma curiosa associação de ideias lembrei o nosso imortal Kant que na obra «Leituras sobre Ética» escreveu sobre violação:

«Não importa que tipo de tormentos eu tenha de sofrer, ainda assim posso viver moralmente. Devo sofrê-los todos, incluindo o da própria morte, em vez de cometer uma acção desonrosa. A partir do momento em que eu não mais posso viver com honra, mas me torno indigno de viver por causa de uma tal acção, não posso mais viver de todo. Assim, é preferível morrer honrado e respeitado do que prolongar a vida por um acto desonroso. … Se, por exemplo, (a mulher) apenas pode preservar a vida rendendo a sua pessoa à vontade de um outro, ela está obrigada a desistir da sua própria vida, ao invés de desonrar a humanidade na sua própria pessoa que será o que estará a fazer ao transformar-se ela própria no objecto da vontade de um outro.»[1]

Resumindo, de acordo com as palavras de Kant, perante uma tentativa de violação, a mulher deve resistir matando-se ou permitindo que o potencial violador a mate, porque está a degradar-se e a degradar a humanidade através da sua própria pessoa.
Para além de as alternativas acima referidas puderem nem sequer estar à disposição da mulher, outras questões se levantam. Não se percebe como é que uma vítima de violação está a cometer uma acção, da qual resulta responsabilidade e culpa, percebe-se sim que ela está a ser vítima da acção de outrem e de uma acção que a reduz ao extremo da passividade, que tão apregoada tem sido nas descrições que se gosta de fazer das mulheres - porventura é essa passividade que o autor da violação procura na prática desse acto, mas esta é uma questão que merece outra abordagem. Kant, todavia, entende que de alguma maneira a mulher é culpada porque poderia e portanto deveria ter resistido e evitado a agressão nem que fosse à custa da própria vida.
Subjacente a toda esta questão, está o princípio, profundamente sexista, de que o valor, a dignidade e a honra de uma mulher apenas têm a ver com a sua vida e comportamento sexual , este princípio, por sua vez decorre, ele próprio, da redução da mulher à situação de objecto sexual que para ser valioso requer a manutenção de determinadas características definidas pelo outro sexo e aceites mais ou menos por todos através de processos de impregnação cultural. Mesmo nós, aqui, no Ocidente «civilizado» tínhamos (temos?) esta ideia da honra de uma mulher, e ainda há bem pouco tempo, considerava-se uma rapariga desonrada se tivesse mantido relações sexuais com o namorado, nesse caso, só o casamento poderia lavar a sua honra e transformá-la numa mulher honesta.
Será este o entendimento que os talibans e seus seguidores têm da situação? A vítima de violação é culpada porque deveria ter resistido, se não resistiu, não merece viver ou merece ser de algum modo punida? A mulher da imagem deveria ter acatado o costume e cometido suicídio?

Se esta não é a explicação, alguém me ajude e me diga o que é que vai na mente perversa desta gente.

[1] Citado por Alan Soble in “Kant and Sexual Perversion”

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O terror Taliban continua

No Afeganistão, numa aldeia da província de Nimroz onde a influência Taliban é praticamente indisputada, um jovem casal foi condenado à morte após julgamento sumário. Gul Pecha, 19, e o namorado, Abdul Azize, 21, tinham tentado fugir (o objectivo seria atingir o Irão), pois as famílias não aprovavam a ligação e pretendiam mesmo casar a jovem com um homem muito mais velho, mas foram capturados e entregues pelos próprios pais aos Taliban. Amarrados e de vendas nos olhos enfrentaram a execução pública, provavelmente para servirem de exemplo. A notícia foi dada pelo Guardian em 15 do corrente mês.
Deste modo, os Taliban continuam a seguir a prática baseada numa interpretação violenta e intransigente da lei islâmica que tristemente os celebrizou no período em que estiveram no poder, de 1996 a 2001; e, o que é porventura mais grave, os seus procedimentos encontram eco nas populações ultraconservadoras que os aprovam e encorajam.
Neste país a dimensão dos crimes contra as mulheres é difícil de contabilizar, mas a «qualidade» dos mesmos diz tudo: uma mulher violada, se se atreve a denunciar a violação é presa porque admite ter tido relações sexuais com um homem que não o seu marido!!

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Stuart Mill e a causa das mulheres

John Stuart Mill (1806 -1873), melhor do que qualquer outro, percebeu quão difícil seria para as mulheres investirem e comprometerem-se na sua própria emancipação dados os condicionalismos de vária ordem que sobre elas se exerciam. Essa dificuldade, sentida no século XIX, em plena sociedade vitoriana, ainda hoje subsiste porque de facto muitos desses condicionalismos também subsistem, provavelmente apenas se atenuaram.
Stuart Mill Identificou com lucidez o tipo de opressão a que as mulheres se encontram sujeitas na sociedade patriarcal; esse tipo de opressão, pela sua natureza, dificulta extremamente qualquer empreendimento libertador. Enquanto em outros grupos sociais, por exemplo, classes dominantes e classes dominadas, senhores e escravos, existe distanciamento entre o opressor e o oprimido e indiferença afectiva ou mesmo ódio que pode ser despoletado em qualquer momento para se transformar no combustível que anima a luta do oprimido contra o opressor, isso não acontece com a opressão dos elementos femininos da sociedade pela estrutura masculina. Aqui o oprimido está em ligação íntima com o opressor e essa ligação, embora muitas vezes inconscientemente ambivalente, apresenta quase sempre uma tonalidade afectiva positiva.
Enquanto as mulheres não perceberem estes complexos mecanismos de controlo e o modo como o processo de socialização interfere para os reforçar, dificilmente deixarão de ter as suas mentes escravizadas como Stuart Mill nos ajuda a compreender:

«Todas as causas, sociais e naturais, se combinam para tornar improvável que as mulheres, colectivamente, possam rebelar-se contra o poder dos homens. Estão de tal modo numa posição diferente de todas as outras classes subjugadas que os seus senhores exigem delas mais do que simples serviços. Os homens não querem apenas obediência das mulheres, querem os seus sentimentos. Todos os homens, excepto os mais brutos, desejam ter nas mulheres, a eles mais proximamente ligadas, não uma escrava à força mas uma escrava voluntária, não uma mera escrava, mas uma favorita. Por isso, tudo puseram em prática para escravizar as suas mentes. Os donos de todos os outros escravos, para manter estes em obediência, contam com o medo, seja medo deles próprios, seja medos religiosos. Os donos das mulheres querem mais do que simples obediência e orientaram toda a força da educação nesse sentido.»

terça-feira, 14 de abril de 2009

Natureza e racionalidade

A filosofia ocidental identificou a esfera da racionalidade com o masculino e a esfera da natureza com o feminino e tal identificação foi o instrumento conceptual que serviu para justificar o domínio, submissão e estatuto social das mulheres.
Neste contexto, é compreensível que algumas feministas encarem com desconfiança todas as tendências que, mais ou menos abertamente, continuam a procurar relacionar a mulher com a natureza e que olhem com reticências o conceito de racionalidade.
O que se constata é que o conceito de racionalidade implica características do grupo que supostamente a possui e conduz à exclusão ou depreciação de outros grupos que ou não a possuem ou a detém num grau considerado inferior. A racionalidade é assim por inerência uma esfera masculina e nela estão contidos os atributos de objectividade, abstracção, universalidade e liberdade que a distanciam da subjectividade, das considerações concretas e particulares e da necessidade que impera na esfera da natureza.
Remeter a mulher para a esfera da natureza é afirmar, pelo menos de modo implícito, que o seu estatuto não depende de factores contingentes e de condicionalismos sociais, mas é antes necessário e inevitável; leva a enfatizar as diferenças entre os sexos, tende a inferiorizar a mulher e a conceder-lhe um tratamento desigual e injusto, numa palavra, a manter o status quo.
Por outro lado, como o conceito de racionalidade se constituiu como o critério que demarca o ser humano da restante animalidade, podemos dizer que o conceito de ser humano também não é neutro, como se pretende fazer supor, mas masculino ou pelo menos construído sobre o modelo masculino.
Às mulheres, aceitando-se esta camisa - de - forças, parecem restar apenas duas alternativas: ou se distanciam do (desse) ideal de ser humano e aceitam o modelo de feminino que as liga à natureza com todas as desvantagens conhecidas, ou procuram apropriar-se das características masculinas. Nestas circunstâncias talvez sejam compreensíveis os diferendos entre várias tendências feministas que nem sempre se entendem sobre o que realmente convém às mulheres. Mas nem tudo parece perdido, e pode vislumbrar-se um terceiro caminho, difícil de trilhar é certo e no momento mais teórico do que prático, que está a levar ao reexame de conceitos – chave da tradição filosófica ocidental numa tentativa de os reconceptualizar retirando-lhes a carga sexista que ainda incorporam.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Talibans: o terror continua


Em Swat valley, no Paquistão, numa região fronteiriça com o Afganistão, na qual as autoridades legais apenas detêm um poder formal, uma jovem de 17 anos foi flagelada pelos talibans sob o pretexto de que teria mantido relações sexuais com um homem com o qual não era casada.
O governo decidiu mandar abrir um inquérito, mas a jovem recusou comparecer e negou ser ela a protagonista passiva da selvática cena!!


sexta-feira, 10 de abril de 2009

Sentimentalismo romântico e gaiolas mais ou menos douradas

O sentimentalismo romântico foi um tipo de discurso que ganhou força na Europa do século XVIII, nomeadamente em França; manifestou-se na literatura através de novelas que pressupunham um conjunto de atitudes que valorizavam os sentimentos e as emoções e realçavam a importância do amor no casamento.
Enquanto discurso apresentava um estilo próprio, normalmente reconhecido por uma linguagem efusiva e emotiva, e por um conteúdo que apelava aos sentimentos e adoptava uma atitude nostálgica em relação à natureza e à própria experiência.
Em relação às Mulheres - e é esse o aspecto que aqui me interessa referir, o sentimentalismo foi o meio utilizado para as convencer de que, aceitando o seu lugar natural, viveriam no melhor mundo possível. Cumpre reconhecer que de uma maneira geral foi bem sucedido.
Numa época - séculos XVII e XVIII, em que algumas mulheres procuravam já instruir-se e adquirir cultura, aproximando-se dos seus companheiros masculinos, não pareceu suficiente ridicularizá-las, como o fez Molière nas Femmes Savantes, ou desencorajá-las sob os mais variados pretextos, como o fizeram Rousseau, Kant e outros, em diversos escritos filosóficos e afins; era preciso dar mais um passo e fornecer modelos que elas pudessem seguir e nos quais, conquanto engaioladas, pudessem sentir-se bem, garantido assim ao sector masculino a continuação do usufruto pacífico e inquestionado de privilégios milenares.
Deste modo e tendo em vista cumprir a sua «agenda», devidamente disfarçada para não espantar a caça, o sentimentalismo elogiava o amor romântico e a felicidade doméstica pintando a vida do lar com as cores mais sedutoras e sacralizando a maternidade que, até então, é preciso dizê-lo, não fora olhada com particular desvelo[1]. Para confinar a mulher a este papel tão desigual daquele que esperava o homem, era importante realçar as diferenças entre os dois sexos, naturalizá-las e, como se não fosse bastante, prescrever um tipo de educação que as aumentasse em vez de as diminuir.

A mulher ideal era gentil, pura e altruísta; o marido e os filhos constituíam o seu mundo; se não desafiasse a tradição e os bons costumes e se agisse em conformidade com esse modelo, seria respeitada e feliz. Instruir-se, participar na vida política, exercer sequer uma profissão, isso estava completamente fora de cogitação.
É claro que o sentimentalismo romântico teve um efeito contraproducente em relação ao movimento que começava a dar os primeiros passos na luta pela redução das desigualdades entre homens e mulheres. Com a conivência das próprias mulheres, algumas delas cultas e que nas suas próprias vidas privadas até se afastavam do modelo proposto, saiu, pelo menos no momento, triunfante.

[1] Ver Elizabeth Badinter

O que é ser feminista

Depois de assistir ao vídeo: «This is what a Feminist looks like», não resisti a editar este post e a deixar aqui o endereço.
Há tantos mal-entendidos acerca do que é o feminismo e do que é ser feminista que se torna necessário desfazer equívocos que todos sabemos bem a quem aproveitam.
O feminismo não é o contrário de machismo, não pressupõe supremacia, mas igualdade: ser feminista é tratar as pessoas como iguais. Tanto homens como mulheres podem ser feministas. Mas as mulheres têm mais responsabilidades, neste específico caso, e serem feministas é uma maneira de manifestarem gratidão a todas aquelas e aqueles que lutaram pelos direitos de que hoje gozam e que nos parecem mesmo triviais, como, por exemplo, ir à escola, aprender e valorizar-se como pessoa.

Ser feminista é querer uma sociedade melhor e mais justa na qual um sexo não oprime o outro.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Anticoncepcionais, heroína e armas letais …

Uma aluna de um liceu de Virgínia - Estados Unidos, foi suspensa por duas semanas e corre o risco de vir a ser expulsa por ter sido «apanhada» a tomar um comprimido anti-concepcional. A penalização é equivalente à prevista para a entrada na escola com uma arma carregada e superior à prevista para quem for encontrado com heroína.
Ora o comportamento da aluna é responsável, sobretudo quando se defende a necessidade de prevenir uma gravidez altamente indesejada por toda a sociedade e de diminuir drasticamente o número de mães adolescentes. Mas, mesmo se não fosse esse o entendimento da Administração da Escola, não deixa de ser surpreendente a comparação entre o castigo aqui aplicado e o previsto nas outras duas situações acima referidas.
Parece que falta alguma dose de bom senso ou então, numa interpretação menos generosa, parece que se continua a pretender penalizar a mulher, exigindo que assuma a responsabilidade do seu «pecado». Neste último caso, mais um quotidiano de misoginia.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Vida familiar e carreira

Muitas mulheres encontram dificuldade em conciliar a vida familiar e o cuidado dos filhos com o trabalho fora de casa; no entanto este último é muito importante para a sua autonomia e capacidade de realização pessoal.

O mundo do trabalho foi organizado pelos homens e para os homens e assim não espanta que as mulheres não se sintam nele tão a vontade e muitas vezes aceitem voluntariamente limitar as suas expectativas e ambições o que ajuda a manter a desigualdade de estatuto, com os efeitos que conhecemos. Por isso novos modelos de organização do trabalho são requeridos. Não vejo os sindicatos, nos quais a representação feminina é escassa, reflectir sobre estas questões. Devolvo-as pois às leitoras e aos leitores:

Que tipo de modelos poderiam permitir conciliar vida familiar e vida profissional?
Como seria possível e o que seria preciso para implementar esses modelos?

terça-feira, 7 de abril de 2009

Os Talibans regressam pela porta das traseiras??

Na passada semana o parlamento afegão aprovou uma lei que visa regular a vida familiar das comunidades shiitas que representam entre cerca de 10 a 20% da população afegã. Um dos artigos dessa lei obriga as mulheres casadas a terem relações sexuais com os seus maridos até 4 vezes por semana, a menos que estejam doentes ou que o sexo agrave a doença. A esta lei as Nações Unidades deram a designação de «lei de violação conjugal» (marital rape) considerando que ela permite que o homem obrigue a mulher a ter relações contra sua vontade. Um outro artigo proíbe as mulheres casadas de saírem de casa sem a autorização dos maridos.
A reacção de algumas autoridades ocidentais já é conhecida, destacando-se o pronunciamento do Presidente Obama, porventura demasiado cauteloso e algo ambíguo; e a declaração corajosa de Gordon Brown que considerou que tal legislação era inaceitável e incompatível com a presença britânica na área já que não se pode pedir a soldados britânicos que sacrifiquem a vida por um regime que oprime as mulheres e que portanto não respeita os direitos humanos.
A parlamentar afegã Fawzia Koofi denunciou a lei como uma peça no que considerou ser um jogo político que repousa no sacrifício das mulheres e das crianças. É que aproximam-se eleições e o presidente afegão deve pretender agradar e obter o suporte das forças mais retrógradas. De qualquer modo, face à reacção das autoridades ocidentais, parece haver algum recuo e o presidente prometeu que a lei seria cuidadosamente analisada e eventualmente revista, antes da publicação.

Onde está a racionalidade masculina?

Durante séculos, no contexto da tão propalada diferença entre os sexos, defendeu-se que a racionalidade era apanágio dos homens enquanto a sensibilidade e as paixões (irracionais!?) eram atributo das mulheres.
Não vou aqui discutir este tema para o qual já dei alguns contributos em posts anteriores. Mas os acontecimentos do nosso quotidiano levam-me a questionar mais uma vez esta pretensão.

Só no último mês e apenas para falarmos dos Estados Unidos, ocorreram 55 estranhos assassinatos. O que têm em comum? Foram todos cometidos por homens, num ratio de 8 assassinos para 55 vítimas.
Recentemente ocorreu um verdadeiramente chocante: James Harrison, 34, matou os cinco filhos, quatro raparigas e um rapaz de idades entre 7 e 16. Motivação para o crime, a mulher tinha-o abandonado por outro homem. Cabe aqui dizer que ela tinha ficado grávida pela primeira vez quando tinha 13 anos (uma idade em que dificilmente poderia ter autonomia e capacidade para controlar a sua vida) e que os vizinhos referiram que ela e os filhos viviam aterrorizados pelo marido e pai.

Afinal o que este crime hediondo parece querer mostrar é que o caldo cultural sexista e misógino em que ainda vivemos continua a dar os esperados frutos.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A invisibilidade das mulheres na política

Descubra as diferenças.

São apenas duas, mas mesmo assim incomodam muita gente!
Em Israel, uma fotografia do gabinete governamental foi manipulada por dois jornais ultra-ortodoxos de modo a apagar as imagens das mulheres. Uma autêntica metáfora para o que se passa pelo mundo fora no que respeita à representatividade das mulheres na política e, neste específico caso, também, para a interferência da esfera religiosa no mundo laico.
Argumento: Publicar na imprensa imagens de mulheres fere gravemente a virtude da modéstia e do recato que estas devem respeitar.

O mito da Queda – variações à volta do tema

A propósito de uma das últimas mensagens uma comentadora falou em interpretações superficiais e por tal motivo resolvi recorrer a fontes e a autoridades que talvez permitam decidir quem está a ser superficial.
Começo assim por apresentar excertos de algumas epístolas do apóstolo Paulo, mais conhecido por S. Paulo, que como todos sabemos exerceu um papel fundamental na religião cristã.
Coríntios 11:13-16: «Mas eu quero que compreendas que a cabeça de cada homem é Cristo, a cabeça de uma mulher é o seu marido, e a cabeça de Cristo é Deus. (…)


Ao referir a obrigação de a mulher manter a cabeça coberta na igreja, justifica o facto de tal não ser necessário ao homem. «… já que ele é a imagem e a glória de Deus; mas a mulher é a glória do homem; porque o homem não foi feito da mulher, mas a mulher do homem. Nem foi o homem criado para a mulher, mas a mulher para o homem.»


Coríntios 14:33-35: «As mulheres devem manter silêncio na igreja. Porque não lhes é permitido falar, mas devem ser subordinadas, como a própria lei prescreve. Se há alguma coisa que desejam saber, deixemos que perguntem em casa a seus maridos. Porque é vergonhoso para uma mulher falar na Igreja.»


Timóteo 2: 11-15: «Porque Adão foi criado primeiro e só depois Eva; E Adão não foi enganador, mas a mulher foi enganadora e tornou-se transgressora. Todavia a mulher será salva através da maternidade, se viver em fé e amor e santidade, com modéstia.»


A quem não encontra aqui sinais de misoginia, aconselho a consulta rápida a um oftalmologista, se bem que duvide do tratamento porque «o maior cego é aquele que não quer ver».
Ainda para nos entendermos, preciso repetir que o misógino em princípio não apresenta declarada e descaradamente as suas posições e procura quase sempre suavizar o tom para fazer passar a mensagem e esta é, no mínimo, de menosprezo pelas mulheres, o que significa tê-las em menos apreço, considerar que em relação ao homem possuem menor valor. Ora, aqui, o tom nem sequer está assim tão suavizado.
Só para lembrar a abordagem do conceito, transcrevo do segundo post deste blogue: «Misoginia, como a palavra indica: misos =ódio + gyne= mulher, é o ódio às mulheres, que raramente se revela de forma explícita, mas que se manifesta insidiosamente nas atitudes ou nos comportamentos que ridicularizam as mulheres ou as menosprezam».

domingo, 5 de abril de 2009

Crime de honra?!

Tenho escrito sobre a religião patriarcal na sua versão judaico-cristã, mas convém não perdermos de vista que, apesar de tudo, nesta versão, a misoginia, embora longe de extinta, encontra-se hoje algo suavizada. Tal não acontece, todavia, em outros contextos como é o caso da religião e cultura muçulmanas em que conhecemos situações que poderíamos designar de atentados contra os direitos humanos na pessoa das mulheres; estes só não são vistos como tal porque parece que os direitos humanos continuam a ser masculinos mesmo na perspectiva ocidental.
Vemos o Ocidente muito preocupado em denunciar abusos de direitos humanos na China ou no Tibete, vimos a denúncia do apartheid na África do Sul, mas quando se trata das mulheres e da violação de direitos humanos básicos o que vemos é, as mais das vezes, o apelo esfarrapado ao multiculturalismo e a diferenças que se entende serem respeitáveis e de respeitar.
Ora porque é que nos sentimos no direito de reclamar contra atentados aos direitos humanos nas mais variadas regiões do globo e em relação aos direitos das mulheres ficamos tão estranhamente silenciosos? Será que os direitos das mulheres não são direitos humanos?
Vem isto ao caso para referir o que aconteceu recentemente, já em 2009, nos Estados Unidos. Aasiya Hassan foi assassinada barbaramente pelo marido que assim respondeu ao seu pedido de divórcio. Em relação a este caso pretendeu branquear-se o contexto cultural e religioso em que o crime ocorreu com a alegação de que nos grupos sociais em que a cultura ocidental é dominante também ocorre este tipo de crimes, ditos de «honra» ou «passionais». Ora isto é verdade, mas não pode de maneira nenhuma fazer-nos esquecer que os costumes e as práticas religiosas não são todas as mesmas.
Passo a transcrever as palavras de Violet Socks:
«Nem todas as religiões e culturas são o mesmo. A violência contra as mulheres ocorre virtualmente em todas as sociedades, mas o grau e a severidade dos abusos variam enormemente conforme as culturas. Antropologistas e cientistas sociais estudam há décadas este assunto: Podemos dizer que a percentagem de mulheres espancadas varia desde 18% na Noruega (tomando o exemplo de uma estatísticas de 1998) até 80% no Paquistão (ou mesmo mais dependendo do estudo). A violência contra as mulheres não é um universal absoluto que flutua independentemente da cultura: está muito ligado a normas sociais e a expectativas, a crenças religiosas e a níveis de domínio masculino.»

O que este e outros casos semelhantes revelam é que certos códigos sociais e religiosos criam um caldo cultural mais propício à ocorrência de situações de violência contra as mulheres do que outros e como tal devem ser denunciados e não branqueados.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O «pecado original» das mulheres

Tomo a expressão de Mary Daly que no seu livro «Beyond God the Father: Toward a Philosophy of Women’s Liberation» a reenvia a quem de direito, ou seja à própria religião patriarcal, considerando que «o mito revela a "Queda" da religião no papel de prostituta do patriarcado.»
O pecado original das mulheres foi terem interiorizado o sentimento de culpa pelos males que a humanidade teria de sofrer, não se apercebendo que estavam a ser usadas como bode expiatório, - como o «outro», tão necessário a qualquer grupo social para reafirmar e dar consistência à «sua natural bondade». Tornaram-se desse modo cúmplices da sociedade sexista que deveriam afrontar. Mas convém lembrar que essa cumplicidade, ainda hoje notória, foi forçada por processos de condicionamento que era difícil denunciar e sobretudo combater até porque tinham o aval da religião estabelecida, como podemos deduzir deste pronunciamento de Tertuliano, doutor da Igreja:
«Tu és a porta de entrada do diabo … Quão facilmente conseguiste destruir o homem! Por causa da morte a que nos condenaste, mesmo o Filho de Deus teve de morrer.»
Diferentemente de qualquer outro grupo oprimido, as mulheres encontravam-se, e encontram-se, profundamente divididas na medida em que dependências de vária ordem, desde as económicas às afectivas, as isolam e separam, e contribuem para que se sintam dividas em si mesmas, isto é, há uma parte do seu eu que reage, mas há outra que como que exige capitular e impele à desistência.
As mulheres deparam-se assim com a pior situação possível para empreender a luta contra o sexismo, sempre confrontadas com mecanismos sociais de controlo que passam pela ironia sarcástica, pelo insulto e por comentários mais ou menos torpes que tendem a desvalorizá-las. Todavia, embora não seja suficiente tomar consciência desta situação, é importante e mesmo imprescindível fazê-lo, porque, a partir desse momento, nada mais será como dantes.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O pecado original da religião patriarcal

Com o mito de Adão e Eva, mito fundador da civilização ocidental, o judaísmo e o cristianismo, reflexos da estrutura social da qual emanaram, contribuíram, por seu turno, para justificar, fortalecer e consolidar as estruturas de opressão das mulheres dessa mesma sociedade e esse é que é, podemos dizê-lo sem sombra de dúvida, o pecado original, não atribuível à mulher, mas à própria religião.
Em relação à mulher, a religião tudo fez para que ela interiorizasse um sentimento de culpa que só surgiu porque, na sua ânsia de explicar o mal, os homens e a religião por eles criada resolveram hipócrita e covardemente não encarar a questão de frente e preferiram procurar um bode expiatório. Por outro lado, também podemos dizer que o verdadeiro pecado original de qualquer mulher é ter interiorizado esse sentimento de culpa e não ter sido capaz de, descobrindo os mecanismos que o activaram, dele se desfazer como de uma segunda pele que decididamente não se lhe ajusta, só provoca desconforto e uma auto-imagem negativa, para além de muitas outras consequências igualmente indesejáveis.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

A família patriarcal e a tradição judaico-cristã

Todos nós já ouvimos ou já utilizamos a expressão «cara metade» com a qual cada um dos cônjuges se refere ao outro querendo com ela significar a complementaridade que os dois realizam e a necessidade que cada um tem do outro para se sentir completo e portanto feliz. Essa complementaridade deveria ser entendida numa relação de igualdade e de simetria já que se trata de «metades», mas não foi exactamente isso que se verificou ou que em muitas circunstâncias se verifica.

Para explicar a união entre os sexos, os seres humanos, sempre curiosos das origens das coisas, inventaram mitos; para o casamento conhecemos dois: a história bíblica de Adão e Eva e o mito dos andróginos que nos chegou através de Platão e de um dos seus diálogos. Infelizmente, para as mulheres e porque não dizer também para a humanidade, o mito que prevaleceu foi o de Adão e Eva. Passo a explicar porquê.

Segundo a Bíblia, Deus criou o homem e deu-lhe a faculdade de falar e de enumerar as coisas à sua volta, mas o monólogo, sempre cansativo, com o tempo acaba por tornar-se desinteressante e tendo Deus constatado o isolamento e a tristeza de Adão resolveu dar-lhe uma companheira que, com grande economia de recursos, decidiu criar a partir da costela de Adão. O resto da história também é conhecida: vivendo no paraíso e inteligente como Deus queria, Eva, curiosa, instigada pela serpente, resolveu incitar Adão a comer a maçã da árvore do conhecimento, a única que Deus proibira,- proibição que não deixa de ser curiosa, mas que para já não vem ao caso.

Se bem repararmos, esta história tem três actos qual deles mais desprestigiante para a mulher; mas tal não deve suscitar grande admiração, afinal ela foi contada por homens.

Num primeiro acto Deus cria o Homem - este aparece como o primeiro e o essencial, o objecto do acto divino; num segundo, de uma parte do homem, cria a mulher – um acessório para colmatar uma necessidade do macho; finalmente, estabelece que a culpa do pecado original, isto é, das coisas correrem mal, é da mulher, a qual a título de expiação, é condenada a parir os filhos com dor e daí e para todo o sempre a servir o homem, autor de uma falha aparentemente menor: a de não ter conseguido resistir à tentação que Eva lhe apresentou.
Temos de convir que esta «edificante» narrativa é muito conveniente a uma sociedade patriarcal à qual fornece o enquadramento moral e religioso bem como a respectiva justificação: a supremacia masculina está a partir daí explicada, é tão antiga como a própria humanidade e o que é muito mais importante: tem o beneplácito divino. Com o correr dos tempos, a história não só se consolidou como ainda foi ganhando contornos mais tenebrosos e alguns doutores da Igreja chegaram mesmo a identificar Eva com a serpente, personificando assim o próprio mal e responsabilizando-a por todos os desastres sofridos pela humanidade; foi o que aconteceu com Santo Agostinho que escreve sobre a mulher estes mimos: «Um animal que não é firme nem estável, odioso, que alimenta a maldade… ela é fonte de todas as discussões, querelas e injustiças.»[1]
Deste modo a tradição religiosa e moral judaico-cristã é grande responsável pela misoginia de que as mulheres têm sido vítimas e quem quiser sustentar o contrário vai com certeza ter de praticar quaisquer malabarismos intelectuais que só convencerão quem à partida já está convencido e pretende a qualquer custo manter as suas opiniões.

[1] Citado por Elizabeth Badinter, in «Um Amor Conquistado»