quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sexo, amor e casamento

Sexo, amor e casamento conviveram mal durante boa parte da vida da humanidade; bem vistas as coisas, só a partir dos fins do século XVIII, na antecâmara da época romântica, é que se começou a aceitar que amor e sexo coexistissem na relação conjugal; se recuarmos no tempo, constatamos que, por exemplo, nos gregos, o amor erótico é entre homens e na Idade Média, uma mulher que apreciasse o sexo, mesmo se com o marido, era considerada uma prostituta.
Todavia, a partir do século XVIII encontramos um registo diferente; com Kant, sexo e amor, ou seja o amor sexual, é aceitável no quadro do casamento monogâmico heterossexual, através de contrato de casamento. Hoje, amor e sexo são ingredientes imprescindíveis de um casamento que se quer bem sucedido.

Na visão negativa da sexualidade que as pessoas interiorizaram, a influência do cristianismo foi determinante, mas não podemos esquecer que o próprio cristianismo já herdou uma perceção negativa do sexo do próprio Platão e uma visão reprodutiva do mesmo de Aristóteles - os dois maiores filósofos da antiguidade clássica.
No cristianismo, tanto na versão católica como na protestante, o sexo é associado a lascívia e entendido como um pecado só redimível se for orientado para a procriação. Precisamente, o mito central da cultura ocidental, o mito de Adão e Eva, exprime o caráter pecaminoso do sexo e remete a culpa para a mulher, apresentada como a tentadora do homem. A partir daí as mulheres têm acima de tudo de ser castas e o mito mariano mostra bem a força da proibição do sexo, sobretudo para as mulheres. O culto da virgem é afinal também o culto da virgindade. Para o cristianismo a sexualidade é uma realidade desgostante e negativa.

No século XIX, era colonial, a ideologia dominante ainda justificava o sexo em termos de reprodução e considerava que só no casamento ele era legitimável; mas também nessa época, com transformações profundas a nível económico e social, o individualismo triunfante permitiu a valorização de uma outra dimensão do sexo, enquanto intimidade emocional e fonte de prazer.
A valorização do indivíduo e do individualismo, bem como os progressos no controlo da natalidade, vieram romper com a visão negativa do sexo. O individualismo é a crença de que o ser humano está sozinho, é um indivíduo e, enquanto tal, é-lhe permitido procurar a felicidade pessoal, entendendo que esta também tem a ver com a obtenção de prazer, nomeadamente prazer sexual – se afinal se está inelutavelmente só, se afinal apenas se vive uma vez, então é mandatório que se procure ser feliz, que se procure obter o máximo de prazer possível. Assim, a mentalidade individualista, o ideal de liberdade pessoal, o controlo da natalidade combinaram-se para valorizar o sexo e retirar-lhe, pelo menos ao nível do consciente, a carga pecaminosa com que a tradição ocidental o investiu.

Todavia, em certo sentido, do oito passou-se ao oitenta; a partir do momento em que o marketing e a publicidade descobriram que o sexo vende, multiplicaram-se as mensagens eróticas, enfatizou-se o seu valor e assistiu-se a uma curiosa evolução: agora já não se trata de integrar amor e sexo, mas de valorizar o sexo per si, independentemente do amor. Onde nos vai conduzir esta evolução é uma questão ainda em aberto. 




sábado, 6 de julho de 2013

Sado- masoquismo - caraterísticas e função

 Qualquer prática sexual que envolva a erotização da relação de domínio/submissão pode designar-se, com propriedade, de “sadomasoquista”.
O sadomasoquismo puro e duro não é, nos nossos dias, politicamente correto pois, ao nível da consciência, as mulheres têm dificuldade em aceitar que retiram prazer de serem dominadas sexualmente pelos homens. Mas uma análise crítica da questão revela que o sadomasoquismo é mais pervasivo do que queremos reconhecer; as investigações neste domínio mostram que as fantasias sexuais de muitas mulheres envolvem humilhação, degradação e violência sexual e há mesmo estudos que referem que 25% das mulheres têm fantasias de violação.
Cumpre, todavia, referir que, embora o instinto sexual seja inato, o desejo sexual e a forma como se expressa é socialmente construído e resulta do processo como mulheres e homens são educados; por exemplo, o cinema veicula constantemente modelos de homens dominadores e de mulheres submissas; o padrão mais típico foi fornecido já há bastantes anos por um clássico do cinema: “E tudo o vento levou”. Neste filme, que encantou gerações de mulheres jovens e menos jovens, no casal constituído por Scarlett O’ Hara e Rhet Butler, o sex-appeal do protagonista reside na sua brutalidade, Butler, como se diz na cultura brasileira, é um “pegador”, é aquele que se apropria da mulher, como alguém que se apropria de um bem apreciado.
Por outro lado, o sadomasoquismo é a expressão, ao nível da vida sexual, de uma cultura misógina que reforça poderosamente, isto é, decorre dessa cultura e ao mesmo tempo reforça-a, pois liga as estruturas de domínio social às estruturas do desejo sexual, mostrando quão poderosas e inevitáveis elas são. Esse desejo, identificado com o instinto, parece natural e, portanto, inevitável e aceitável.
Quando uma mulher aceita este modelo sexual - culturalmente o único que está à sua disposição - passa a ser conivente com a sua própria subordinação; pode estrebuchar, rebelar-se, mas na estrutura profunda ela está lá e se é profunda há-de manifestar-se em níveis mais superficiais. Sandra Lee Bartky em Feminism and Domination resume exemplarmente esta ideia: “ A estrutura do desejo sexual amarra a mulher ao seu opressor.”
O sadomasoquismo puro e duro só é estigmatizado socialmente e considerado politicamente incorreto porque rasga o véu e mostra quanto o modelo heterossexual prevalecente é realmente pouco respeitável. Ora a sociedade, nomeadamente os homens não gostam de reconhecer que no fundo, bem no fundo não respeitam as mulheres e estas também não gostam de reconhecer que no fundo bem no fundo até “gostam” que os homens não as respeitem.
A partir do momento em que se reconhece que o desejo sexual é culturalmente construído e um produto do condicionamento social poderia dizer-se que a sexualidade feminina também poderia ser substituída por outro tipo de sexualidade recondicionada e reprogramada. Mas ocorre perguntar: qual é a mulher que isolada e contra ventos e marés é capaz de empreender tal tarefa?
De acordo com uma posição idealista e voluntarista, norteada pelo simpático mas ilusório mote de que querer é poder, qualquer mulher, uma vez consciente do caráter construído de uma sexualidade que a envergonha poderia lutar e reprogramar-se. Mas é caso para perguntar: como é que uma mulher sozinha e isolada é capaz de desfazer o que a cultura levou séculos, milénios, a construir?

Assim, as mulheres podem ter vergonha das suas fantasias sexuais porque aos seus próprios olhos elas lhes mostram que são pessoas de menor valor, mas nem sempre, quase nunca, lhes conseguem resistir, isto é, não conseguem deixar de as ter porque foram interiorizadas numa fase, diríamos, em que prevalecia o cérebro primitivo e depois, na fase do cérebro evoluído, não as conseguem desalojar. Além disso, os modelos que lhes servem de suporte estão constantemente a ser reforçados, através dos mais variados instrumentos culturais. Portanto tudo se conjuga para a manutenção do status quo.