quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A igualdade da mulher não é possível sem uma revolução masculina

É com o texto do jornalista e escritor Javier Montilla, a seguir traduzido, que quero terminar 2009, com a consciência clara de que é preciso alterar mentalidades para que as mudanças reais sejam possíveis; não é só o feminino que está em causa, também a construção da identidade masculina precisa de sofrer alterações profundas, com o nosso empenho comum numa sociedade mais justa talvez possamos chegar a algum lugar.

«Nós, homens, herdamos, através das diferentes gerações, o modelo do homem tradicional, baseado em ideias de força, poder e competitividade. O homem tem de ter êxito, dirigir, dispor conforme a sua conveniência. A força, portanto é o eixo veicular de todo o modelo. Temos pois a obrigação de aparecer sempre fortes diante de todo o mundo. Somos reféns desta ideia e não temos sido capazes de construir um modelo alternativo de masculinidade. Está na hora, no meu ponto de vista, de mudar este modelo em direcção a uma masculinidade baseada na igualdade, na justiça, no respeito e na solidariedade. A igualdade de facto da mulher não é possível sem uma revolução masculina. E esta revolução requer que o homem se reconheça a si mesmo como um ser sensível, afectivo e vulnerável para começar a questionar os estereótipos sociais e culturais dominantes. Esta mudança, penso, é primordial para que a batalha contra a violência machista seja combatida também pelos homens. Habitualmente, quando falamos de violência contra as mulheres a primeira ideia que nos vêm à cabeça são os maus tratos físicos. Todavia, por detrás de cada caso escondem-se vítimas que permanecem em silêncio. São as vítimas invisíveis em contraste com aquelas que aparecem nos títulos dos periódicos e que são apenas a ponta do iceberg de um problema generalizado que afecta todos os estratos sociais. Não nos enganemos. A violência machista é uma questão que, longe de pertencer ao âmbito doméstico e privado, constitui um problema social grave que cresce dia a dia e exige a adopção de medidas integrais. Indubitavelmente são necessárias aquelas medidas que tem a ver com a protecção efectiva que vão desde a segurança pessoal à tutela judicial ou aos serviços públicos que ajudem as vítimas a uma recuperação da sua autonomia pessoal, questões que a Lei Integral Contra a Violencia de Género, aprovada pelo primeiro Governo Zapatero, já reflecte. Mas também são vitais aquelas acções que favorecem uma mudança social, cultural e estrutural. Quer dizer as que procuram ir à raiz do problema e que se entendem como medidas preventivas, educativas e de sensibilização. É necessário, em consequência, um incremento das medidas educacionais, fazendo pedagogia contra qualquer tipo de violência, incluindo a violência contra os animais. De facto, muitos investigadores têm afirmado que existe uma conexão entre violência contra os animais e violência contra os seres humanos. Os agressores, na sua grande maioria, não são homens diferentes, ou com algum tipo de enfermidade, como poderíamos pensar. São homens comuns, cidadãos típicos, em muitos casos exemplares, amáveis e, a miúdo, respeitados e cordiais no seu trabalho. Por detrás dessa máscara com que se apresentam ante a sociedade, pensam que a mulher é um objecto que lhes pertence. E quando não se submete docilmente à sua vontade, quando lhe ocorre revoltar-se, sentem-se humilhados e recorrem à violência. Esta é a chave da conduta do agressor. Um homem, sem dúvida, zeloso, possessivo e controlador, que actua como se tivesse uma espécie de direito natural para humilhar a sua companheira. Mas, para além disto, creio que existe outro factor chave para entender este complexo problema: a violência existente no seio de uma sociedade é a soma das violências individuais de cada um dos seus membros; a que cada uma das pessoas que a compõem gera e a que é capaz de tolerar e assimilar. Cada gesto, atitude, ou comentário depreciativo e discriminatório contra as mulheres aumenta a permissividade e abre o caminho para os maus tratos. Não podemos ocultar a realidade. Quando uma mulher é violada, ameaçada, golpeada e assassinada toda a sociedade está ferida de morte. E longe de ser um problema da esfera individual converte-se num problema colectivo do nosso tecido social, da nossa sociedade. Também dos homens. É por isso que considero como um avanço o facto de que algumas das principais mulheres escritoras e jornalistas deste país tenham querido empenhar-se neste Projecto que se chama: Não são só os golpes que doem. Palavras contra a violência de género, para trabalhar e lutar por este objectivo comum. Cada uma partindo da sua visão, da sua ideologia, da pluralidade, origem diferente, desde a França ao Uruguai, desde o artigo de jornal ao relato, desde a dor profunda de alguma experiência, até à utopia pelo fim definitivo deste terrorismo doméstico. Unidas numa só voz, num só livro, longe da crispação reinante. Unindo a sua palavra para que esta tragédia dos nossos tempos seja um episódio de curta duração. Um pesadelo num mundo em que a morte espera muitas mulheres ao virar da esquina, precisamente por isso, por serem mulheres. Já dizia o dramaturgo francês Eugene Ionesco: «As ideologias separam-nos, os sonhos e a angústia unem-nos». E este é o nosso sonho comum: acabar com este ferrete que nos esmaga como os piores pesadelos. Sem sombra de dúvida, com o compromisso destas escritoras e jornalistas, criou-se a base para uma pedagogia social imprescindível para a sua erradicação. »


Javier Montilla, coordenador do livro colectivo «Não doem só as pancadas. Palavras contra a violência de género»»

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Votemos em mulheres para cargos políticos

Vem este texto a propósito do livro de Anne Kornblut, recentemente publicado, «Notes from the Cracked Ceiling», referido pelo blog guerillawomen, no qual a autora debate as razões que podem explicar por que candidatas femininas fortes, carismáticas e por vezes bem preparadas, perdem no confronto político com candidatos masculinos, nem sempre tão fortes, tão bem preparados ou sequer carismáticos. Ora, dada a distribuição por género da massa eleitoral, seria de esperar que, se as mulheres votassem massivamente nessas candidatas, elas tenderiam a ganhar e não a perder; mas isso não tem acontecido.

Em primeiro lugar, o eleitorado feminino jovem parece mais interessado em agradar aos namorados do que em assumir atitudes de independência ou defender as posições de quem teria qualquer contributo a dar no sentido dos seus interesses. As ideias que essas jovens mulheres têm do feminismo é a que os media passam e elas não procuram ir mais além; ora, como sabemos, os media são dominados por uma elite masculina que não é propriamente adepta fervorosa da causa das mulheres. Acresce ainda que toda a cultura popular continua dominada pelo paradigma sexista: não vemos filmes ou novelas ou seriados em que as heroínas sejam mulheres que tenham furado o bloqueio masculino ou que se tenham distinguido por qualquer intervenção positiva na área da esfera pública; as mulheres continuam a ser apresentadas fundamentalmente nos papéis de mães, esposas ou amantes e, para além disso, não parecem ter nada de especial a dizer às pessoas. Em flagrante contraste, o mito de que os homens é que têm coisas importantes a dizer subsiste e reforça-se pela ausência do papel feminino, de modo que na cultura popular, que modela a mentalidade das jovens, tudo lhes diz que devem ouvir, respeitar e … votar em homens.

Quanto às mulheres menos jovens, é de supor que o fenómeno seja equivalente e não tenha uma explicação muito diversa: seguir a posição política adoptada pelo marido deve ser bem mais fácil do que sustentar uma candidata que ele não veja com especial simpatia. Deste modo, sem grandes convulsões, sem parecer sequer que são afrontadas, nestas conivências e cumplicidades, perdem todas as mulheres, as jovens e as menos jovens, uma oportunidade única de interferirem na vida pública.

Está na hora de começarmos a perceber que assim como foi imprescindível adquirir o direito de voto para se alcançarem conquistas que hoje damos por adquiridas, também é imprescindível a participação activa das mulheres no poder político para mudar a regra do jogo sexista em que ainda vivemos.…

domingo, 27 de dezembro de 2009

Teoria do contrato e legalização da escravatura sexual


Ironicamente, é mais uma vez o velho dualismo que entende a pessoa humana como um composto de duas substâncias heterogéneas e independentes - por um lado, o corpo, por outro, o espírito, que dá substância ao argumento a favor da legalização da prostituição. A mulher prostituída (pelo homem, é bom lembrar) não se venderia porque, afinal, poderia sempre preservar a sua alma ou espírito ou o seu verdadeiro ser ou o que quer que queiramos chamar-lhe. Mas este dualismo não tem qualquer base científica e se subsiste é apenas enquanto crença religiosa entranhada nas mentalidades. Porque não se pode separar a pessoa do seu corpo e do pensamento de que esse corpo é o substracto material, vender-se enquanto corpo é vender-se tout court enquanto pessoa, mesmo que essa venda seja temporária, lucrativa e, sobretudo, trivializada e aceite pela insensibilidade de quem não presta muita atenção a estas questões, a começar pela imensa maioria das mulheres prostituídas, que tem necessidades primárias a ser satisfeitas antes de se puderem entregar a essas lucubrações, e a acabar nos seus «clientes» que, pelos vistos, não têm capacidade para estabelecerem relações gratificantes com pessoas que sejam suas companheiras e iguais.

Curiosamente quem defende a legalização da prostituição com base neste argumento acusa as outras pessoas - as que se opõem à legalização, de puritanas, de moralistas tacanhas e mesmo de reaccionárias. É tão desconcertante que chega a ser patético se não fosse também triste. Mas é bom que percebam, uma vez por todas, que a oposição à legalização da prostituição é análoga à oposição à legalização da escravatura. Mesmo que, supostamente, algumas pessoas decidissem alienar os seus direitos enquanto pessoas e decidissem entregar-se como escravas a terceiras, se tal acontecesse, ninguém hoje, em seu perfeito juízo iria defender a restauração do regime esclavocrata, mesmo que os escravos fossem voluntários e dessem o seu consentimento. Todavia, também é bom lembrar que, quando esse regime social se encontrava instituído nos territórios coloniais europeus e nos Estados Unidos, muitas vozes, algumas autorizadas e respeitadas, se levantaram para defender a escravatura como o regime que mais interessava aos próprios escravos que, sem a protecção dos seus senhores teriam vidas muito piores e miseráveis. Provavelmente são vozes do mesmo tipo as que hoje se ouvem a favor da legalização da escravatura sexual, porque é disso que se trata, deixemo-nos de paninhos quentes, de eufemismos e de meias palavras.

É espantosa a facilidade com que as pessoas racionalizam aquilo que mais lhes convém e vai ao encontro dos seus interesses! Eu sei que as coisas têm de ser contextualizadas e que se deve evitar absolutizar, mas também sei que há coisas que estão erradas e dessa sabedoria eu não abdico: prestar-se a ser usada e vendida como uma mercadoria é uma dessas coisas. Legalizar é legitimar, é enviar a mensagem de que não há nada de errado com essa prática e, neste específico caso, é garantir aos homens, calma e tranquilamente sem amargos de boca nem ressentimentos, que não há nada de errado em tratarem mulheres de carne e osso, mulheres iguais às suas filhas, às suas mães ou às suas irmãs, como objectos, como mercadorias á disposição para a satisfação sexual que não são capazes de garantir pelos meios aceitáveis e porque não dizê-lo, socialmente saudáveis – já que não me consta que nem mesmo os mais acérrimos defensares da legalização consideram desejável ou saudável a prática da prostituição, penso que acima de tudo continuam a encará-la como um mal menor, ou estarei enganada e afinal a insanidade deste nosso mundo já me ultrapassou completamente?!

É ainda corrente defender-se a legalização da prostituição com base na teoria do contrato que foi a pedra basilar do liberalismo político dos séculos XVIII e XIX e que deixou boa memória já que veio garantir, formalmente pelo menos, que o poder dos governantes depende da aceitação dos governados, o que supõe a ideia de contrato social. É muito curioso constatar como para defender algo tão indesejável como a prostituição dá um enorme jeito cooptar conceitos e linguagem progressista: afinal é preciso garantir a liberdade de toda a gente e também a liberdade das mulheres prostituidas: se elas querem, se acham bem, que direito temos nós de lhes negar essa liberdade? Porque é que não havemos de reconhecer o direito de abdicarem da liberdade, se não querem ser livres, deixemos que sejam escravas, mais, pavimentemos o caminho, legalizemos a situação. Estas pessoas, tão prontas a utilizarem conceitos progressistas quando lhes dá jeito e hipocritamente, porque no fundo, bem no fundo, estão-se nas tintas para as mulheres prostituídas pelos homens, omitem habilmente outros conceitos que mostrariam as falácias das posições que defendem, e um desses conceitos é o de que há direitos que são inalienáveis, isto é, há direitos de que a pessoa humana não pode abdicar e um desses direitos é o de ser tratada como pessoa não como escrava.

Além deste importante aspecto, quem defende a legalização do «negócio» também esconde, ou pura e simplesmente ignora, que a teoria do contrato social quando surgiu, no fim do século XVII e no século XVIII, serviu para justificar a opressão das mulheres e a sua subordinação e submissão aos homens no seio da família. Alegava-se que pelo contrato de casamento as mulheres delegavam nos maridos o poder para as representarem e tratarem de todos os assuntos legais que lhes diziam respeito, nomeadamente administrarem os seus bens, o que por vezes faziam de forma verdadeiramente desastrosa na maior impunidade. Elas casavam, não casavam? Ninguém as forçava a assinarem o contrato de casamento e o contrato estipulava que elas se submetiam aos maridos, davam assim o seu consentimento. Mas que outras opções tinham as mulheres? O que podiam fazer se não assinassem o contrato? Que pressões se exerciam sobre elas? Eram minimamente livres para escolherem o quê?

Podemos estabelecer paralelo entre o contrato de casamento das mulheres na sociedade liberal da Europa moderna e o contrato, dos nossos dias, entre a mulher prostituída e os seus clientes e perguntar, sem os malabarismos do costume de gosto demagógico, que opções têm as mulheres prostituídas que dão o seu consentimento e que contratualizam os seus serviços? Ninguém as força (claro que isto, em inúmeras circunstancias, nem sequer é verdade) logo o contrato é válido? Mas será? Quem é que honestamente pode admitir a validade de um contrato em que a assimetria de poder entre as partes é tão escandalosa e desequilibrada. Parece que estamos a brincar com as palavras, mas é bom que não brinquemos com a vida das pessoas.

Resumindo, prostituição é igual a escravatura sexual. Você vai querer legalizar a escravatura? Você aceita legitimar um regime social que existiu na Antiguidade, no «glorioso tempo dos gregos e romanos, na Idade Média dos servos da gleba e na Época Moderna dos territórios coloniais e dos países que «importaram» pessoas desses territórios como se fossem autênticos animais? Você vai admitir que é legitimo – no sentido de que é legal, que algumas (muitas) mulheres sejam tratadas como animais, pelas quais você próprio não tem o mínimo respeito? Ou tem? Ou você acha que até é um emprego lucrativo, recomendável para a sua irmã ou filha? Coloque-se no lugar dessas mulheres, estimule a sua capacidade de empatia, deixe de verter lágrimas de crocodilo pela situação péssima das «coitadas» porque não têm condições de trabalho para estipularem os seus contratos. Mas de que é que estamos a falar, que trabalho é esse? Talvez eu de facto tenha o meu quê de puritana, concedo, para mim o trabalho, mesmo o mais modesto, tem uma dimensão libertadora; o trabalho é o meio pelo qual o ser humano transforma a natureza em objecto de fruição, a melhora, a torna mais harmoniosa e se torna a si também mais harmonioso. Mas onde está aqui a libertação, onde está a harmonia, a reciprocidade na relação, a preocupação e o respeito pelo outro enquanto pessoa? ! Não vejo e muito sinceramente acho que você também não vê!
Este texto foi de certo modo inspirado no texto de um outro blog: Rascunhos de um Pagão, que abordou de forma muito interessante o tema.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Optimismo sexual num mundo em mudança

Do blog de gretachristina transcrevo um excerto de um post recente que transmite a sensação de que, apesar de tudo, as coisas mudaram e há alguns sinais positivos no que aos interesses das mulheres diz respeito. No post a autora escreve na primeira pessoa e compara a situação actual com a que existia algumas décadas atrás:

«Quando eu nasci, vibradores e outros itens afins para o prazer sexual das mulheres eram vendidos às escondidas, disfarçando-se o seu verdadeiro propósito. Hoje, uma espantosa variedade de vibradores e de outros instrumentos são acessíveis a qualquer pessoa que tenha um computador e um cartão de crédito … permitindo que milhões de mulheres atinjam facilmente o orgasmo.

Quando eu nasci, a simples ideia de prazer sexual feminino, e a ideia de que as mulheres tinham tanto direito ao prazer quanto os homens, era chocante e controversa. Hoje a noção de que as mulheres de facto apreciam sexo e de que tem o direito de esperar os tipos de sexo que apreciam, está geralmente estabelecida e aceite. (pelo menos muito mais do que há 47 anos. Mesmo os cristãos evangélicos de direita defendem a ideia de casamentos sexualmente satisfatórios … satisfatórios para ambos os parceiros, não apenas para os homens.)

Quando eu nasci, era geralmente aceite que mulheres num escritório estavam lá (1) para o prazer sexual dos homens, e (2) para caçar marido. Hoje, é geralmente aceite que as mulheres estão num escritório para que algum tipo de trabalho seja feito.

Quando eu nasci, o controlo de nascimento era ainda ilegal em cerca de metade dos Estados nos Estados Unidos, e os métodos de controlo disponíveis eram ineficientes perigosos, ou ambas as coisas. Hoje, o controlo de nascimentos é legal, amplamente disponível, numa variedade de formas, e muito mais seguro – permitindo assim que as mulheres desfrutem o sexo sem o constante receio de uma gravidez indesejada.

Quando eu nasci, crianças e adolescentes, que procuravam informação sobre sexo, encontravam-na nos amigos … que não sabiam mais acerca do assunto do que eles próprios. Hoje, crianças e adolescentes, que procuram informação sobre sexo, podem telefonar para San Francisco Sex Information, ou Scarleteen ou qualquer outro recurso de informação sobre sexo, rigorosa, anónima e que não emite qualquer juízo moral.
Bem, isto também é verdade para pessoas adultas, não apenas para crianças e adolescentes. Quando eu nasci, a informação sexual disponível para adultos era principalmente a de Kinsey, uma mão cheia de maus manuais de casamento … e os amigos, que não sabiam muito mais acerca de sexo do que elas próprios. Agora informação rigorosa e detalhada acerca de sexo – desde «Como posso ajudar a minha parceira a atingir o orgasmo? Até «Qual é o modo seguro de fazer um piercing nos meus genitais?.... é facilmente acessível com um simples clique no computador ou chamada telefónica.

Quando eu nasci, livros acerca de sexo, - ficção, não ficção, fotografia, arte, na melhor das hipóteses eram considerados vergonhosos e na pior ilegais, algo que se comprava sub-repticiamente e que se escondia debaixo da cama. Hoje, são vendidos no Amazon.

Quando eu nasci, nos Estados Unidos, pessoas eram encerradas em prisões ou em instituições para alienados mentais por serem homossexuais. Quase todos os homossexuais viviam as suas vidas em segredo, com pânico constante de serem descobertos e arruinados. Hoje, a mulher que eu amo e eu estamos legalmente casadas, vivemos juntas abertamente, com todos os nosso familiares, amigos e colegas de trabalho conhecendo o facto e não se preocupando com o assunto.

E eu podia continuar e continuar. Mas penso que perceberam onde quero chegar. Não pretendo que tudo seja um mar de rosas. Ainda estamos longe. (…) Não estou a dizer que o nosso mundo sexual é perfeito ou mesmo grande coisa (por isso, por favor, não escrevam comentários ultrajantes dizendo quão ingénua ou insensível sou). Não estou a dizer que o nosso mundo sexual é perfeito ou mesmo grande coisa, estou a dizer que é melhor. Está melhor do que estava. E está melhor porque durante décadas as pessoas trabalharam, escreveram e revoltaram-se.
Por isso, o melhor é continuarmos a fazer o nosso trabalho.»

sábado, 19 de dezembro de 2009

Orgasmo vaginal e frigidez feminina

«A frigidez foi geralmente definida pelos homens como a incapacidade de as mulheres terem orgasmos vaginais. De facto a vagina não é uma área muito sensível e não está construída para atingir o orgasmo. É o clitoris – equivalente feminino do pénis, que é o centro da sensibilidade sexual.

Penso que isto explica muita coisa:
Em primeiro lugar o facto de a designada frigidez atingir números muito altos entre as mulheres. Em vez de atribuirem a frigidez feminina a falsas crenças acerca da anatomia feminina, os nossos «peritos» declararam a frigidez um problema psicológico das mulheres. As mulheres que se queixavam eram recomendadas para os psiquiatras para eles descobrirem o problema – diagnosticado normalmente como uma incapacidade de se ajustarem ao seu papel como mulheres.

Os factos da anatomia e da resposta sexual feminina contam uma história muito diferente. Há apenas uma área para o clímax sexual, embora haja muitas áreas para a excitação sexual; essa área é o clítoris. Todos os orgasmos são extensões da sensação desta área. Dado que o clítoris não é necessariamente estimulado de forma suficiente com as posições sexuais convencionais, nós «ficamos» frígidas».

Anne koedit, The Myth of the vaginal orgasm, in Public Women, Public Words: A Documentary History of American Feminism, 2003, vol. 3, p.133

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Prostituição contrato?! Prática sexual libertadora?!

Para quem defende a legalização da prostituição com o argumento de que se trata de uma prática sexual a que as mulheres decidem livremente dedicar-se, um simples contrato, como qualquer outro, em que elas prestam serviços aos seus clientes e, em alguns casos, até uma prática libertadora para as mulheres - de uma maneira geral sexualmente reprimidas, as palavras de Catherine Mackinnon deveriam merecer alguma reflexão, pois de uma forma eloquente e breve ela desconstrói, com fina ironia, essa argumentação:

«Pode ser que haja qualquer coisa que me esteja a escapar, mas não vejo por aí, advogadas, feministas ou outras mulheres do género, a venderem-se pelas ruas ou a procurarem um pornógrafo de câmara na mão a fim de conseguirem a sua realização sexual e não me consta que isso aconteça porque elas são sexualmente reprimidas.» (Catherine Mackinnon: Feminism Unmodified, a Discourse on Life and Law)

O que de facto acontece, e toda a gente sabe, mas muitos querem fazer de conta, é que a maioria das prostitutas é «arrebanhada» para essa actividade por motivações em que a situação de vida miserável em que se encontram ou a falta de opções credíveis são uma componente muito forte, diria mesmo decisiva. O facto de haver um número reduzido de prostitutas, mais dotadas fisicamente ou mais inteligentes, que aparentemente conseguem “dar a volta ao texto”, não invalida que o «exército» de prostitutas seja constituído pelas mulheres mais vulneráveis e desprotegidas do planeta. Precisamente porque são as mais desprotegidas e vulneráveis é que elas «escolhem» a prostituição, isto quando sequer «escolhem» e não são simplesmente forçadas pelas máfias que trabalham no pedaço. Claro que as prostitutas são gente como qualquer uma de nós, e até é compreensível que algumas procurem mistificar-se a elas próprias e que, recusando o papel de vítimas, façam da necessidade virtude: são prostitutas, sim, porque querem. É isso o que dizem e até podemos conceder que é o que sentem; mas nós hoje, em pleno século XXI, temos instrumentos conceptuais para perceber que esse sentimento funciona como uma carapaça que elas utilizam para resistirem à adversidade, para preservarem o seu «eu», já que, como noutro contexto, disse Amanda Marcote: não se pode sair da selva, a única hipótese é tentar sobreviver.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Masoquismo feminino e dominação masculina

Durante séculos as mulheres têm sido apresentadas como masoquistas, isto é, como pessoas que aceitam o sofrimento e o sacrifício e que mesmo os apreciam. Transposto em termos de sexualidade, o masoquismo explicaria porque as mulheres gostam de homens dominadores e, por isso, , apreciam ser dominadas. Mas vejamos o que Sandra Lee Bartky tem a dizer sobre este assunto:

“O masoquismo feminino, como a feminilidade em geral, é um processo económico de integrar as mulheres no sistema patriarcal através do mecanismo do desejo e, embora a erotização das relações de domínio possa não estar no cerne do sistema de supremacia masculina, seguramente que o perpetua.
Os mecanismos precisos que trabalham para a sexualização da dominação não são claros e seria difícil mostrar em cada caso uma conexão entre um acto ou fantasia sexual específica e a opressão e dominação das mulheres em geral. Do mesmo modo que seria absurdo dizer que as mulheres aceitam salários inferiores aos dos homens porque é sexualmente excitante ganhar 62% de cada dólar que eles ganham, seria igualmente ingénuo insistir em que não há qualquer relação entre a dominação erótica e a subordinação sexual. Seguramente que a aceitação da dominação pelos homens não pode ser inteiramente independente do facto de que para muitas mulheres, a dominância nos homens é excitante.» (Sandra Lee Bartky: The Idea of Prostitution )

Espartilhos, saltos altos, pés enfaixados são apenas alguns instrumentos simbólicos do masoquismo feminino, mas este é natural ou socialmente induzido?

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Analfabetismo sexual e prostituição

Do blog Desobediencia e Felicidad tomei esta imagem, uma das que resultaram das Jornadas Nacionais (Argentina) para a abolição do tráfico e prostituição, que na minha opinião é um bom exemplo de didáctica sexual. Podem ver mais aqui.
Só uma ajuda para quem não está familiarizad@ com o Espanhol: na Argentina o verbo coger significa fornicar.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Prostituição e tráfico de mulheres

A imagem reporta um negócio asqueroso a decorrer em plena Oxford Street, Londres. Gigolos tentam vender uma mulher como escrava sexual. À esquerda, observando o negócio está a mulher, uma jovem lituana, de vinte e poucos anos, guardada por alguém que não aparece na foto. Mas esta jovem foi afortunada, a polícia conseguiu libertá-la e a quadrilha de traficantes albaneses foi presa e condenada a penas que somaram 63 anos de cárcere. Outras têm menos sorte. Estima-se que em 2003, no Reino Unido 4000 mulheres foram traficadas e introduzidas no mundo da prostituição.

Estas notícias deviam fazer pensar quem não vê nada de ruim neste «negócio» e considera que a prostituição não é condenável porque afinal decorre de um simples contrato entre prostituta e cliente, se a prostituta tem intermediário, o que podemos fazer? Afinal não é isso que acontece em muitos negócios? Só as feministas puritanas é que são umas chatas por quererem estragar a festa! *
* Este texto é uma adaptção livre do post publicado pelo blog The Cult of the Dead Fish

sábado, 5 de dezembro de 2009

Transformar a linguagem é transformar a realidade


Detectar o sexismo na linguagem é o primeiro passo, o segundo tem de ser o de encontrar os mecanismos que permitam superá –lo. Teresa Meano Suarez, citando o livro Nombra, elaborado pela Comissão Assessora para a Linguagem do Instituto da Mulher (Espanha), apresenta algumas sugestões que nos podem ajudar.

«As possibilidades que (o Nombra) nos coloca são realmente variadas, criativas e diversas. Frente aos difíceis e contínuos (o/a, o (a), o-a) nos oferecem: a utilização de genéricos reais (vítimas, pessoas, vizinhança - e não vizinhos, 'população valenciana' - e não 'valencianos'). Também o recurso aos abstratos (a redação e não os redatores, a legislação e não os legisladores). Mudanças também nas formas pessoais dos verbos ou dos pronomes (no lugar de Na Pré-história os homem viviam... podemos dizer os seres humanos, as pessoas, as mulheres e os homens e também na Pré-história se vivia... ou na Pré-história vivíamos...).

Outras vezes podemos substituir o suposto genérico homem ou homens pelos pronomes nós, nosso, nossa, nosso ou nossos (É bom para o bem-estar do homem... substituído por É bom para o nosso bem-estar...). Outras vezes podemos mudar o verbo da terceira para a segunda pessoa do singular ou para a primeira do plural sem mencionar o sujeito, ou colocar o verbo na terceira pessoa do singular precedida pelo pronome se ('Se recomenda aos usuários que utilizem corretamente o cartão' ... substituído por 'Recomendamos que utilize seu cartão corretamente...' ou 'Se recomenda o uso correto do cartão'). Ou ainda as mudanças do pronome impessoal ('Quando um se levanta' ficaria 'Quando alguém se levanta' ou 'Ao levantarmos' e também mudaríamos 'O que tenha passaporte ou Aqueles que queiram...' por 'Quem tenha passaporte...' ou 'Quem queira...').
Também temos recomendações para corrigir o uso androcêntrico da linguagem e evitar que se nomeiem as mulheres como dependentes, complementos, subalternas ou propriedades dos homens (Os nômades se transportavam com seus utensílios, gado e mulheres, Se organizavam atividades culturais para as esposas dos congressistas. Às mulheres lhes concederam o voto depois da Primeira Guerra Mundial), oferecendo-nos múltiplas e variadas soluções. E assim mais, muito mais.»
http://www.envio.org.ni/articulo/1149