sábado, 31 de outubro de 2009

Misoginia é a prática, sexismo a teoria

O termo «misoginia» significa literalmente ódio às mulheres, mas, mais do que um sentimento, deve antes ser entendido como um mecanismo de controlo que usa a violência e a opressão como instrumentos. Os homens e as mulheres que consideramos misóginos vão sempre negar que odeiam as mulheres, o que não podem negar é que querem que elas sejam controladas, sobretudo nas diversas manifestações da sua sexualidade e na sua capacidade reprodutiva e para tal não hesitam em usar violência verbal ou mesmo física, tentando ridicularizar e depreciar as mulheres para assim «mostrarem» a sua inferioridade e desse modo justificarem a supremacia e o controlo masculinos.

As mulheres misóginas - expressão aparentemente paradoxal, assimilaram e interiorizaram os valores machistas e desse modo não percebem que se tornaram cúmplices do sistema opressor. Estão muitas vezes na primeira linha quando se trata de definir as atitudes que a «verdadeira» mulher deve adoptar ou quando se trata de desculpabilizar os homens por pretenso excessos que estes possam cometer, «provocados» pela aparência, por exemplo vestuário, ou por comportamento que considerem inapropriado, por exemplo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Esquecem que estão a utilizar um argumento antiquíssimo que encontramos nos textos bíblicos que identifica a mulher como a eterna sedutora e corruptora do homem e por isso culpada ab inicio dos piores crimes. Por outro lado elas próprias assimilaram a visão do sexo como algo mau, que os homens desde sempre endossaram; estes, sentindo-se culpabilizados por experimentarem desejo por algo que consideram mau, pelo mecanismo do bode expiatório projectam na mulher toda essa negatividade e culpabilidade que o sexo lhes provoca. Por exemplo, muitas mulheres são as primeiras a desculpar a promiscuidade sexual dos homens – mesmo quando estes são casados, e a punirem severamente o mesmo comportamento nas mulheres – mesmo quando estas são solteiras. Mas um pouco de reflexão permite-nos concluir que uma mulher promíscua – que tem relação com vários parceiros sexuais sem que isso envolva qualquer compromisso afectivo ou social, só pela experiência em si ou pelo prazer que ela lhe possa causar – revela, pela sua atitude a intenção de controlar a sua própria sexualidade, de procurar o seu prazer através de experiências diferentes e variadas e não se guardar para um único companheiro. Ora, como as mulheres que interiorizaram sentimentos misóginos não são capazes de deles se libertarem, atacam aquelas que furaram o bloqueio e muitas vezes dirigem esses sentimentos hostis contra si próprias o que explica também porque é que tantas sofrem de distúrbios digestivos, tem uma auto-imagem negativa ou entendem que o sofrimento que experimentam não é injusto.

Os homens e as mulheres misóginas bem como as sociedades misóginas - podemos tomar como exemplo extremo dos nossos dias a sociedade afegã, sempre protestam respeito pelas mulheres mesmo quando lhes batem ou ameaçam matá-las, justificando-se com o facto de elas não se conduzirem de acordo com a cartilha machista que é entendida como um autêntico manual de bom comportamento. A percepção que têm da mulher é a de um ser menor que, tal como uma criança, precisa de ser controlada para o seu próprio bem: assim como o pai que bate no filho quando ele faz uma asneira, também o marido que bate na mulher tem o mesmo tipo de razão, num caso ou no outro recusam ver aqui qualquer sintoma de ódio. Mas afinal não respeitam as mulheres o que respeitam e exaltam é um ideal de mulher que construíram nas suas cabeças pretendendo que todas se devem conformar a esse ideal, quando isso não acontece o respeito e a adoração descambam em desprezo e hostilidade e a mulher cai do belo pedestal em que a colocaram.

Tudo isto significa que o problema central com que as mulheres se vêem confrontadas não é tanto a misoginia mas sobretudo o sexismo nas suas diversas modalidades pois a misoginia é um produto lateral do sexismo, a misoginia é apenas o instrumento que é utilizado quando o sexismo é posto em causa, quando a mulher se rebela contra o papel que a sociedade sexista para ela estipula e, paralelamente, a tonalidade hostil que a acompanha apenas serve para justificar o recurso a esse instrumento de controlo, quando os mecanismos mais subtis falharam.

Resumindo, podemos dizer que a supremacia masculina, característica dominante da sociedade patriarcal, exige que os homens controlem as mulheres, o que será mais fácil se as convencerem de que elas necessitam de ser controladas e de que limitar-lhes a liberdade é uma forma de as protegerem. Para as controlarem, têm de as discriminar (sexismo) e, por último, para as discriminarem precisam de sentir que elas são inferiores (misoginia). Podemos assim dizer que o sexismo é a teoria e a misoginia é a prática e que esta pela violência de que se reveste requer um fundamento afectivo de hostilidade em relação às mulheres.

«Mulheres Presentes na História»

«Mulheres Presentes na História» é um movimento feminista organizado na Bolívia, que luta pela paridade na representação política da Assembleia Legislativa Nacional, consciente de que só através dessa representação podem ser defendidos os direitos das mulheres e denunciados os atropelos aos mesmos. Foi este movimento que conseguiu anteriormente que pelo menos 33% da Assembleia fosse composta por mulheres e que hoje vai mais além reclamando a justa cota dos 50% já que mais de metade da população boliviana é feminina.

No velho continente, tudo evidencia que estamos mais acomodadas e particularmente em Portugal não conseguimos ir além dos 33% . As nossas modestas ambições e o pouco empenhamento em qualquer tipo de luta ou de movimento organizado não parecem levar-nos a parte nenhuma. Ora, enquanto não percebermos que a união, a organização e o empenhamento numa luta que defina objectivos ambiciosos mas viáveis é imprescindivel, as mudanças serão necessáriamente muito mais lentas e pouco significativas.

Tomei este vídeo do blog Género con Clase onde originalmente o visionei.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Quando é que a relação sexual é moralmente correcta?

«Há dois séculos, Immanuel Kant (1724-1804) deu um contributo significativo para uma perspectiva racional sobre a ética ligada ao sexo, quando defendeu que é moralmente errado tratar as pessoas como simples meios para o que cada um deseja e não também como fins em si mesmas. De facto, Kant compreendeu que não conseguimos evitar tratar as pessoas como meios. O que é errado é usá-las meramente como meios, sem reconhecer o seu valor como fins em si mesmas. (…) Em relação ao sexo, Kant disse que fora de uma relação de amor, as pessoas são tratadas como objectos sexuais. Ele deve ter sido a primeira pessoa a denunciar o uso das pessoas como objectos sexuais. Kant sustentou que, fora do casamento, as pessoas são usadas como meros objectos de desejo sexual.

Não precisamos de concordar com Kant de que o casamento é o único modo de evitar o uso das pessoas como meros meios. (…) O elemento básico acerca da incorrecção de usar uma pessoa como um simples meio sustenta-se por si mesmo. A falta moral acerca da qual Kant escreveu continua a ser uma falta. Porquê? Usar uma pessoa como mero meio para os fins de uma outra cria uma relação na qual a pessoa não é respeitada como pessoa e a sua liberdade e desenvolvimento pessoal não são favorecidos. Em tal relação, há uma falta de reciprocidade e mutualidade. Estas faltas tornam a relação sexual moralmente errada. Respeitar totalmente a personalidade e liberdade do outro, ajudá-lo a crescer em capacidade para realizar o seu potencial respeitando o direito do outro a ser ele próprio e não um mero apêndice de cada um, evitar o que quer que o fira e prejudique, aprender a falar em conjunto e a discutir os desacordos honestamente – estas são algumas coisas que tornam uma relação sexual moralmente correcta.»

Don Marietta: Philosophy of Sexuality


sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O clitoris - esse ilustre desconhecido

"Há alguma esperança para as vítimas de mutilação genital feminina – isto se você for cidadã de um país como a França ou os Estados Unidos. A Newsweek reporta o trabalho da Drª. Marci Bowers, que realiza operações reconstrutivas em mulheres que sofreram ablação do clitoris; 80% das mulheres que se submeteram à operação viram os seus sentimentos de prazer restaurados.

Foi a primeira vez que ouvi falar em tal possibilidade. O clitoris é um órgão maravilhoso e tem sido mantido no esquecimento, como a investigação recente revelou. Por isso não é impensável que haja opções de restauração. Porque não pensei nisso antes? Felizmente o Dr. Pierre Foldès pensou. Há cerca de vinte anos, quando começou, descobriu:

«Foi para mim chocante constatar através da minha investigação que não havia nada, absolutamente nada acerca deste órgão, ao passo que havia centenas de livros sobre o pénis e várias técnicas cirúrgicas para lhe aumentar o comprimento, alargá-lo ou repará-lo. Ninguém estava a estudar o clitoris porque ele é associado ao prazer das mulheres. Os detalhes anatómicos sobre ele eram muito escassos. Era como se não existisse. Tive de começar do nada.»

Mas agora as coisas começam a mudar”

P. S. Dadas as características sexistas da língua inglesa, como aliás de todas as outras, só através de investigação no Google descobri que Dr. Marci Bowers é uma cirurgiã e não um cirurgião como inicialmente pensei, curiosamente, ou não, a Drª Marci Bowers é transexual.
Perante os dados disponibilizados neste post acerca da atenção dada pela comunidade científica ao clitoris e ao penis é caso para inquirir quem é que ainda tem dúvidas de que vivemos de facto em sociedades falo-cêntricas?

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O papel dos media na transmissão cultural

«A premissa de que – TV, filmes, discos e pornografia não têm efeito na realidade – é de facto completamente idiota. Os humanos são animais culturais.
TV/Filmes/discos/pornografia são meios de transmissão cultural, tal como qualquer outro meio ou forma de comunicação. Actualmente, estes são mesmo os nossos meios fundamentais de transmissão cultural.
E toda a gente sabe isso. É por esse motivo que as pessoas objectam contra as descrições racistas ou homofóbicas ou mesmo contra a ausência de modelos positivos de papeis para as minorias. Porque tudo isso faz parte da nossa transmissão cultural, de como nós partilhamos, trocamos e ensinamos valores e ideias.
Contudo este misterioso conhecimento evapora-se quando o assunto é caro ao coração de cada um – como a pornografia ou a violência ou as descrições caricatas de mulheres. Então, como por um passe de mágica, diz-se que os filmes e a pornografia existem no vácuo, num outro mundo: não há qualquer transmissão cultural, nem valores nem qualquer impacto nos humanos que os consomem. É absolutamente inacreditável.»


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Adaptar as instituições ao novo estatuto das mulheres

Neste vídeo, Maria Shriver, coautora com John Podesta do Relatório: A Woman Nation, e Valerie Jarret, conselheira da Casa Branca para os problemas das mulheres e das jovens analisam as mudanças profundas ocorridas na força laboral dos Estados Unidos nas últimas décadas que conta actualmente com uma participação de mulheres de cerca de 50% e com cerca de 40% das mulheres ganhando tanto ou mais do que os homens.

Duas notas curiosas denunciam que as mudanças vieram para ficar e que se deu uma importante transformação nas atitudes e por arrastamento nas mentalidades: embora se reconheça que a ausência do pai e da mãe pode ser prejudicial para o desenvolvimento das crianças, já ninguém se atreve a sugerir que a solução consiste em convencer as mulheres a retornarem ao lar, antes se enfatiza a necessidade de os empregadores e as empresas adoptarem horários flexíveis, concederem maiores nenefícios e assumirem uma visão mais realistas das necessidades actuais da Família e de nesta se dividirem tarefas e responsabilidades no que respeita aos cuidados com as crianças e os mais velhos. Por outro lado, 80% dos homens inquiridos responderam não ver qualquer problema no facto da mulher ganhar mais do que o marido.

Apraz-me pois registar que se começa a perceber a necessidade de reorganizar o mundo do trabalho que foi e continua a ser em muitos aspectos um mundo dos homens e para os homens espaldado numa separação nítida entre esfera pública e esfera privada.


Visit msnbc.com for Breaking News, World News, and News about the Economy

domingo, 18 de outubro de 2009

A espantosa jornada das mulheres nas últimas décadas

Do blog Feminist Philosopher, traduzo um excerto do último post que mostra bem, através de breves apontamentos, o extraordinário trajecto que as mulheres americanas percorreram desde a década de sessenta do século vinte e que tem paralelo com o que aconteceu na Europa e também em Portugal.
São sinais positivos, mas há ainda muito para fazer, especificamente quando se continua a verificar enorme disparidade de salários para trabalho igual e quando a maioria das mulheres continua a enfrentar dificuldades significativas para aceder a lugares de maior estatuto e melhor remuneração.
Gail Collins, colunista do NY Times, escreveu: Quando tudo mudou - a espantosa jornada das mulheres americanas de 1960 até ao presente. The NY Times fornece apontamentos dos anos sessenta que podem parecer bizarros, mesmo a quem viveu nesse período:

Em 1960, Lois Rabinowitz, secretária, presente em tribunal para contestar o despedimento pelo patrão …. foi repreendida pelo juiz por usar roupa menos apropriada (slacks) … mandada para casa para trocar de roupa e o marido foi admoestado para a manter com a rédea mais curta, o juiz disse ainda aos jornalistas que detestava ver « as mulheres caírem do seu pedestal».

Em 1964 numa audiência no Congresso, quando os executivos de uma companhia aérea testemunhavam que era imperativo que os homens de negócios tivessem os charutos acesos e as bebidas servidas por hospedeiras atraentes, a congressista Martha Griffiths perguntou, «o que é que vocês estão a dirigir, uma companhia aérea ou uma casa de putas?» e a conversa começou a mudar de rumo.

Ou aquele glorioso dia de 1963 quando 250 mil pessoas se reuniram para ouvir o extraordinário discurso de Martin Luther King, «e muito poucas pessoas se deram conta de que as mulheres negras tinham sido quase completamente excluídas do evento». Embora nenhuma mulher estivesse na lista dos que iriam discursar, os homens continuaram a salientar que «apesar de tudo tinham convidado Marian Anderson para cantar.» (…)

Há uma nota perturbadora no artigo de Gail Collins: Mais mulheres (a partir dos anos 80) do que homens passaram a frequentar o ensino superior; a diferença de salário entre os géneros começou a diminuir. (Se você não quer nenhuma diferença permaneça jovem, solteira e sem filhos). Parece um simples facto que mulheres jovens, solteiras e sem filhos, em áreas metropolitanas, tem paridade de pagamento com os homens, mas mais nenhumas outras mulheres o têm. E sabemos bem porque é que isto acontece, incluindo a sobrecarga acrescida de famílias em que a mulher é o único esteio. “
A imagem é da congressista norte-americana e feminista Martha Griffiths (1912-2003)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Manter as mulheres silenciosas é um meio de as dominar - pedagogia dos contos de fadas

Os contos de fadas atravessam as gerações e são transversais a todos os extractos da sociedade; contados às crianças desde a mais tenra infância, servem a dupla função de divertir e ensinar, transmitindo modelos de comportamento e normativos sociais.
Sem qualquer esforço e com perfeita naturalidade, as crianças identificam-se com os caracteres que lhes são apresentados a uma luz favorável e distanciam-se e repelem os outros, aprendendo assim por impregnação cultural os papéis que se espera venham a desempenhar. Pode falar-se em autêntica lavagem ao cérebro que garante a prevalência do grupo socialmente dominante.

Como o grupo dominante tem todo o interesse em que as mulheres continuem no lugar subordinado e secundarizado que desde sempre lhes tem sido destinado, as personagens femininas que correspondem às futuras boas mulheres apresentam certos atributos que são especialmente valorizados, destes destacam-se três extremamente importantes: o silêncio, a passividade e a beleza. Vamos ver cada um destes atributos de per si.

Nos contos de fadas as boas meninas são caladas e pacatas: fazerem-se ouvir, manifestar opiniões ou expressar desejos é mostrado como algo pouco apropriado; implicitamente supõe-se que não tem nada de importante a dizer e que assim devem continuar. Esta valorização do silêncio feminino, embora desconcertante, tem uma explicação bastante óbvia. Há uma relação profunda entre palavra e poder, quem tem o dom da primeira pode vir a conseguir o segundo. Saber verbalizar, saber exprimir, é um instrumento poderoso para influenciar os outros e os levar a cursos de acção que podem ser os desejados por aquele que verbaliza. Normalmente associa-se a capacidade verbal a pessoas que ocupam lugares de autoridade, ora não interessa nada que as mulheres sequer pensem em conquistá-los, por isso, nos contos de fadas só as mulheres más, as bruxas é que detém este poder, mas para praticar aquilo que é apresentado como mau, rogar pragas às boas personagens da história. Por isso, manter as mulheres silenciosas é um meio de as dominar.

Nos contos de fadas, um atributo muito inculcado nas mulheres é a passividade; sempre que são colocadas em situações de perigo, não fazem nada, não tomam qualquer iniciativa, apenas esperam pelo «cavaleiro andante» que, arrostando todos os perigos, as virá salvar. A mensagem subliminar que passa é a de que as mulheres são fracas, indefesas e incapazes de tomarem iniciativas e decisões apropriadas pelo que devem deixar esse papel aos homens, pois só eles as podem proteger. É caso para perguntar de quem têm elas de ser protegidas? De qualquer modo, a passividade das mulheres serve para justificar a dominância dos homens.

Por último, mas não menos importante, nos contos de fadas, a beleza é extremamente reverenciada, é a porta da felicidade entendida em termos do perfeito casamento que finalizará a história. As mulheres são amadas porque são belas, não porque são inteligentes ou têm uma personalidade interessante, isso nunca importa. Avaliar um ser humano com base num atributo completamente superficial é extremamente injusto, mas os contos de fadas preocupam-se pouco com a justiça ou com a injustiça, não é para isso que servem.

Estas três características: silêncio, passividade e beleza ainda hoje são muito valorizadas, por isso não surpreende que tantas mulheres as endossem; por isso também quebrar esta corrente que nos subjuga constitui uma tarefa prioritária. Se começarmos por quebrar o silêncio, se nos atrevermos a falar o que até hoje calamos, o resto virá por arrastamento.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Hiper-realidade no mundo da moda

Foi o sociólogo francês Jean Baudrillard (1927-2007) quem criou o conceito de hiper-realidade para referir as representações que os media fazem da realidade e que, em particular, a publicidade da moda e a pornografia fazem das mulheres. Nessas representações, a distinção entre o real e o imaginário desaparece. A hiper-realidade é uma fraude que não é percebida como fraude.

As representações hiper-reais que a publicidade da moda e a pornografia fazem das mulheres são muito diferentes entre si, mas têm em comum o facto de proporem como reais autênticos simulacros de mulheres. O que é grave é que muitas mulheres reais se vão procurar aproximar desses simulacros, que obviamente não são percebidos como tais, seja através de dietas de emagrecimento perigosas, seja por meio de operações estéticas, igualmente perigosas e normalmente desnecessárias, para modificar as mais diferentes partes do corpo. Ocupar a mulher com a preocupação obsessiva com a aparência física é o resultado pretendido, obrigar a mulher a perceber-se através do olhar dos outros é uma forma de a menorizar.

O mundo da moda é o mundo da mulher tradicional e para que ele subsista e facture é preciso que a mulher continue a investir num conceito de feminilidade que os novos papéis que as mulheres desempenham no mundo do trabalho podem colocar em causa e sobretudo é preciso que esteja eternamente descontente com a sua auto-imagem para adquirir tudo o que esse universo de fantasia e glamour lhe propõe.
A recente celeuma a propósito da marca Ralph Lauren que através do fotoshop estilizou uma sua modelo é um bom exemplo de representação hiper-real.

O Nobel da Economia para uma mulher

Elinor Ostrom, norte-americana, é a primeira mulher a ser laureada com o Nobel da Economia, prémio que dividiu com Oliver Williamson.
As suas preocupações com o modo como os humanos interagem com os eco-sistemas e com os recursos naturais: florestas, campos petrolíferos, pesqueiros, sistemas de irrigação, pastagens, bem como com o desenvolvimento económico sustentável a fim de evitar o colapso dos eco-sistemas, levaram-na a analisar a gestão das propriedades comuns e a defender que estas podem ser eficazmente geridas por associações de utentes.


O perfil de Elinor Ostrom pode ser consultado aqui.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Sobre a «natureza» das mulheres

Sempre que nos virmos confrontad@s com estereótipos acerca da natureza das mulheres - utilizados para lhes impedir o acesso a determinadas profissões, é muito conveniente recordar atitudes assumidas no passado por autoridades que o correr dos tempos acabou por desmentir cabalmente. Hoje, o universo do direito conta já com um número significativo de mulheres nos mais diversos cargos, mas há pouco mais de um século, um ilustre professor de Harvard ainda se atrevia a proferir a seguinte declaração:

«Espero que a Faculdade de Direito de Harvard continue livre e não contaminada por mulheres. As mulheres – Deus as abençoe, estão fora do lugar na profissão jurídica. Elas são motivadas pela intuição – sua especial prerrogativa – impulso e preconceito, os quais são antitéticos do juízo racional que deve ser a principal característica de um advogado qualificado – para além de qualquer questão de carácter moral, uma boa mulher não pode ser um bom advogado, paralelamente, um bom advogado não pode ser uma boa mulher. Uma mulher advogada não é a companheira que um homem precisa e ela não precisa de o ser.»
Charles L. Griffin, Harvard 1888.

Griffin, seguindo de perto filósofos ilustres, como Immanuel Kant, atribui à mulher uma natureza em que a razão é ofuscada pela intuição e em que domina o comportamento impulsivo e preconceituoso, carecendo da objectividade mínima exigível para aplicar o rigor da Lei, desse modo, uma boa mulher, leia-se uma mulher autenticamente mulher, nunca seria indicada para o exercício de tal profissão. Assim, restou às más mulheres estarem-se nas tintas para a má reputação e lutarem pelo acesso a uma profissão que lhes queriam vedar. Foi o que elas fizeram-se, pode dizer-se que com grande sucesso. Ainda uma nota curiosa, Griffin entende que as mulheres devem estar atentas ao que os homens precisam, e estes precisam de boas mulheres. Muito interessante esta postura!!

A imagem é de Arabella Mansfield a primeira mulher a ser admitida, a título excepcional, na barra dos tribunais de Iowa nos Estados Unidos em 1869. No ano seguinte a lei foi alterada para abrir a profissão às mulheres.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Brinquedos e discriminação

Não me parece haver nada de errado com a proposta de brinquedos deste género - todas as crianças gostam de brincar às casinhas; mas apresentá-los como na imagem serve apenas mais um esterótipo que convinha ultrapassar.
Resta apelar aos pais para que o ofereçam às suas crianças independentemente de serem meninos ou meninas e aos fabricantes para que mudem uma apresentação que em muitos meios sociais já nem corresponde à realidade.

domingo, 11 de outubro de 2009

As mulheres e o Prémio Nobel

Apesar das atenções terem sido desviadas para Barack Obama a quem foi atribuído um pouco inusitadamente o prémio Nobel da paz , apraz-me registar que pela primeira vez na história do Nobel, na área das ciências, quatro mulheres foram indigitadas e até ao momento três foram agraciadas. O Nobel da Medicina foi atribuído a duas mulheres e a um homem: as mulheres foram Elizabeth H. Blackburn e Carol W. Greider. O prémio Nobel da Química foi atribuído a uma mulher e a dois homens, a mulher foi Ada E. Jonath. O Nobel da Literatura também foi atribuído a uma mulher: Herta Muller.

Curiosamente mais uma vez a imprensa e os media em geral não deram o destaque merecido a este evento que mostra bem como as mulheres continuam lenta mas persistentemente a conquistar o lugar que merecem neste nosso mundo, o que é um sinal positivo que nos permite alguma esperança no futuro.

sábado, 10 de outubro de 2009

A mal-nutrição erótica das mulheres e o banquete romano dos homens

Vem este título a propósito de um blog que visitei há pouco tempo, no qual se discutia acaloradamente o que as mulheres haveriam de fazer para dar mais prazer aos seus parceiros sexuais; mulheres e homens opinavam e eu resolvi comentar a estranheza - para mim é claro, de estarem tão preocupad@s com o prazer dos homens e não darem a mínima para o prazer das mulheres que, como todos sabemos, ainda hoje constituiu um grave problema de saúde sexual, embora ninguém pareça querer dar-lhe muito atenção, as mulheres por vergonha, os homens por que o problema não é deles…. Claro que de imediato o «galo» daquela capoeira me mimoseou com os insultos soezes que costumam substituir os argumentos mais sólidos. Não lhe ocorreu nem ocorreu aquela corte que de facto, os homens já são privilegiados, e alguém pretender que precisa de se preocupar ainda com as suas carências sexuais é não só caricato como escandaloso. De facto, comparada com a mal-nutrição erótica das mulheres, a frugalidade dos homens assemelha-se a um banquete romano.
Entretanto li um texto que me sugeriu este título e resolvi traduzi-lo; nele a autora, Linda LeMonchec, cita o relato de uma prostituta muito compreensiva para com as necessidades dos homens e igualmente complacente para com as esposas desses homens. Vale a pena conferir:
“Quando a trabalhadora de sexo Valerie Scott diz que a maioria dos seus clientes casados continuam a amar as suas esposas mas que, por vezes, os homens precisam mesmo de uma quebra da rotina, falha em situar a prostituição no contexto da ideologia sexista na qual as mulheres não têm uma saída equivalente para os seus devaneios adulterinos nem um meio de preservarem o estatuto de boa rapariga, se a tiverem. Por isso, mesmo que Scott tenha razão quando diz que «o desejo sexual não substitui o amor» de modo que as esposas queridas não precisam de se sentir ameaçadas pelas prostitutas, não assume a sua responsabilidade pelo facto do seu trabalho como prostituta reforçar o duplo padrão sexual que priva a sexualidade feminina de um erotismo definido nos seus próprios termos.
Como Anne McClintock aponta:
Pode acontecer os homens não terem sexo suficiente; mas também o não têm as mulheres. Os homens têm um acesso privilegiado ao empório da pornografia e da prostituição – para não mencionar também a perenidade do duplo padrão de conduta. O desejo das mulheres, por contraste, tem sido menosprezado e confinado pela triste história de museu dos espartilhos, cintos de castidade, culto da virgindade e mutilação genital. Comparada com a mal-nutrição erótica das mulheres, a frugalidade dos homens parece um banquete romano.

Dado este duplo padrão, o poder que a prostituta afirma ter sobre o seu cliente é temporário e socialmente invisível em relação ao dele; por isso Scott pode não estar a perceber que o poder dela pode facilmente ser subvertido para dar força á objectificação sexual pelo seu cliente da sua puta e da sua esposa (e também da sua secretária e da sua amante…).”

Linda Le Monchec: Lecherous men, loose women

terça-feira, 6 de outubro de 2009

(3) O que é que há de errado com a pornografia?

A pornografia, ao conferir uma dimensão erótica à desigualdade entre os sexos - e aqui estamos a falar em inferiorização e submissão de um em relação ao outro - torna essa desigualdade e inferioridade sexualmente apelativa e desejável: mulheres jovens e fisicamente atraentes mostram-se encantadas por poderem «servir» os homens e colocar-se sob o seu domínio, entregando-se a toda uma série de práticas sexuais que objectivamente devem dar prazer aos homens, mas que, também objectivamente, em si mesmas, pouco ou nenhum prazer lhes devem dar a elas próprias.

A regra de ouro da sexualidade - a reciprocidade, é completamente ignorada pela pornografia: as mulheres fazem sexo oral aos homens, mas os homens não fazem sexo oral às mulheres - pelo menos essa não é a norma; as mulheres masturbam os homens, mas os homens não masturbam as mulheres; mesmo a penetração vaginal é frequentemente preterida pelo sexo anal que, temos de convir, para além de outros inconvenientes, dá provavelmente mais gozo ao homem do que à mulher, pois nesta é acompanhado, senão de dor, pelo menos de algum desconforto. Pode dizer-se, sem sombra de dúvida, que na narrativa pornográfica não há o mais leve indício de que o homem esteja preocupado em dar prazer à mulher, bem pelo contrário parece presumir e quer fazer-nos crer que ela tem prazer quando ele sente prazer o que mostra bem a lógica egocêntrica e falocêntrica que preside a este concepção da sexualidade.

Neste contexto, parece bastante óbvio que os homens que consomem pornografia vão achar muito natural que as suas parceiras alinhem nestas práticas que são mostradas como naturais e prazerosas para as mulheres; se estas também consumirem pornografia, o que é expectável, por influência dos próprios companheiros, vão sentir que não há nada de errado em se submeterem aos desejos dos homens e poderão mesmo achar desejável essa situação que lhes é apresentada como correspondendo ao cúmulo do erotismo.

Num período de crise de paradigma, em que as mulheres começam a questionar a inferioridade que lhes querem impor aos mais diversos níveis, a pornografia dá uma ajuda moderna, é um instrumento de violência simbólica que vai conferir uma aparência de consentimento àquilo que, desmontados os mecanismos subjacentes, não é mais do que adesão extorquida. Aparentemente ninguém obriga as estrelas porno a fazerem os filmes que fazem, ninguém obriga as mulheres a consumirem os filmes que consomem; tudo ocorre na paz dos senhores. Mas, se bem repararmos, a pornografia, ao apresentar como sexualmente desejável uma diferença e uma desigualdade que apenas radica no poder físico e económico superior dos homens, e portanto na coerção, mascara a realidade - o que resulta de imposição passa a parecer decorrer de livre e espontânea aceitação. Concomitantemente, ao proclamar o consentimento da mulher à submissão, legitima essa submissão e suporta o regime de desigualdade entre mulheres e homens, dando uma aparência de consentimento àquilo que é coercivo.

Um outro aspecto a que interessa dar relevo é que a pornografia é consumida no domínio privado, ver filmes pornográficos é uma coisa que as pessoas fazem na intimidade, e com certo resguardo, mesmo quando, o que é agora raro, frequentam um cinema. A pornografia não se discute, não se objectiva e portanto também não se critica; desse modo pode impor às mulheres sem qualquer dificuldade uma concepção de sexualidade que é masculina e pode impedir que elas próprias articulem e exprimam os seus desejos e as suas fantasias, independentes das fantasias dos homens sobre elas, numa palavra pode impedir que «construam» a sua própria sexualidade. A situação ainda se agrava pois as mulheres, já de si pouco interventivas nas áreas do social, dados os condicionalismos da sua educação e existência, sentem normalmente vergonha de abordar directamente estas questões o que acaba por lhes ser profundamente prejudicial.

Em resumo, poderíamos dizer que, por um lado, a pornografia apresenta a submissão da mulher como livremente aceite e desejável; por outro, ao descrever a sexualidade em termos de desejos e fantasias masculinas, impede as mulheres, sujeitas a esse modelo, de articularem os seus desejos e fantasias e de exprimirem a sua sexualidade no que ela tenha de específico. Claro que tudo isto será irrelevante para quem considerar que a especificidade da sexualidade da mulher é agradar e submeter-se ao homem - que é o caso da pornografia e que infelizmente um grande número de homens, e até de mulheres, aceita como normal e desejável.
P.S. Não sei se é preciso, mas para evitar qualquer dúvida, devo esclarecer que a minha abordagem em relação à pornografia não é de modo nenhum moralista, no sentido da moralidade positiva; não a condeno por ser obscena ou por dissociar o sexo do amor, condeno-a num sentido ético porque penso que ela manipula as mulheres e trata-as muito mal. Penso que sexo e amor é bom, mas aceito que sexo sem amor também pode ser bom. Digo tudo isto em adenda, porque sei que muit@s costumam olhar aquel@s que criticam a pornografia como pessoas que não gostam de sexo ou têm preconceitos em relação ao sexo, para assim fazerem passar a sua mensagem, descredibilizando quem se lhe opõe.

sábado, 3 de outubro de 2009

Legalizar a prostituição?!

Há muito boa gente, algumas feministas incluídas e também prostitutas, que advogam a legalização da prostituição com base nas consequências nefastas que a sua ilegalização acarreta em termos de exploração e de saúde pública e que defendem que a prostituta se limita a prestar um serviço contratualizado a um cliente - vender sexo seria como vender outra coisa qualquer, seria um serviço como qualquer outro, devendo-se apenas evitar a exploração, a coerção ou a fraude. Em tais termos, pressupondo consentimento entre as partes, nada haveria a opor e a condenação da prostituição por esquerdas e direitas seria apenas atribuível a resquícios de um moralismo passadista que tende a encarar o sexo como algo que detém uma enorme carga de negatividade. Estas pessoas consideram que a prostituição é condenada pela moralidade positiva - expressa na opinião pública, nos costumes e nas leis – mas este tipo de moralidade costuma abrigar sempre um certo números de preconceitos, isto é, de ideias feitas que se aceitam como válidas, que não foram escrutinadas pela razão; consideram ainda que a moralidade crítica pode por em causa a moralidade positiva e será capaz de denunciar as suas falácias e preconceitos.

De facto, concedo que a moralidade tradicional, pelo menos a de raiz religiosa, encara o sexo como algo mau, ou até mesmo pecaminoso, que só tem legitimidade enquanto meio para a procriação, ou quando muito, para reforçar a união do casal e dar-lhe estabilidade para criar os filhos. Para ela, é o casamento que é estimável enquanto instituição social, não são os indivíduos, não é o casal que é importante. Mas penso que numa perspectiva que aceite o sexo e o legitime enquanto fonte de prazer, esta condenação da prostituição deixa de ser consistente.

Por outro lado, condenar a prostituição com o argumento de que é nociva para quem a pratica: doenças venéreas, humilhação, violência por parte dos clientes, exploração por donas de casa de prostitutas e por gigolôs, é um argumento paternalista que, enquanto tal, não resiste ao escrutínio crítico e por outro é até contraproducente porque pode sempre mostrar-se que estes males advém do facto da prostituição se encontrar condenada e ilegalizada e de se estigmatizar a figura da prostituta. A falácia de tal argumento é que mesmo que seja verdade o que nele se diz, isso não é suficiente para condenar moral ou legalmente a prostituição, é quando muito um argumento prudencial: não é aconselhável ser prostituta, mas a partir daí nada mais se pode adiantar.

Afastados estes dois argumentos pela sua inconsistência, fica por considerar aquele que me parece realmente sólido e que afirma que a prostituição não se pode legalizar porque atenta contra os direitos inalienáveis da pessoa humana: a prostituta aceita ser tratada como um simples meio para o cliente atingir o fim que se propõe - satisfação sexual; aceita ser reduzida à condição de objecto sexual. E não só é reduzida ao estatuto de objecto o que já por si é degradante como tem ainda de se mostrar cooperativa na sua própria degradação: tem de «funcionar» de determinada maneira, tem de se empenhar num papel determinado para prover à satisfação sexual do cliente, tem de se mostrar submissa e subserviente em relação aos desejos do cliente. O facto de ela concordar com o «negócio» em certo sentido ainda piora a situação porque como o «negócio» se realiza no contexto da sociedade patriarcal, com a sua anuência, ela acaba por reforçar e aceitar a inferiorização e o domínio e controlo sexual do homem sobre a mulher que ela representa. O que a prostituta vende não é, como se pretende - não se sabe se com ingenuidade se com má fé, um simples serviço, de facto, ela vende-se a ela própria por um determinado lapso de tempo, anula-se como pessoa. Enquanto, por exemplo, o trabalhador de uma fábrica vende a sua força de trabalho, mas isso não o impede de continuar a existir como pessoa, tal não acontece com a prostituta que não se consegue alienar do que está a vender. Parece-me que esta peregrina ideia do serviço que o corpo da prostituta realizaria decorre de uma concepção dualista do ser humano que defende que este é um composto de duas realidades independentes, o corpo (que se tem, à maneira de uma coisa) e o espírito (que se é, que constitui a essência da pessoa), a ser assim, pode advogar-se que a prostituta vende o corpo, mas preserva o espírito; todavia esta concepção é como sabemos apenas mais uma concepção religiosa e hoje de uma maneira ou de outra tod@s estamos cientes de que nós somos corpo, um corpo que sente, deseja, pensa e que não podemos pensar, sentir, desejar sem corpo, portanto quando se vende o «corpo» vende-se aquilo que se é.

Parece-me que esta linha de argumentação pode fornecer um apoio sólido a quem, apesar de reconhecer e lamentar a exploração a que as prostitutas estão sujeitas, não concorda com a legalização de tão sórdido negócio, porque de facto a degradação da prostituta também é, embora remota e indirectamente, a degradação de todas as mulheres e ainda mais indirectamente de todo e qualquer ser humano. Não se pode de modo nenhum resolver o problema da legalização da prostituição ouvindo apenas as prostitutas, tem de se ouvir acima de tudo as mulheres e também os homens, apesar da perspectiva destes na maioria dos casos estar enviesada, porque o que as prostitutas fazem, embora em minha opinião seja nocivo para elas – mas essa é apenas a minha opinião, é nocivo para as mulheres em geral, para mim em particular e para a dignidade do ser humano.
Assim, a legalização da prostituição é um assunto em que temos de ser ouvid@s, a decisão não nos pode passar à margem. E isto, para as mulheres, nada tem a ver com paternalismo, ou maternalismo, tem a ver com consciência de classe, uma coisa que tem andado muito arredada dos nossos pensamentos.
P.S. Sei que muito boa gente não concorda com a tese aqui defendida, convido quem quiser colaborar a apresentar brevemente e a defender o seu ponto de vista.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A prostituição não é degradante apenas para as prostitutas, é degradante para todas as mulheres

Às voltas com o complexo problema da prostituição, não resisto a transcrever um texto que li recentemente e que me parece explicar o mal-estar que eu própria sinto em relação às prostitutas e à prostituição. Sempre intui que este não era apenas um problema que dissesse respeito às prostitutas, pelo qual eu poderia sentir simples preocupação social e intelectual; algo me dizia que havia mais qualquer coisa e essa qualquer coisa foi o que agora descobri : a prostituição não degrada apenas a prostituta, degrada-me também a mim enquanto mulher.

«A prostituição[1] é degradante porque a prostituta trata-se a si mesma e permite que outros a tratem como uma mercadoria a ser comprada e vendida no mercado livre. Evelyne Giobbe caracteriza a indústria do sexo como aquela na qual «os corpos das mulheres e das crianças» são comprados, vendidos ou negociados para uso e abuso sexual. Diana Russell e Lauda Ledere fazem notar que «mesmo a pornografia mais banal objectifica os corpos das mulheres». De acordo com este ponto de vista, a prostituta não se trata a si mesma como uma pessoa cujos sentimentos, interesses e necessidades são dignos de respeito, como os de qualquer outra pessoa. Ela é tratada como um simples corpo, brinquedo, instrumento, propriedade ou animal doméstico para ser usada e abusada pelos homens que a compram. Não apenas o seu trabalho a define como subordinada sexual do homem, mas o seu trabalho, na medida em que parece que ela o escolheu, encoraja e reforça a ideia de que o seu maior prazer é estar ao serviço do homem e de que o que ela quer e precisa dos homens é que eles a usem e dela abusem.
A partir desta perspectiva, porque a prostituição está inserida num contexto patriarcal cuja ideologia sexual é já à partida a que define as mulheres em termos da sua disponibilidade em relação aos homens, a prostituição reforça simplesmente a visão de que todas as mulheres, mesmo aquelas que não a escolheram, desejam dedicar a sua vida ao serviço sexual do homem.
As feministas argumentam que estas falsas crenças acerca das mulheres não apenas são degradantes em si mesmas, mas também resultam inevitavelmente na exploração sexual e na violação das mulheres percebidas como objectos sexuais colocados incondicionalmente ao serviço dos homens. … A prostituição encoraja a exploração das mulheres e promove a tolerância e o exercício da violência contra as mulheres.”[2]

[1] No original o termo é “sex work” que envolve também pornografia e outras práticas afins
[2] Linda Le Moncheck: Loose Women, Lecherous Men