domingo, 31 de maio de 2009

Até onde pode ir a estupidez humana!

A JBS, fabricante dinamarquesa de roupa interior masculina, receando que os seus eventuais clientes não gostassem de ver as suas roupas exibidadas por corpos masculinos mais ou menos despidos, resolveu mudar o cenário. Pelos vistos, não lhes pareceu correcto explorar a nudez masculina; mas com a feminina, tudo bem, por que não?!

Solução original é certo, mas também bastante estúpida e até insultuosa!

Os perigos da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo!!

No dia em que nos Estados Unidos o Maine se tornou o 5º Estado a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o televangélico Pat Robertson reagiu produzindo a espantosa afirmação de que tal levará à legalização da poligamia, da bestialidade e da pedofilia. Será que o homem está bom do juízo? Como se pode ser tão bronco? Ou será apenas má fé?Aqui está o que ele disse sobre o assunto:
ROBERTSON: Lee, we haven’t taken this to its ultimate conclusion. You got polygamy out there. How can we rule that polygamy is illegal when you say that homosexual marriage is legal. What is it about polygamy that’s different? Well, polygamy was outlawed because it was considered immoral according to biblical standards. But if we take biblical standards away in homosexuality, what about the other? And what about bestiality and ultimately what about child molestation and pedophilia? How can we criminalize these things and at the same time have constitutional amendments allowing same-sex marriage among homosexuals. You mark my words, this is just the beginning in a long downward slide in relation to all the things that we consider to be abhorrent.»
A legislação contra a poligamia, a pedofilia e a bestialidade não precisa de recorrer à bíblia para encontrar o seu fundamento; confundir as questões pode dar jeito, mas nem por isso deixa de ser uma confusão.

Todavia, mais do que contrapor argumentos, nada é melhor do que o humor e a ironia desta dupla imparável para cobrir de ridículo personagens deste jaez:

sábado, 30 de maio de 2009

Virtudes éticas!?

Já tive ocasião de exprimir a minha admiração por David Hume, um filósofo que fugiu em muitos aspectos à misoginia do Canon filosófico e que abordou de forma realista e não preconceituosa os problemas, evitando mistificar-se a ele próprio e aos outros. Esse realismo e essa ausência de mistificação estão presentes em vários domínios da sua reflexão e, de entre estes, na ética que propõe e na ética que critica.

A ética de Hume, rejeitando qualquer fundamento divino e recusando ancorar as condutas éticas num fundamento racional universal, procura alicerçar-se no sentimento e em traços de carácter positivos. Deste modo, para Hume é importante cultivar e desenvolver traços de carácter adequados e cultivar predisposições para aceitar certas virtudes das quais dependem as relações que as pessoas estabelecem na vida em sociedade. Mais do que identificar regras universais de conduta o que importa é procurar ser uma pessoa boa que cultiva a simpatia e afabilidade em relação aos outros.

No Tratado da Natureza Humana, Hume elenca diferentes tipos de virtudes. As chamadas virtudes marciais provocam-lhe comentários pouco abonatórios. Sobre as virtudes monásticas, como a abstinência sexual, o celibato, o jejum, a humildade, as mortificações e a penitência considera que:
«São rejeitadas em toda a parte por homens de senso porque não tem qualquer utilidade ou propósito. Bem pelo contrário, observamos que se opõem a todos os objectivos desejáveis, estupidificam o entendimento, endurecem o coração, obscurecem a imaginação e azedam o temperamento.»

Repare-se na coragem que é preciso ter para rejeitar estas «virtudes» tão exaltadas por uma sociedade em que a religião era todo poderosa e que ainda hoje encontram acolhimento em muitos e influentes meios.
Por outro lado, como virtudes positivas, Hume considera a compaixão, virtude natural, e a justiça - virtude artificial, relevantes para a vida em sociedade, pois delas decorre a aceitação dos outros e o correcto tratamento que devem merecer; mas mesmo assim teve a coragem intelectual de perceber que a justiça é uma virtude artificial que resulta da experiência social, das convenções e consensos.

Dadas estas posições de Hume não é de estranhar que a Igreja Católica tenha colocado no Índex todas as suas obras e que mesmo no Reino Unido tenha sido considerado O Grande Infiel. A Igreja da Escócia tentou mesmo excomungá-lo, mas amigos influentes evitaram o escândalo argumentando que se ele não era crente, então não poderia ser excomungado. Nada como o senso comum dos britânicos para alimentar a boa disposição. Mas, de certo modo, ainda hoje, Hume, apesar de respeitado, continua a ser um marginal e nisso também reside o seu encanto.

A imagem que escolhi para ilustrar este post reproduz um ritual de auto-flagelação de uma comunidade religiosa dos nossos dias e sucita-me estas perguntas: o que é que estes indivíduos estão a tentar provar? Como é que mais de dois séculos após a morte de David Hume continuamos a ter este tipo de humanidade? O que é que correu mal? Será que afinal virtudes monásticas e virtudes marciais até combinam?

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A ética de Hume é feminista?

Referi já que a concepção de ética que se perfilhe pode repercutir-se na valorização ou na desvalorização da mulher enquanto ser capaz de agência moral e consequentemente na sua capacidade de responsabilidade e autonomia. Neste aspecto, a ética kantiana e a concepção que Kant defende da mulher enquanto menos dotada de racionalidade é exemplar.
Diferentemente, David Hume (1711-1776), que precedeu Kant (1724-1804), defende uma ética que de maneira alguma permite discriminar negativamente as mulheres. Para percebermos melhor a posição de Hume, convém recordarmos alguns aspectos da ética kantiana e confrontá-la com as posições assumidas por Hume.
Kant erigia a razão no factor determinante da decisão ética e definia-a como uma faculdade pura capaz de encontrar leis e princípios universais; mas já antes de Kant, Hume manifestou cepticismo relativamente a essa pretensa faculdade racional, pura e independente da sensibilidade ou dos afectos e até dos interesses, uma razão solitária e intelectualizada muito cara aos filósofos tradicionais. Hume escandalizou a elite bem pensante do seu tempo, produzindo a afirmação algo paradoxal de que a razão é a escrava das paixões.
Está de tal modo está arreigada em nós a crença de que o que nos distingue da restante animalidade é a posse de uma razão superior que a primeira reacção à afirmação de que a razão é a escrava das paixões é de uma certa incredulidade; só com o passar do tempo a conseguimos digerir e perceber quão acutilante Hume se revelou e como ele conseguiu perceber, antes de muitos outros, como a razão pode entrar em delírios e produzir monstruosidades.
Quando Hume escreve que a razão é a escrava das paixões quer com isso manifestar que devemos desconfiar das suas pretensões à objectividade pura porque ela sempre tende a justificar aquilo que nos interessa. Ele não o disse, ou pelo menos não utilizou a expressão, mas di-lo-á por exemplo, Edgar Morin, quando afirma que é fácil à razão cair na racionalização – no delírio da razão. Na mesma ordem de ideias, hoje utiliza-se com frequência a expressão inglesa, dificilmente traduzível, «wishful thinking» para referir uma espécie de pensamento voluntarista que leva a pensar que é verdadeiro aquilo que mais agrada e que melhor corresponde aos anseios profundos das pessoas.
Podemos dar exemplos que facilmente permitirão compreender este ponto: (1) É frequente pessoas de altos rendimentos acreditarem piamente e justificarem racionalmente uma política de contenção de impostos, enquanto os desempregados ou aqueles que auferem salários escassos tenderão a considerar insuficiente o nível de taxação existente. Num caso e no outro, poderão produzir-se argumentos racionais bastante convincentes, embora de sentido oposto, o que pode permitir concluir que o que inclina a razão num ou no outro sentido são os interesses e as questões afectivas do agrado e do desagrado e que a razão é movida por esses interesses ao invés de os controlar. (2) Homens que tudo têm a ganhar de esposas devotadas e centradas nas necessidades deles próprios tenderão a encontrar argumentos racionais para manter a situação das mulheres inalterada e tudo farão para se convencerem da justeza da sua posição.
Estes e outros exemplos confirmam que não é possível separar a razão do sentimento e da afectividade em geral e que o melhor que podemos fazer é escrutinar sempre as nossas razões e tentar exercer sobre elas a crítica.
Postas estas reservas em relação à razão humana e à sua capacidade de determinação imparcial, resta a Hume reconhecer que no plano ético, para explicar as decisões morais, não é suficiente tomar como ponto de referência a razão, mas é também imprescindível incluir o sentimento. Neste sentido, Hume valoriza um traço que tem sido apontado como predominantemente feminino e, nesse aspecto, a ética que propõe não exclui as mulheres do universo ético.
No lugar da razão, Hume coloca a simpatia pelos que nos são próximos e por nós próprios e propõe que cultivemos atitudes de benevolência e de compreensão em relação ao outro. Não é um edifício imponente como aquele que Kant procurou construir, mas revela talvez maior valor pragmático e, embora menos rigorosa, lida melhor com a diferença e com a tolerância em relação aos outros, e não conduz à aceitação de verdadeiros atropelos contra as pessoas como os que por vezes se cometem em nome de princípios eternos e universais.
Devo confessar que durante boa parte da minha vida me senti atraída pelo rigorismo e formalismo kantiano até que percebi que no mínimo ele é vazio e no máximo pode justificar qualquer forma de opressão e até de totalitarismo, a partir desse momento e tendo tomado conhecimento das propostas de Hume inclinei-me decisivamente no sentido das posições que ele defende.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Ética e sexo

A agência moral, isto é, a capacidade de reger a própria conduta por princípios éticos é a marca de uma humanidade evoluída. Esta capacidade foi frequentemente negada à mulher sob pretexto da sua inferioridade no plano racional. É conhecida a este respeito a posição de Kant, que chegou a afirmar:

«As mulheres evitarão o iníquo não porque é injusto, mas porque é feio; as acções virtuosas têm para elas significado na medida em que são moralmente belas. Nada de dever, nada de compulsão, nada de obrigação! A mulher é intolerante em relação a todas as ordens e a todos os sombrios constrangimentos. Faz algo apenas porque lhe agrada e a arte consiste em conseguir que apenas lhe agrade o que é bom.»[1]

Repare-se no certificado de menoridade intelectual que Kant passa às mulheres e na complacência com que as trata como se de crianças estivesse a falar. No filósofo paladino do Dever e da obrigação moral negar às mulheres capacidade para se deixarem determinar por ele equivale a negar-lhes acesso ao universo da ética que seria exclusivamente masculino e presta-se para justificar a subordinação da mulher ao homem como da criança ao adulto.
A ética de Kant é uma ética racionalista e o que é certo é que o lugar-comum de que a mulher, mais próxima da natureza, é um ser mais sensível do que racional, apesar dos impropérios de Kant, ainda hoje é frequentemente defendido. Mas, por outro lado, hoje também começa a questionar-se a legitimidade de uma ética centrada exclusivamente na razão, numa razão pretensamente pura e alheia à interferência de outros factores, numa razão que, enquanto conceito criado pelos filósofos (homens), reflecte as características que eles próprios a si mesmos atribuem.
É tempo de pôr em causa a ética kantiana, dominante no Ocidente há mais de dois séculos, e é tempo de perceber que outras perspectivas têm sido negligenciadas na apreciação da conduta ética dos seres humanos.

No meu próximo post procurarei reflectir sobre as virtualidades da ética humeana que curiosamente é bem anterior à proposta de Kant e que me parece mais interessante e compatível com características tradicionalmente atribuídas às mulheres.

[1] Kant: Observações sobre a Distinção entre o Sentimento de Belo e de Sublime

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Como identificar sinais sexistas

Associar o produto que se quer vender a sexo é sucesso garantido, acrescentar-lhe uma pitada ou mera sugestão de violência e de vulnerabilidade é um must. Desde muito que os técnicos de publicidade perceberam estes princípios fundamentais e não se coibiram de explorar os instintos mais primitivos do ser humano deixando tranquilamente a ética na gaveta. Deste modo, como tivemos já ocasião de verificar, a publicidade tem sido um terreno fértil para a expressão e exploração de sentimentos sexistas.

Se quisermos analisar um anúncio publicitário sob esta perspectiva convém que levemos em linha de conta alguns princípios que nos podem ajudar na identificação de sintomas sexistas. Vou enumerar alguns dos mais básicos:

A representação da figura feminina é feita no sentido de a apresentar como um objecto: sentada, ou deitada, por exemplo, estática e imóvel – neste caso a mensagem implícita, mais ou menos subtil, é a de que a mulher não tem existência em si mesma, existe para outro. Esta mensagem, hoje mais ou menos subrepticiamente veiculada, foi durante séculos apresentada como correspondendo a algo de legítimo e de desejável, e é curioso como a publicidade continua a passar o estereótipo com a maior desfaçatez e a maior impunidade, para vender os mais diferentes produtos.

O padrão de beleza que se transmite é extremamente limitado, associado à juventude, traços perfeitos e silhueta esbelta que exclui a maior parte das mulheres que não se revêem nesse padrão e, o que é ainda mais grave, que tudo procurarão fazer para dele se aproximar, por vezes com risco da própria saúde, dada a pressão exercida pelas técnicas de marketing.

Representação que enfatiza os papéis estereotipados da mulher: submissão, dependência e fraqueza com a sugestão de violência contra as mulheres que é apresentada com um certo glamour.

Representação das mulheres como bonecas inexpressivas, sem emoções, sugerindo que são objectos com os quais se pode brincar; por vezes chega mesmo ao excesso de erotizar a representação da mulher como se estivesse morta.
Convido-vos a um exercício de análise e de identificação dos sinais sexistas presentes na imagem publicitária que escolhi para ilustrar este post.

domingo, 24 de maio de 2009

O problema com as mulheres que trabalham

A BBC apresenta o primeiro vídeo da série: The Trouble with Working Women que podem ver aqui

Apesar do seu interesse, parece-me que em vez de se focar no mundo do trabalho e na necessidade de se operarem alterações significativas que compatibilizem trabalho e vida familiar, mais uma vez procura empurrar as mulheres para a alternativa entre carreira profissional ou maternidade, apresentando tal alternativa em termos de escolha o que é de facto falacioso. Mas talvez seja melhor verem o video e aguardarmos pela sequência.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Mulheres hostis ao feminismo! Como é isso possível?

Quando vejo mulheres dizerem que o feminismo vendeu ilusões, mais do que espantada fico indignada. É como se, por exemplo, homens e mulheres negras criticassem negativamente aqueles seus irmãos e irmãs que se bateram pela libertação. Não percebo como é que não se pode ter consciência da afronta que se está a fazer!
Essas mesmas senhoras têm ainda o desaforo de associar o feminismo à perda dos valores sociais; não sei bem o que entender por isso, e elas se calhar também não. Mas insinuar que a entrada das mulheres no mundo do trabalho as tornou más mães, além de injusto, é fazer o jeito aos elementos machistas da sociedade que desde sempre pretenderam limitar o papel da mulher ao de mãe e de esposa, e confiná-la à casa enquanto seu lugar natural. Com mulheres destas não são precisos machistas para nada.
Falam ainda com grande pompa e circunstância na possibilidade da mulher escolher entre carreira e maternidade e optar por uma ou por outra. Não se dão conta de que esse é exactamente o movimento que convém aos defensores das estruturas de opressão. Passo a explicar: o que interessa às mulheres é exactamente o contrário, o que importa é que cada vez mais mulheres ocupem lugares de poder, tanto no mundo da economia e da finança como no da política; essas e todas as mulheres que trabalham devem ainda exigir que os respectivos consortes partilhem realmente a mesma sorte e que também se ocupem das tarefas que até ao momento tem estado exclusivamente às costas delas. Se isso acontecer, eles irão ser os primeiros a querer mudar as regras do mundo do trabalho que, como sabemos, foi até há pouco um mundo de homens e para homens e por isso ignora completamente as novas circunstâncias.
O feminismo foi e é um movimento que apenas pretende que sejam reconhecidos às mulheres direitos que durante séculos lhes foram negados e que ainda hoje ou são ignorados ou estão longe de completo reconhecimento, mas há muito boa gente que pretende fazer passar a falsa ideia de que o feminismo é o machismo ao contrário para assim melhor o denegrir e combater; em lógica esta falácia é conhecida por falácia do espantalho e costuma resultar muito bem.
Pelos motivos acima explicados, depois de ter lido um blogue de uma anti feminista que enche a boca com liberdade de escolha, não resiti a publicar este post que ilustro com um video bem conseguido sobre o que é ser feminista:

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Um homem não chora. Ora essa ... porquê?

A partir dos conceitos de "masculino" e de "feminino" construídos para distinguir os homens das mulheres através de características oponentes e por vezes excludentes, formaram-se os conceitos de "masculinizado" e "efeminado" que operaram de modo a reforçar as identidades de género.
Se um rapaz manifestar atitudes consideradas próprias de uma rapariga é severamente punido e desencorajado sob a etiqueta de efeminado, e o mesmo no caso da rapariga. Quem não ouviu as expressões mariquinhas e maria rapaz formuladas em tom de desdém e reprovação. Mas como é bom de ver, as identidades de género foram socialmente construídas e os conceitos de masculinizado e de efeminado acabaram por servir para que cada um dos sexos desenvolvesse apenas metade das suas potencialidades o que conduziu à construção de identidades empobrecidas tanto num caso como no outro e funcionou como mecanismo repressivo.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Don' cry for me

The Sinead O'Connor, cantora irlandesa, nascida em 1966, esta bela canção e não menos notável orquestração:

terça-feira, 19 de maio de 2009

O marketing continua a apostar numa linha sexista



  1. Como o esterótipo rosa da embalagem sugere, publicita-se um chocolate para mulheres; começa aqui o equívoco, por que raio há-de um chocolate ser próprio para mulheres e não para homens.
    As imagens com que inicialmente nos deparamos estão repletas de sugestões sexuais. Mas em breve se percebe o qui pro quo. Diz-se: comer o chocolate é feio, meninas, mas não é assim tão feio, afinal o chocolate tem poucas calorias; omite-se, todavia, que a sugestão subliminar - a masturbação, não só não implica a ingestão de calorias como ainda permite que se queimem algumas e assim ficamos sem saber porque é há-de ser assim tão feio.
    No Blog onde encontrei este vídeo faz-se uma análise interessante cuja leitura sugiro.

Sexismo e política



Passados que foram muitos anos e sem sombra de ressentimento, Cherie Blair reconhece que, embora melhor colocada em termos de qualificações, foi preterida pelo marido, o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, para um cargo político, pela única e simples razão de que ele era homem e ... ela mulher.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Mas onde é que vamos parar?!



O mau gosto, a estupidez e o desaforo parecem não ter limites no mundo da publicidade. Mas onde é que vamos parar! Está na hora de boicotar produtos que se servem de recursos tão estúpidos e parolos para vender a qualquer preço.
Também pode acontecer que este video seja apenas uma piada de mau gosto. Esperemos.

Love with affection

A fada do lar




Este é um anúncio publicitário dos anos cinquenta que se limita a actualizar os princípios que, durante séculos,orientaram a "educação" das mulheres. O objectivo dessa educação era colocá-las ao "serviço" dos homens e é tão velho quanto a própria história bíblica e o mito de Adão e Eva, segundo o qual Eva teria sido criada para tornar mais agradável a vida de Adão. Ainda no século XVIII, Restif de la Bretonne preconizava que as mulheres fossem proibidas de escrever e mesmo de ler, estando assim menos distraídas e mais capazes de cumprir as tarefas domésticas. Todavia, Suart Mill, filósofo progressista do século XIX, já denunciou o papel da esposa como o de uma escrava doméstica, mas de pouco terá valido tal denúncia porque nos anos XX a escrava será reciclada como "fada do lar", capaz de fazer um café fantástico e de dar atenção a todos os pequenos e grandes desejos do seu esposo.

Também Engels em A Origem da Família, da Propriedade e do Estado denunciou a escravatura doméstica: "A família monogâmica está fundada na escravatura doméstica, explícita ou disfarçada, das mulheres e a sociedade moderna é composta de moléculas sob a forma de famílias monogâmicas. Na grande maioria dos casos, o homem tem de ganhar a vida e suportar a sua família, pelo menos entre as classes com posses. Por esse motivo, ele obtem um estatuto de superioridade que não requer nenhum privilégio legal especial."

Tudo isto nos faz pensar em como é importante que as mulheres não se deixem aliciar pelas campanhas encapotadas, que as convidam a "regressar ao lar" e a abdicar das suas carreiras profissionais e por inerência da sua indepêndencia, embora esta última parte seja normalmente escamoteada nas referidas campanhas

domingo, 17 de maio de 2009

O que pensar deste anúncio?

Este anúncio deixa-me um pouco perplexa porque explora um duplo estereótipo: o da mulher dependente, frívola e gastadora, e o do homem, suficientemente tolo para a bancar. A isto junta uma pitada de humor negro: o marido pode morrer de um ataque cardíaco ao receber a conta, mas não há razão para preocupações porque também se vende o vestido em preto.
Além de dependente, frívola e gastadora supõe pois a mulher destituída de sentimentos e apenas preocupada com as aparências: provavelmente a morte do marido não irá afectá-la, mas não deixará mesmo assim de trajar de acordo com as circunstâncias.
Em relação a este esterótipo feminino, a atitude dos homens tem sido sempre ambivalente: acarinharam-no e encorajaram-no, mas em simultâneo criticaram as mulheres por se comportarem em conformidade. Sempre as mulheres foram incitadas a não descurarem as aprências, como diz um velho ditado: à mulher de César não basta ser séria, tem de parecê-lo. Sempre as mulherers, sobretudo nas classes possidentes, foram estimuladas a dedicarem-se a frivolidades e a deixarem os assuntos mais sérios para mentes mais resistentes. Dado este contexto, só temos de reconhecer que o anúncio se limita a dar expressão visual a conceitos comuns na cultura ocidental, mas ao dar-lhes essa expressão também os reforça e torna mais poderosos e esse é o aspecto que me parece mais criticável.

sábado, 16 de maio de 2009

Baila Comigo

O canon filosófico é misógino

Poderia supor-se que a misoginia apenas atinge o comum dos mortais do sexo masculino estando os elementos mais esclarecidos, e de entre estes os filósofos, a ela imunes. Mas como disse a insuspeita Madame Necker, esposa do todo poderoso ministro das finanças de Luis XVI e mãe de Germaine, futura Madame de Stael, nem mesmo eles conseguiram resistir aos preconceitos sexistas. Indo um pouco mais longe, as autoras feministas do século XX chegaram mesmo à conclusão de que o canon filosófico é misógino.
Quando falamos em canon, logo surge a ideia de padrão e de modelo, sendo o canon filosófico o corpo de textos que se consideram exemplares da própria filosofia. Neste sentido, e entre outros, os Diálogos de Platão, A Metafísica dos Costumes de Kant, ou o Discurso do Método de Descartes, são textos canónicos.
Dizer que o canon filosófico é misógino significa dizer que em obras filosóficas consagradas encontramos textos que transmitem uma percepção da mulher como inferior ao homem tanto no plano da racionalidade como no da agência moral. Em contrapartida, os escassos textos que defendem uma concepção mais igualitária foram escritos por filósofos considerados menos importantes, logo não canónicos. Desse modo, os autores que criticam o sexismo ou foram silenciados ou foi omitida a referência á parte da obra que se refere ao tema. Por exemplo, David Hume foi até há pouco tempo, pelo menos no Continente, um filósofo pouco conhecido e apreciado e mesmo assim a parte conhecida da sua obra é a teoria do conhecimento e não a ética. Condorcet foi praticamente ignorado e só agora começa a ser estudado. Do cartesiano Poulain de la Rouge praticamente ninguém ouviu falar. De Stuart Mill poucos leram On the Subjection of Women. Marx e Engels foram lembrados pelo materialismo dialéctico e não pela crítica das estruturas opressivas da familia patriarcal. Resumindo, as poucas vozes que se ergueram em defesa das mulheres não foram ouvidas, os académicos das universidades, que estruturam os currículos e seleccionam o que se deve estudar, ignoraram-nas olimpicamente.

O facto de o canon filosofico ser misógino tem óbvias consequências. Os filosofos exprimem em termos abstractos e gerais as ideias dominantes de uma determinada época e influenciam directa ou indirectamente a percepção que as pessoas têm da realidade. Em relação ás mulheres, o discurso dos filósofos não só não pôs em causa os preconceitos existentes como ainda os reforçou, fornecendo-lhes justificações que visavam a sua racionalização. Por exemplo, no século XVIII, em flagrante contradição com a defesa da igualdade de direitos de todos os homens, filósofos como Rousseau e Kant continuavam a justificar a opressão das mulheres e sua subordinação aos homens, com base em argumentos tão frágeis como o propalado destino biológico ou a utilidade social e não se lhes pode perdoar a justificação com o argumento de que na época as coordenadas mentais eram essas porque afinal, exactamente nessa mesma época, houve outros pensadores, os tais que não ficaram no canon, que criticaram e escrutinaram esses preconceitos, ao invés de os procurarem racionalizar. Alem disso, embora se reconheça que a filosofia é filha do tempo, também se reconhece que ela pode ter a capacidade para o mudar, pois é sempre reflexo, mas não um reflexo passivo, também influencia e modifica o meio em que surge.
Para além destes efeitos perversos, a misognia do canon filosófico teve outros ignorados durante muito tempo. Queremos com isto dizer que a parte da obra de um filósofo na qual ele exprime a sua perspectiva sexista sobre as mulheres não é um fenómeno lateral e secundário, passível de ser ignorado, por ser periférico ao seu pensamento relativamente a outras matérias; o que acontece é que a sua visão sexista acaba por repercutir-se na elaboração de conceitos fundamentais do seu pensamento. Se repararmos, no pensamento filosófico ocidental imperam as visões dicotómicas da realidade expressas em conceitos que se opõem e confrontam: razao/sensibilidade; objectividade/subjectividade; cultura/natureza; forma/matéria; espírito/corpo: nestes pares dicotómicos um dos polos tende a ser valorizado em detrimento do outro e em todos eles o elemento desvalorizado aparece revestido de características que são aberta ou implicitamente atribuídas às mulheres. Em contrapartida, por exemplo, a razão não é uma categoria neutra, mas é uma característica masculina que nas mulheres, supostamente, aparece enfraquecida e reduzida nas suas potencialidades, o mesmo se passando com as outras categorias filosóficas, acima enunciadas, e estas conceptualizações forneceram o enquadramento teórico que permitiu a dominação das mulheres na cultura ocidental, justificando o seu afastamento da esfera do conhecimento e da vida activa e perpetuando a nos papéis tradicionais.
Resta ainda dizer que o canon filosófico não só transmite uma visão profundamente sexista da mulher como também exclui completamente as mulheres, considerando que ou não houve mulheres filósofas ou, se as houve, foram irrelevantes. Mesmo importantes pensadoras do século XX como Hanna Arendt ou Simone de Beauvoir continuam praticamente ignoradas pelo canon.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sexismo na publicidade

De um blog que tenho vindo a seguir: Sexismo Publicitario, nao resisto a publicar a imagem que quer vender o Master Card veiculando para tal uma mensagem sexista: algumas mulheres podem ser desinteressadas e deixar-se cativar por um gesto de carinho, amoroso ou mesmo por palavras sedutoras, mas para a maior parte, presume-se, importa acima de tudo o dinheiro. Necessita dizer mais?


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Opressão das mulheres: quando a Natureza substituiu a Teologia

A partir do século XVIII, com a secularização da sociedade e sua progressiva libertação da esfera de influência religiosa, poderia parecer que, a nível do discurso filosófico, deixariam de se utilizar argumentos religiosos para justificar a subordinação da mulher ao homem e a manutenção do status quo; e efectivamente foi isso que aconteceu. Todavia, não se conseguiram progressos significativos porque o que antes se justificava a partir da vontade divina passou a justificar-se com base na natureza, uma natureza que muito «natural» e convenientemente confinava a mulher aos papéis tradicionais e deixava inalterado o seu estatuto de menoridade intelectual e ética.

No Iluminismo, os argumentos bíblicos, com citações da Queda e do Pecado Original, foram substituídos por argumentos fundados na natureza: dizia-se que o facto de desde sempre, em todas as épocas e em todas as sociedades, se verificar a submissão das mulheres provava que essa situação, enquanto constante universal, decorria de uma lei da natureza. Desse modo, a substituição de Deus pela Natureza serviu às mil maravilhas para continuar a justificar a opressão das mulheres, sendo ainda por cima essa nova justificação dotada de uma base pretensamente científica de que os argumentos teológicos careciam. Por outro lado, os pensadores iluministas, embora enaltecessem a razão, tiveram o cuidado de dizer mais ou menos declaradamente que nesta capacidade as mulheres eram deficientes e, desta maneira, podiam alegremente defender a igualdade de direitos de todos os homens, excluindo de uma assentada metade da humanidade do usufruto desses direitos.


Toda esta história prova como a razão, aparentemente tão pura e imparcial, é capaz de nos ludibriar e até pode permitir defender o indefensável.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Uma mulher no céu

A tenente Kirsty Moore, 31, membro do pequeno grupo de dez mulheres pilotos de jacto da RAF, foi escolhida para integrar a equipa dos Red Arrows, exímia em acrobacia aérea. Os critérios de selecção são, como é de calcular, extremamente rigorosos e Moore competiu com colegas masculinos experientes.
A RAF só conta com mulheres pilotos desde 1991 e com mulheres pilotos de jacto desde 1994.
Duzentos e cinquenta anos depois, Mary Wollstonecraft teria motivos para estar orgulhosa.

Uma mulher notável

Mary Wollstonecraft foi um dos pilares do movimento feminista - que surgiu e se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos a partir dos tempos modernos. Teve uma vida tumultuada e breve, mas mesmo assim deixou sinais que a tinta da história não apagou.
Mary nasceu em 1759 na Grã- Bretanha; era a segunda de sete filhos de um pai irresponsável, alcoólico e perdulário que lançou a família na miséria; teve assim conhecimento em primeira mão e por experiência própria dos abusos que a família patriarcal permitia aos maridos, que podiam pôr e dispor dos bens que as próprias mulheres traziam para o matrimónio.
Mary viveu apenas 38 anos pois morreu em 1797 de complicações do parto da sua segunda filha, a futura escritora Mary Shelley; teve uma vida assinalada por dificuldades económicas que sempre procurou superar através de ocupações várias, desde dama de companhia e também governante em casa de famílias aristocráticas e abastadas, até fundadora e directora de uma escola para jovens raparigas, e, sobretudo, colaboradora em revistas, tradutora e escritora, num universo até então praticamente dominado em exclusivo por homens.
No plano pessoal e amoroso, uma primeira ligação com Gilbert Imlay, do qual teve uma filha ilegítima - o que à época era um terrível estigma, causou-lhe sofrimento e desespero que a levou mesmo a uma tentativa de suicídio. Posteriormente, casou com William Godwin, jornalista, escritor e teórico anarquista, quando esperava a sua segunda filha; os dois eram contrários à instituição do casamento que aprisionava as mulheres num colete de forças legal, retirando-lhes os poucos direitos que as não casadas ainda usufruíam, mas decidiram pactuar com a situação, tendo em vista preservar os interesses da filha que haveria de nascer. Embora vivessem em casas separadas, unia-os o respeito e o companheirismo; infelizmente, esta promissora união terminou com a morte prematura de Mary.
Mary Wolstonecraft escreveu vários livros, mas o mais conhecido foi A Vindication of the Rights of Woman, no qual critica a educação que na época era ministrada às jovens e reivindica direitos para as mulheres, muito especificamente o direito a acederem à verdadeira educação que as preparasse para a vida e que não se preocupasse em ministrar-lhes apenas as prendas domésticas que as tornariam boas esposas e mães de família.
M. W. critica o sexismo de Rousseau, defendendo que as mulheres como seres humanos são espiritualmente iguais aos homens, tanto do ponto de vista intelectual como quanto a capacidade moral. Duas importantes ideias que filósofos, e homens em geral, rejeitavam, reservando para as mulheres o estatuto de menoridade intelectual e moral; a rejeição dessas ideias servia ainda para justificar o tipo de educação que deveriam receber. Ora M. W. tem bem a noção de que o direito à educação será o trampolim para a emancipação, contrariando Rousseau, mas também Kant, e muitos outros, que justificavam o desigual tratamento dado às mulheres numa pretensa deficiência ou falta no domínio da racionalidade que as incapacitaria para o exercício de determinados papéis. Por isso, M. W. defende insistentemente que a mulher, tal como o homem, é um ser dotado de razão e da capacidade de se deixar determinar racionalmente e que distinções artificiais de género corrompem as relações entre homens e mulheres.

Passados duzentos e cinquenta anos após a morte de Mary Wollstonecraft, que foi a todos os títulos uma mulher notável, ainda hoje nos surpreendemos e ficamos quase incrédulas quando sabemos que na monumental e brilhante Enciclopédia (projecto de Diderot e D’Alembert) ela vêm registada na letra P (das prostitutas), um sinal de tempos em que, apesar dos progressos e das luzes da razão, a misoginia continuava no seu melhor.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Parlamento Europeu e sexismo

Já tive oportunidade de aqui referir como a Espanha, nas vésperas das eleições para o Parlamento Europeu, se preocupa em debater questões relacionadas com os problemas das mulheres, contrariamente ao que acontece no nosso país em que o silêncio é ensurdecedor relativamente ao mesmo tema. E bem preciso é esse debate porque, mesmo no Parlamento Europeu persistem sinais de sexismo, como podemos conferir lendo a entrevista da deputada Lívia Járóka de que traduzo o seguinte excerto:

Ser mulher na arena política é difícil, mas é ainda mais difícil trazer para primeiro plano questões relativas às mulheres. É difícil convencer o establishment de que é preciso que as mulheres estejam representadas nas instituições. Neste aspecto penso que de facto a política europeia é de certo modo sexista. E também porque sempre que é necessário representar questões que não são muito populares, como, por exemplo, a pobreza global, ou quando são precisos novos rostos para representar o parlamento, são sempre escolhidas mulheres, enquanto em matérias de prosperidade económica são sempre os homens que surgem frente aos eleitores.»

Resumindo: o Parlamento Europeu tende a considerar os problemas que às mulheres dizem respeito pouco importantes; a visibilidade dada a mulheres deputadas transmite uma imagem de fraqueza ou de mero ornamento.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

As armadilhas do sexismo benevolente

Condorcet e Stuart Mill já tinham alertado as mulheres para os perigos do sexismo benevolente, mas elas não aprenderam a lição, ou então ninguém as ensinou: de facto os textos em que estes autores expõem as suas ideias sobre o tema foram na prática escamoteados.

Como referi anteriormente, muitas mulheres aceitam sem dificuldade, e por vezes até encorajam, o sexismo benevolente não se apercebendo dos riscos que isso comporta em termos da luta pela construção de uma sociedade mais igualitária - que ele obviamente prejudica. Muitas mulheres não percebem que acaba por existir relação entre sexismo benevolente e sexismo hostil e que o homem que revela o primeiro está pronto a manifestar o segundo tão logo a mulher insista em afirmar os seus direitos, não se contentando apenas com a complacência masculina e com o recato do lugar que para ela ele determinou.

Há duas características do sexismo benevolente que são particularmente perigosas pelo atractivo que comportam: (1) Por um lado, o sexismo benevolente enfatiza diferenças que, pelo menos aparentemente e na opinião do homem, favorecem a mulher: esta é percebida como mais sensível, mais generosa e altruísta, com maior sentido ético. (2) Por outro, encara a mulher como um ser a reverenciar e a admirar tanto psíquica como fisicamente: a mulher, possuidora das características acima referidas, seria merecedora da admiração e do respeito do homem.
Mas podemos ver como isto pode funcionar como armadilha na qual é fácil as mulheres caírem, sem se aperceberem de que, no mínimo, estão a ser ingénuas, contentando-se com elogios hipócritas e com um simulacro de poder a que só algumas, mais manipuladoras, conseguirão dar alguma consistência.

Relativamente ao primeiro aspecto – superioridade ética, as mulheres receptivas ao sexismo benevolente deviam perguntar-se das razões que podem explicar a contradição entre a proclamada superioridade que os homens lhes atribuem e o estatuto de obediência e de submissão que paralelamente lhes exigem; já no século XIX, Stuart Mill nos alertava para essa contradição:

«Declara-se que elas (as mulheres) são melhores do que os homens; um cumprimento vazio que deveria provocar um sorriso amargo em todas as mulheres de espírito, já que na vida não existe nenhuma outra situação na qual a ordem estabelecida e considerada perfeitamente natural e adequada seja a de o melhor dever obedecer ao pior.»[1]

Relativamente ao segundo aspecto – respeito e admiração, muitas mulheres contentam-se em aceitar a admiração que os homens lhes manifestam e pensam que é suficiente exercerem sobre eles a atracção (sexual) que lhes conferirá poder, uma espécie de império sobre os homens que seria o sucedâneo dos direitos e que tornaria desnecessário lutar por um estatuto igualitário. Mas um outro pensador, Condorcet, nos fins do século XVIII, de forma irónica e subtil, mostrou como as mulheres podem ser tolas ao trocarem admiração e império pelos direitos. Era este precisamente o objectivo de Rousseau, um dos expoentes máximos do sexismo da época, que lhes recusava direitos elementares acenando-lhes em troca com o proclamado império que exerceriam sobre os homens. Escreveu Condorcet:


«Receio antagonizar as mulheres, se alguma vez lerem esta carta; porque eu falo dos seus direitos à igualdade e não do seu império sobre os homens. Podem suspeitar que eu alimente um secreto desejo de diminuir esse poder; e, depois que Rousseau ganhou a admiração das mulheres, ao declarar que elas apenas estavam destinadas a cuidar de nós e prontas a atormentar-nos, não posso esperar conseguir a sua aprovação.”[2]


Condorcet e Stuart Mill, pensadores feministas, lutaram pela igualdade de mulheres e de homens, não seguiram o caminho hipócrita de Rousseau, mas pelos vistos muitas mulheres não perceberam e não percebem ainda que estão a fazer um mau negócio ao trocarem direitos por lisonjas. Até quando continuarão equivocadas?


[1] Stuart Mill: The Subjection of Women
[2] Condorcet: Lettres d’un Bourgeois de New Haven

domingo, 10 de maio de 2009

Amor e sexo

De Glaucia Pimentel sobre Rita Lee:

«No final dos anos 60, sob forte repressão ditatorial com a vigência do AI-5 e vivendo a luta armada, o Brasil presenciou o surgimento de um movimento que buscou no humor e na irreverência munição para discutir um vasto espectro de códigos de conduta e de valores. Esse movimento foi chamado Tropicalismo. De origem baiana, o Tropicalismo desenhou uma idéia edênica de ser brasileiro, em meio às muitas influências internacionais propostas pelas revoltas de 68. Do sul,uma nova imagem de mulher foi exposta por Rita Lee, uma garota hippie-tropicalista, integrante do grupo Os Mutantes. Rita Lee projetou uma imagem que propôs formas libertárias e hedonistas para fazer frente à política, à estética, à ética, à sexualidade e às manifestações religiosas, até então aceitas.»

sábado, 9 de maio de 2009

What Happens Tomorrow



I believe that if I look hard enough
I will see that there can be enough
And I believe I can think clear enough
To conceive a place where there is enough

If not now, when? If not today, then?
What about tomorrow? What happens tomorrow?
I believe a woman can work hard and succeed
And we could be content to believe
that she could be in charge of the free
and be the president

If not now, when? If not today, then?
What happens tomorrow? What happens tomorrow?
If you become the change, you want to see you change
What happens tomorrow? What happens tomorrow?

I believe that we are all waking up from a spell
That those that profit from the fear cast so well
And good people of the earth now can tell
There is no us and them

If not now, when? If not today, then?
What happens tomorrow? What happens tomorrow?
If you become the change, you want to see you change
What happens tomorrow? What happens tomorrow?

All this love, all this choice, everyone, every voice
All of life that you see all are possibilities
As above so below to wed the sense into the soul
And this is truth, I believe, I believe, I believe

And truth is of the people, by the people, for the people
Truth is of the people, by the people, for the people
Truth is of the people, by the people, for the people
Truth is of the people, by the people, for the people

If not now, when? If not today, then?
What happens tomorrow? What happens tomorrow?
If you become the change, you want to see you change
What happens tomorrow? What happens tomorrow?

I believe, I believe, if not now
If not now, if not now, when?
What happens tomorrow, tomorrow, tomorrow?
Oh what happens tomorrow? What happens tomorrow?
Oh what happens tomorrow?
I believe, I believe, I believe, I believe

Sexismo hostil

Tendo abordado num dos últimos posts o sexismo benevolente, vou hoje referir o sexismo hostil.
O sexismo hostil (1) manifesta-se através de uma atitude paternalista dominadora; (2) salienta diferenças na mulher que, numa perspectiva competitiva, a desvalorizam (3) e percebe a mulher como manipuladora através da atracção sexual que exerce sobre o homem. Diferentemente do que ocorre com o sexismo benevolente, o sexismo hostil é abertamente rejeitado pelas mulheres.
Aparentemente estes dois tipos de sexismo são inconciliáveis e não é de supor que as características que os definem possam coexistir no mesmo indivíduo, é mesmo contra intuitivo, pois hostilidade e benevolência em relação a uma pessoa parecem excluir-se reciprocamente. Mas as coisas não se passam exactamente dessa maneira e a ambivalência é precisamente um dos factores que torna difícil a erradicação do sexismo. Apesar das diferenças, os dois tipos estão interligados e aceitar um fornece ao outro alguns justificativos, como bem observam Stephen Kilianski e Laurie Rudman:

«Ao responderem de modo positivo ao sexismo benevolente, as mulheres, inconscientemente, podem estar a apoiar nos homens crenças relacionadas com o sexismo hostil. As diferenças entre as crenças que suportam o paternalismo protector e aquelas que estão implícitas no paternalismo dominador podem ser bastante subtis, (…) os homens, ao desempenharem o papel de provedor e de protector das mulheres, podem vir a sentir-se com direito à dominância.»

Por outro lado, os estereótipos nos quais assenta o sexismo benevolente – que vêem a mulher como frágil e requerendo o cuidado masculino, podem fornecer o pretexto para afastar as mulheres de lugares de responsabilidade, acabando por desempenhar um papel na discriminação de género.

Se queremos caminhar na direcção de uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva, necessário se torna compreendermos a natureza complexa e por vezes mesmo paradoxal do sexismo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Não me amolem com o relativismo cultural

Em nome do multiculturalismo e decorrente relativismo cultural, muitas pessoas no Ocidente tendem a pactuar com práticas que ocorrem noutras culturas e que são, sem sombra de dúvida, verdadeiros atentados aos direitos das mulheres enquanto direitos humanos. Estão neste caso, a poligamia, o uso do véu e da burka e, acima de tudo, a mutilação genital feminina.
Na origem desta atitude de complacência e de aceitação encontra-se a má consciência dos ocidentais em geral e de alguns intelectuais em particular que nos anos setenta teorizaram sobre o multiculturalismo e invocaram diferenças de tradições e de culturas em seu abono. Mas já o notável Condorcet - um homem à frente do seu tempo, nos finais do século XVIII, tinha denunciado o carácter opressivo de muitas tradições e a necessidade de não as aceitarmos acriticamente.
Isto dito, é tempo de reconhecermos que tradição e bondade não são termos equivalentes e que há tradições que têm de ser erradicadas se não quisermos conviver com a selvajaria e com a barbárie. De outro modo, porque não aceitar também a prática da antropofagia ou achar muito razoável que o marido bata na esposa, se assim o entender, já que a percebe como uma menor que está sob a sua tutela?

A igualdade de género

Em Espanha, a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu destaca a luta pela igualdade de género.
E aqui? Tudo calado como de costume!? Perdendo tempo e feitio com questões bizantinas?

Carta aberta às mulheres que vivem à sombra dos homens

Simone de Beauvoir escreveu em Pour une Morale de l’Ambiguité (1947):

«Mesmo nos nossos dias, nos países do Ocidente, há muitas mulheres, de entre aquelas que não fizeram a aprendizagem da sua liberdade através do trabalho, que se abrigam à sombra dos homens; adoptam sem discussão as opiniões e os valores reconhecidos pelos seus maridos ou amantes, e isso permite-lhes desenvolver qualidades infantis interditas aos adultos porque repousam sobre um sentimento de irresponsabilidade. Se aquilo que se designa de futilidade feminina tem por vezes tanta graça e encanto, se por vezes possui mesmo um carácter comovente de autenticidade, é porque, assim como nos jogos infantis, ela manifesta um gosto gratuito pela existência, ela é a ausência do sério. O inconveniente é que, em muitos destes casos, essa despreocupação, essa alegria, essas invenções encantadoras implicam uma cumplicidade profunda com o mundo dos homens que tão graciosamente parecem contestar, e é com alguma contrariedade que nos espantamos ao ver, assim que o edifício que as abriga parece estar em perigo, as mulheres sensíveis, ingénuas, superficiais mostrarem-se mais agrestes, mais duras, mesmo mais furiosas ou mais cruéis que os seus senhores. Então descobrimos qual é a diferença que as distingue de uma verdadeira criança: à criança a situação é-lhe imposta, enquanto a mulher (entendo a mulher ocidental dos nossos dias) escolheu-a ou pelo menos deu-lhe o seu consentimento. A ignorância, o erro são factos tão inelutáveis como os muros de uma prisão (…) Mas, assim que uma libertação surge como possível, não explorar essa possibilidade é uma demissão da liberdade, demissão que implica má fé e que é uma falta positiva.»

Beauvoir está aqui a referir as mulheres cujos objectivos se centraram na esfera da vida pessoal e que escolheram ou consentiram viver à sombra dos homens; está a atingir um número muito significativo de mulheres da época, mas ainda hoje temos de reconhecer que esse universo é muito vasto. Essas mulheres tendem a partilhar acriticamente as opiniões e os valores dos homens e foi exactamente esta presunção que, mesmo quando, nos fins do século XVIII, o direito de voto foi concedido aos homens, justificou a recusa do mesmo às mulheres com o argumento de que o chefe da família já representava os seus interesses.
A mulher que vive e aceita esta situação de dependência desenvolve e muitas vezes cultiva atitudes infantis que pretensamente a tornam mais encantadora: a ingenuidade, volubilidade e uma certa futilidade são-lhe perdoadas, diria mesmo encorajadas, pois conducentes à cumplicidade com os homens, seus senhores e amantes. Por isso é que, essas mesmas mulheres, assim que o mundo masculino, em que tão bem se integram, parece correr risco, se arvoram nas suas mais extremosas defensoras. Isto pode explicar, penso, o facto de tantas mulheres encararem o feminismo com reservas, havendo muitas, sobretudo das classes privilegiadas que se lhe opõem abertamente.

Estas mulheres, que se poderiam libertar, mas não fazem qualquer tentativa nesse sentido, que se demitem da sua liberdade, são, na opinião de Beauvoir, e eu assino por baixo, pessoas de má fé e incorrem numa conduta verdadeiramente imoral pois cometem uma falta positiva.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Sexismo benevolente

O sexismo perpassa toda a nossa sociedade e assume formas diversas que vão desde o sexismo benevolente até ao sexismo hostil já próximo da misoginia. Vou hoje escrever sobre o sexismo benevolente.

O sexismo benevolente apresenta três importantes características:

(1) Manifesta-se através de uma atitude paternalista protectora: a mulher é percebida como o sexo fraco que requer a atenção e o cuidado do homem.

(2) Enfatiza diferenças que, pelo menos aparentemente e na opinião do homem, favorecem a mulher: esta é percebida como mais sensível, mais generosa e altruísta, com maior sentido ético.

(3) Encara a mulher como um ser a reverenciar e a admirar: a mulher, possuidora das características atrás referidas, merece respeito e até veneração por parte do homem.


Dadas estas características, o sexismo benevolente parece favorável à mulher e de facto, muitas mulheres aceitam-no e encorajam-no, sendo por isso muito difícil lutar contra ele e erradicá-lo. Quem não aprecia atitudes cavalheirescas? Quem não gosta de ser admirada?

No longo prazo, todavia, o sexismo benevolente tem um preço e acaba por revelar efeitos perniciosos. Um desses efeitos tem a ver com o estereótipo da mulher dotada de superioridade ética, sensível e altruísta, capaz de se sacrificar pela família e particularmente pelos filhos; ora este estereótipo acaba por ser punitivo para as mulheres que eventualmente podem nele não se reconhecer enquanto obriga as restantes a sacrifícios que porventura não são legitimáveis na medida em que prejudicam a realização da mulher como ser humano. Por outro lado, aceitar o sexismo benevolente implica defender um igualitarismo equívoco que não convém às mulheres pois acaba por as prejudicar: admitem que são diferentes apenas quando lhes convém, desaprovam a desigualdade quando lhes é desvantajosa, o que coloca em risco a própria igualdade.

Que tipo de mulheres apreciam o sexismo benevolente?

As mulheres favoráveis ao sexismo benevolente (1) têm objectivos de vida tradicionais: casar, ter filhos, manter uma família, isto é, continuam a entender que a sua esfera de influência está circunscrita ao privado e ao doméstico. (2) As suas perspectivas são conservadoras, e apresentam um perfil cognitivo que as leva a entender as diferenças entre homens e mulheres como naturais e biologicamente determinadas. (3) Percebem a realidade como estável e independente do indivíduo e do seu comportamento, o que explica o seu pouco interesse na mudança social.
Realmente, se uma mulher quer limitar a sua vida à esfera privada da família, em princípio tem de contar com o homem para prover às suas necessidades, tem de aceitar a figura masculina como paternalista e protectora; por outro lado, se considerar que as diferenças que a separam do homem são sobretudo biológicas tenderá a aceitá-las com alguma passividade pois sentirá que nada ou pouco pode fazer para as eliminar, daqui decorrerá a sua receptividade ao sexismo benevolente.

Mas o sexismo, benevolente ou não, é sempre sexismo e pode uma mulher consciente e lúcida conviver pacificamente com ele?

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Sexismo e perfis masculinos

Utilizando dados incluídos em Wanting it Both Ways: Do Women Approve of Benevolent Sexism? De Stephen Kilianski e Laurie Rudman, vou elencar características de três tipos de perfis psicológicos, convidando o leitor a decidir qual o que lhe corresponde:

Perfil do sexista hostil

Acredita que as mulheres:

· Dizem lutar pela igualdade, mas o que querem é obter vantagem sobre os homens;
· Fazem exigências pouco razoáveis aos homens que estão sempre «presos por ter cão e presos por não ter»;
· São excessivamente susceptíveis e não têm sentido de humor;
· Gostam de provocar os homens … e depois fingem-se ofendidas;
· São manipuladoras.

Perfil do sexista benevolente

Considera que:

· A vida de um homem, por mais bem sucedido que este seja, está sempre incompleta sem o amor de uma mulher;
· Na relação conjugal, a mulher é objecto de adoração;
· As mulheres têm um sentido ético e estético superior;
· As mulheres devem ter um tratamento de deferência, nomeadamente em situações de catástrofes e emergências;
· O homem deve prover às necessidades da mulher (esposa/companheira).

Perfil do não sexista

Considera que:

· As mulheres apenas querem igualdade e não serem discriminadas;
· Nenhum dos sexos é superior ao outro no que toca a sensibilidade moral ou estética;
· O amor de uma mulher pode ser importante, mas não é indispensável à vida de um homem;
· Em geral as mulheres não querem controlar ou reprimir os homens com os quais partilham a relação;
· As mulheres não procuram excitar os homens para em seguida «gozarem» com a sua (deles) frustração.

Escolha o chapéu que lhe serve

Pérolas de misoginia

Dou hoje a palavra a Hegel que fornece mais um argumento às autoras feministas que subscrevem a tese de que o canon filosófico é misógino:

«As mulheres são susceptíveis de ser educadas, mas não são feitas para actividades que exigem uma faculdade universal como as ciências mais avançadas, a filosofia e certas formas de criação artística … As mulheres regulam as suas acções não por exigências de universalidade, mas por opiniões e inclinações arbitrárias.»[1]

Repare-se no tom condescendente: as mulheres não são destituídas de todo, até podem ser educadas, mas há domínios - os domínios mais nobres da cultura humana, que lhes estão completamente vedados. Estruturalmente não são capazes de agir segundo princípios racionais (aqui Hegel concorda em absoluto com Kant) e os motivos das suas acções são arbitrários, isto é, são movidas por caprichos.

Será preciso dizer mais??

[1] Hegel: The Philosophy of Right

terça-feira, 5 de maio de 2009

Poesia no feminino

Carol Ann Duffy (1955-) escocesa, eleita poetiza laureada no último dia 1 de Maio, aceitou a honraria a fim de que as mulheres estivessem finalmente representadas numa Academia dominada exclusivamente por homens nos últimos quatro séculos.
O prémio, no valor de 5750 libras, será doado à Poetry Society para a fundação de um novo prémio literário.
De entre a sua vasta obra, destacamos a colecção de poemas «World’s Wife» na qual dá voz às esposas, namoradas e irmãs de várias personagens masculinas famosas, quer no plano histórico quer no mítico.

Porque é que este anúncio é sexista?

Sabemos que o sexismo está implícito em muitos anúncios publicitários, como aqui podemos observar.
Porque é que este anúncio é sexista?

Fica o desafio esperando a V. resposta nos comentários.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Duplo padrão e «mulheres más»

O princípio do duplo padrão de conduta criminaliza na mulher aquilo que admite no homem, ou seja a infidelidade conjugal. Este princípio ou costume, como queiramos chamar-lhe, é tão velho quanto a sociedade patriarcal e até mesmo os filósofos do século XVIII, no período das Luzes, procuraram encontrar para ele uma justificação racional. O próprio David Hume reconheceu que a virtude da castidade e o correspondente comportamento de fidelidade exigível nas mulheres era desculpável nos homens. Só que Hume e todos os que o antecederam e lhe sucederam não tiraram todas as consequências da admissão do princípio, a mais óbvia das quais é que para ser posto em prática requer a existência de uma reserva considerável de «mulheres más», pois para «dançar a valsa» continuam a ser precisos dois e os homens só podem ser infiéis com outras mulheres, a menos que adoptem a prática grega da homossexualidade, mas esta está longe de satisfazer todos.
Deste modo se percebe porque é que a prostituição, repudiada em teoria e nos termos de uma moral hipócrita, acabou por ser vista como um mal necessário. Mas não deixa de ser curioso que a culpa desse mal seja toda atribuída à mulher, não há vislumbre da mínima recriminação a respeito do homem que dela se serve. A este título o pronunciamento dos doutores da Igreja é espantoso, vejamos o que dizem Agostinho e Tomás de Aquino, respectivamente:

«O que é que pode ser mais sórdido, mais desprovido de modéstia, mais vergonhoso do que prostitutas, bordeis e todos os outros males deste tipo?! Todavia, remove a prostituição dos assuntos humanos e poluirás todas as coisas com luxúria, estabelece-a entre as matronas honestas e desonrarás todas as coisas com desgraça e torpeza.»
«A prostituição no mundo é como a imundície no mar ou o esgoto num palácio. Retira o esgoto e encherás o palácio com poluição; o mesmo acontecerá com a imundície do mar. Afasta as prostitutas do mundo e irás enchê-lo de sodomia…»

Os dois convergem em considerar a prostituição como indispensável para evitar um mal maior. Falam em poluição, mas omitem «sensatamente» o autêntico poluidor. Esquecem ainda que do lote das prostitutas fazem normalmente parte as mulheres mais pobres e desfavorecidas da sociedade que esta empurra, através de vicissitudes de vária ordem, para essa degradante situação. Num caso e no outro a prostituição é vista como um mal necessário, o que não deixa de ser curioso, mas a culpa desse mal parece ser toda atribuída à mulher, não há vislumbre da mínima recriminação a respeito do homem que dela se serve. Mesmo aqueles governantes que tentaram proibir a prostituição só previram sanções para as prostitutas que iam desde chibatadas e expulsão até à condenação à morte.

Tão difícil é mudar as mentalidades que, ainda hoje, se consultarmos um simples dicionário, vemos que a prostituição é definida como o trabalho que a prostituta exerce com total ausência de referência àquele que usufrui desse trabalho o que mostra bem a unilateralidade e o enviezamento com que o tema é abordado; somente em países mais evoluídos da Europa, como por exemplo a Suécia, é que o homem é penalizado por um comportamento que aí se considera negativamente, o que de qualquer modo já constitui uma esperança de que qualquer coisa começa a mudar.

domingo, 3 de maio de 2009

Diferentes tipos de feminismo

Quando falamos em feminismo, temos de levar em linha de conta a existência de diferentes tipos: O feminismo liberal; o feminismo materialista e o feminismo radical.




O feminismo liberal foi o feminismo da primeira vaga e teve como representantes mais conhecidas Mary Wollstonecraft (1759-1797) autora de Vindications of Rights of Woman e Virgínia Woolf (1882-1941) autora de A Room of One’s Own (1929). Neste período, aceita-se o determinismo biológico que distinguiria homens de mulheres, mas reivindica-se igualdade de direitos, nomeadamente o direito de voto e de representação política, julgando-se que serão suficientes reformas políticas para resolver os problemas que afectam as mulheres. Todavia, convém dizer-se que Virgínia Woolf já teve a percepção de que o problema estava também ligado à ausência de poder económico das mulheres, que condicionava a sua situação de dependência e submissão.


O feminismo materialista, ligado aos nomes de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), diverge do feminismo liberal porque considera que o género é acima de tudo uma construção social e não um determinismo biológico e como tal não é uma categoria que corresponda a uma realidade imutável. As ideias dos dois pensadores sobre a matéria encontram-se dispersas, mas foi Engels que na «Origem da Família, da Propriedade e do Estado» lhes deu uma forma mais sistemática. Mas para Engels a opressão básica é a de classe e não a das mulheres, partindo do princípio de que se se criarem condições para pôr termo à opressão de classe também se verificará a emancipação da mulher. Engels denuncia a fraude que é a família monogâmica pois esta só é monogâmica para as mulheres às quais se exige fidelidade absoluta como garantia de que a herança do património familiar segue de pai para filhos. Simone de Beauvoir (1908-1986) escrevendo em 1949 o Segundo Sexo assume uma postura não essencialista próxima do feminismo materialista.


O feminismo radical dos anos sessenta é também essencialista quanto às diferenças entre homens e mulheres, mas, diferentemente do feminismo liberal, considera insuficientes as reformas políticas que visem uma maior participação das mulheres e preconiza que só a abolição das estruturas opressivas da sociedade patriarcal pode levar à verdadeira emancipação e ao estabelecimento da igualdade relativamente aos homens.

sábado, 2 de maio de 2009

Porque é que eu nunca ouvi falar em Lilith?

Uma antiga lenda hebraica conta que a primeira esposa de Adão não teria sido Eva mas uma outra personagem, de nome Lilith. Adão e Lilith, ambos criados por Deus a partir da terra, não se entenderiam muito bem, pois a mulher reivindicava constantemente igualdade de tratamento ao seu intransigente marido.
Tão frequentes se tornaram as brigas que Lilith decidiu fugir abandonando Adão. Face a esse incidente, Deus enviou três anjos para a persuadirem a regressar com a ameaça de que se não obedecesse morreriam cem crianças em cada dia. Mas Lilith não se deixou convencer e acabou transformada no símbolo da mulher malvada que provocava esterilidade e outras misérias quejandas.
Pôr termo à servidão a que Adão a queria condenar parece ter sido o único crime de Lilith, mas tal bastou para que uma legião de rabis a tivesse diabolizado e transformado num autêntico monstro.

Quando procurava informação sobre Lilith encontrei o site «The Restored Church of God» com esta espantosa afirmação: «Não há autoridade ou validade na ideia de que Adão teve uma esposa anterior à criação de Eva. Lilith é uma lenda rabínica com raízes na demonologia medieval. A Bíblia é a fonte de autoridade e declara firmemente que Eva foi a “primeira mulher” de Adão.»

É caso para perguntar: Lilith é uma personagem lendária, e Eva e Adão o que são?

De qualquer modo, agora já percebi porque nunca ouvi falar em Lilith.

Este vídeo adensa ainda mais o mistério sobre Lilith, personagem multifacetada e inquietante:


sexta-feira, 1 de maio de 2009

A mulher e a categoria do «outro»

Ruth Benedict, antropóloga social, autora de Patterns of Culture (1934), explicou com clareza como a categoria do «outro» surge enquanto pólo - perverso é certo, aparentemente necessário à afirmação de qualquer grupo social:

“O homem primitivo nunca considerou o mundo nem viu a Humanidade como se fosse um grupo, nem fez causa comum com a sua espécie. Desde o início foi o habitante de uma província que se isolou por meio de altas barreiras. Quer se tratasse de escolher mulher ou de cortar uma cabeça, a primeira distinção que fazia, e a mais importante, era entre o seu próprio grupo humano e os de fora do grémio. O seu grupo e todos os seus modos de comportamento eram únicos.”

Assim, o primeiro impulso de qualquer grupo social é o de destruir, exterminar o outro. E o outro é o que é diferente, considerado obviamente inferior; pode transformar-se com facilidade em bode expiatório ao qual se vai atribuir tudo o que de mal acontece. O outro ajuda à construção da identidade do grupo e é factor de coesão social.
Ora na relação estabelecida desde o início entre o homem e a mulher, verifica-se que esta funcionou também como o outro dentro do próprio grupo social. À custa desse outro, que era a mulher, o homem pôde construir e consolidar a sua própria identidade. Mas neste específico caso, o impulso de extermínio não poderia ser inteira e cabalmente satisfeito pois, se o fosse, conduziria à extinção da espécie, daí que os homens se tenham limitado, em termos gerais, a diminuir a mulher enquanto pessoa, impedindo a sua realização; ou, numa tentativa de suavizar o golpe, limitando essa realização a uma função biológica - a maternidade, que em dado momento procuraram mesmo idealizar e até sacralizar.
Todavia, não satisfeitos com essa limitação, houve sempre um grupo de mulheres que, simbolizando o mal absoluto, foram perseguidas e aceites apenas marginalmente ou mesmo exterminadas, estamos a falar das prostitutas, por um lado, e das bruxas da Idade Média, por outro, às quais foi aplicada com todo o zelo e eficiência uma espécie de «solução final».
É certo que todo este processo esteve longe de ser consciente, programado ou planejado, mas nem por isso deixou de ser menos deletério.
Compreender por que é que as mulheres aceitaram este papel que a sociedade dominada pelos homens lhes prescreveu não é tarefa fácil. Mas provavelmente não tiveram outro recurso: menos fortes do que os homens em termos físicos; sobrecarregadas com uma função reprodutiva sobre a qual não detinham qualquer controlo; condicionadas por um processo de aculturação que tudo fazia para as remeter para o seu «lugar natural» a que as religiões patriarcais conferiam um estatuto imutável e desejável; diminuídas moralmente com a interiorização do sentimento de culpa pelos males de que humanidade sofria, constituíam o objecto privilegiado sobre o qual se podia abater a vontade de poder do mais forte e acabaram por fornecer o modelo de todas as outras formas de opressão.
Hoje, com alterações profundas no modo de viver da humanidade, começa a ser possível desmontar estas questões e implementar um processo de libertação que, mesmo no mundo ocidental, se encontra muito longe de concluído.