Populismo – o segredo do seu sucesso
Muitas pessoas,
atrever-me-ia a falar na maioria, mesmo quando têm certo grau de educação
académica, carecem de educação política; não estão habituadas a refletir em
termos de política e quando se aventuram no campo não conseguem afastar-se do mais
básico senso comum.
Claro que quanto mais
toscas forem mais vulneráveis serão às mensagens populistas; todavia, é um erro
pensar que as pessoas são populistas porque são ignorantes; bem ao contrário,
podem ser cultas, ler livros, frequentar espetáculos, etc. tal não constitui
vacina ou impedimento. Vemos este fenómeno na televisão, nos jornais, etc. e
não é só porque os jornalistas são ‘a voz do dono’, é porque não foram habituados
a pensar criticamente em política, desse modo, propendem a uma visão heroica da
história, tem dificuldade em pensar em termos de geopolítica e não sinalizam as
reais causas dos eventos. Se isto se
passa com os profissionais da comunicação social, imaginemos o que ocorrerá com
os auditórios a que se dirigem.
Mais especificamente, julgo
que a maior dificuldade para se entenderem os fenómenos políticos reside no
facto de a grande maioria das pessoas, mesmo cultas, não dominarem os conceitos
de sistema e de estrutura e tão pouco terem uma visão dialética do processo
histórico; filosoficamente ainda se encontram, se assim podemos dizer, na fase designada
de ‘metafisica’, que conduz a uma perceção da realidade como se esta fosse constituída
por partes diferentes, separadas umas das outras; daí a grande dificuldade em
perceberem, por exemplo, que as coisas podem correr mal não porque a ou b
desejem o mal, mas pura e simplesmente porque a lógica do processo em que a
ou b se encontram inseridos leva a que corram mal. Isto acontece porque
as pessoas também não percebem que assim como o mundo dos fenómenos naturais é
regido pelo determinismo, o mesmo acontece no mundo dos fenómenos sociais e históricos
e que postas certas circunstâncias dar-se-ão necessariamente determinados
efeitos; para que tal não acontecesse seria requerido intervir a nível da
cadeia causal. Assim, enquanto não se entender a noção de sistema e como este
funciona a nível da vida social, enquanto não se perceber que o determinismo é
a regra do jogo, não se consegue alterar o jogo. Não há boas vontades que
resistam, o voluntarismo e as boas intenções não passam disso mesmo, são
irrelevantes para modificar o curso dos acontecimentos.
Daqui decorre que a vilã
da história, a grande responsável pela adesão às teses populistas, é a falta de
literacia política; as pessoas, não percebendo o que se está a passar, não
identificando corretamente as causas dos eventos que as perturbam e prejudicam,
aceitam as explicações simples e fáceis que o populismo lhes oferece. Podemos
citar alguns casos mais flagrantes:
Por exemplo, a partir
sobretudo da instauração do neoliberalismo, a pequena burguesia, constituída
por proprietários de pequenos negócios e micro empresas, viu-se engolida pelas
grandes empresas capitalistas, e então julga que o voto em partidos populistas
vai servir para alguma coisa; não percebe que a culpa do seu fracasso não é da
democracia liberal, mas do sistema capitalista que tem uma lógica interna
potenciadora desse efeito, e, mais, não percebe que o populismo não só não
ataca nem vai atacar o sistema como o vai fortalecer porque vai tornar mais
difícil qualquer veleidade de resistência, dada a sua feição autoritária e
violenta, o seu apreço peça autoridade e pela ordem.
Algo semelhante acontece com a classe
trabalhadora que, despojada progressivamente de representação sindical, se
percebe vítima da globalização e adere aos nacionalismos e a valores mais
paroquiais, sem compreender que as causas da globalização com a deslocalização
das empresas decorrem de um fenómeno tipicamente capitalista centrado na
procura do maior lucro possível e na acumulação capitalista obtida, no caso,
pelo baixo valor do custo do trabalho, não regulado e sujeito à lei da oferta e
da procura.
Vejamos agora, para além da
iliteracia política, que é uma espécie de pano de fundo, outros fatores mais
específicos do sucesso dos movimentos populistas, começando por realçar que não
há um fator isolado e único que o explique, mas vários, coadjuvantes, que
preparam a ‘tempestade perfeita’. De
entre esses fatores identifico e destaco:
·
O
ressentimento das pessoas relativamente às democracias liberais;
·
A
dificuldade/incapacidade de se mobilizar uma luta credível contra o projeto
democrático liberal capitalista;
·
Os
novos media digitais e a sua potencialidade de divulgação e ampliação
das mensagens populistas.
·
A
conivência do capitalismo para com o populismo.
_ Muitas pessoas não se percebem
verdadeiramente representadas pelas democracias liberais e, se pararmos um
pouco para pensar, temos de reconhecer que essa perceção é correta dado que o
processo eleitoral tal como está estruturado permite o acesso ao poder fundamentalmente
aos representantes da burguesia, não do povo, e permite que a classe dominante se
perpetue no poder, por isso são os interesses desta, não os do povo, que vão ser
acautelados. A democracia promete igualdade politica, liberdade individual e
representatividade politica, mas o que se constata é que tanto a igualdade como
a liberdade são meramente formais e a representatividade falha o alvo, de onde
decorre o entendimento, mais ou menos claro, de que a democracia não cumpriu o
que prometera; dai a frustração, o ressentimento e o ódio de estimação aos
políticos, sem se perceber que tal acontece porque numa sociedade de classes
que tem de conviver com um sistema económico capitalista não há lugar para a
democracia de facto, porque afinal a democracia liberal é liberal, mas não é
democracia.
_
A defesa liberal do individualismo preparou o terreno para o desmonte
que a cultura neoliberal fez das estruturas de resistência, nomeadamente da
luta sindical, as pessoas encontram-se politicamente isoladas e impreparadas
para contestar o que a cultura dominante lhes ‘vende’, e por isso mostram-se
recetivas às mensagens populistas. Por outro lado, essa tarefa é facilitada pelo
facto de não se apresentar nenhuma outra alternativa viável no horizonte dos
possíveis dado a ideologia politica que se lhe opõe – o socialismo – ter
perdido credibilidade com a queda da união soviética , que a esquerda nunca
procurou explicar, metendo como que a cabeça na areia; daí poder dizer-se que
há falta de comparência à luta por parte da esquerda política o que só pode
ajudar na passagem da mensagem neoliberal e, no caso que estamos a apreciar, de
propostas populistas .
_ Um outro fator, de
enorme importância, que pode explicar o sucesso dos movimentos populistas
reside no facto dos novos media, os media digitais, centrados nas redes
sociais, serem o veículo adequado à mensagem da extrema direita e à sua
divulgação e mobilização para a ação. Ora, a esquerda não consegue ser competitiva
neste campo, por razoes de vária ordem.
A esquerda, grosso modo,
e passe a generalização, desprezou inicialmente e durante bom tempo os novos media,
o que não deixa de ser intrigante porque, não tendo acesso aos media tradicionais,
que também genericamente falando se encontram nas mãos do capital, deveria ter
estado atenta às potencialidades democráticas deste novo instrumento de
comunicação social. Todavia, fez mesmo gala em mostrar uma espécie de
superioridade moral e intelectual afastando-se dele, já que recusa recorrer à
violência verbal, à retórica demagógica,
ao insulto puro e duro, à ameaça física, etc., táticas de combate que campeiam
nas redes sociais, Por outro lado, este
novo tipo de media ‘impõe’ mensagens curtas e imediatamente recebidas e
respondidas que não dão espaço a que se construa uma argumentação e se derrotem
verdades do senso comum, o que para a extrema direita é ouro sobre azul, mas,
para a esquerda, desastroso. O populismo não argumenta, recorre à retórica como
estratégia persuasiva e por isso tem tanto sucesso porque transmite a mensagem
sob uma forma pregnante que entra bem no ouvido que se fixa facilmente, e do
ponto de vista intelectual evita a complexidade – geradora de perturbação e
perplexidade - porque põe tudo a preto e branco: ou é isto ou é aquilo.
_
Por último, mas não menos importante, para explicar o sucesso do
populismo está o facto de este contar com a cumplicidade tácita dos setores da direita
e mesmo do chamado centro esquerda e isto acontece porque afinal o populismo
não coloca em risco o sistema capitalista, bem pelo contrário. O populismo assume a defesa do liberalismo
económico, a famosa liberdade dos mercados – trave mestra do capitalismo -, que
é a liberdade de a classe dominante decidir da vida económica de um país, base
que condiciona outros patamares da vida social. É certo que politicamente, o
populismo defende o nacionalismo, o que em certa medida parece entrar em
contradição com a liberdade económica; é certo que em matéria de costumes é
mesmo reacionário, colocando em risco as tão apregoadas liberdades individuais
das democracia liberais capitalistas, mas a casa não vem abaixo por isso e se
for preciso fazer sacrifícios para a manter, paciência - vão-se os anéis,
fiquem os dedos.
Glossário retórico:
Populismo e capitalismo são farinha do
mesmo saco.
O problema não é com a democracia; é
com o capitalismo, estúpido!
O populismo aposta na iliteracia
politica.