sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mulheres e criação artística

Para Camille Paglia, antifeminista contemporânea norte-americana, a produção cultural e a criação artística são prerrogativa masculina, são o símbolo de uma sexualidade agressiva e isso explica por que razão o número de mulheres que se tem destacado nestes domínios é irrisório com a consequente assunção de que essas mesmas mulheres seriam de alguma maneira pouco femininas porque a natureza feminina teria implicações completamente diferentes.

A tese de Camille Paglia repousa num determinismo biológico incompatível com um programa feminista progressista que vise o progresso no sentido de uma maior igualdade de oportunidades entre os sexos e se as coisas se passassem naturalmente dessa maneira, então o melhor seria desistir. Todavia, o que esta e outras explicações essencialistas têm em comum é que os factos que elas explicam podem ser explicados de maneira completamente diferente, isto é, há explicações concorrentes, porventura bem mais plausíveis. O que é facto é que as mulheres foram marginalizadas do domínio da criação artística como o foram de outras esferas de poder e tal marginalização não teve a ver com motivos de natureza biológica mas tão somente com a preocupação de as afastar de qualquer esfera da ação humana que lhes garantisse independência e desenvolvimento. Os exemplos são tantos e tão variados que dificilmente se pode negar esta afirmação; mesmo recentemente conhecemos casos de mulheres praticamente impedidas de desenvolverem os seus talentos por razões de imposição social e cultural e remetidas para a esfera doméstica de serviço à família, maridos e filhos incluídos.

Em reforço desta explicação há o facto de pelo menos a partir de certa altura, séculos XVIII e XIX, terem começado a surgir grandes escritoras (embora muitas usassem pseudónimos masculinos) enquanto as mulheres continuavam ausentes nos domínios da pintura, escultura, música ou arquitetura. Como explicar esta diferença a não ser pelo facto da escrita se poder processar no remanso do lar, na esfera da vida privada onde as mulheres encontravam obstáculos superáveis, enquanto os outros domínios artísticos implicavam incursão na esfera pública que lhes estava vedada?

Como poderia a sociedade encarar uma pintora que, como era frequente com os pintores, utilizasse modelos nus e frequentasse as academias e o convívio com os colegas masculinos? Ou como poderia uma mulher aprender a arte da arquitetura, dirigir os operários de uma obra, negociar com os proprietários, etc. etc?

A divisão social do trabalho sempre tem desfavorecido as mulheres no sentido destas poderem dar vazão à sua criatividade. Resta ainda dizer que os modelos que ainda hoje são propostos às meninas e mulheres continuam a procurar distraí-las de outro tipo de realizações que não sejam as ligadas aos tradicionais papéis femininos. Portanto, não surpreende que haja tão poucas mulheres nos campos da criação artística, o que surpreende é que ainda apareçam algumas.

6 comentários:

  1. Oi Adília,

    Quanto tempo! Mas sempre que dá venho visitar a leva de blogs preciosos e o seu definitivamente é um deles.

    "O que é facto é que as mulheres foram marginalizadas do domínio da criação artística como o foram de outras esferas de poder e tal marginalização não teve a ver com motivos de natureza biológica mas tão somente com a preocupação de as afastar de qualquer esfera da ação humana que lhes garantisse independência e desenvolvimento. Os exemplos são tantos e tão variados que dificilmente se pode negar esta afirmação; mesmo recentemente conhecemos casos de mulheres praticamente impedidas de desenvolverem os seus talentos por razões de imposição social e cultural e remetidas para a esfera doméstica de serviço à família, maridos e filhos incluídos."

    Posso "roubar" e colocar esse trecho no meu blog indicando a leitura do seu texto (citando autora e link, é claro)?

    Um beijo,

    Nicole

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  2. He estado pensando qué decir, pero es que no tengo nada que amplicar. Ya lo has dicho todo tú, y muy bien.

    Buena entrada, Adilia. Siempre es un gusto pasarse por aquí.

    Besos.

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  3. Eu tb vou "roubar" aqui uma passagem para o meu.

    david.

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  4. O texto é perfeito e me fez lembrar de uma ilustre compositora brasileira - Chiquinha Gonzaga. Entre tantos feitos, Chiquinha foi a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Apesar de ter recebido seu merecido reconhecimento ela era considerada um escândalo para a sociedade aristocrata e patriarcal brasileira do final do séc. XIX e início do séc.XX. Para fazer carreira ela abriu mao de muitas coisas, sofreu muita discriminacao e todo o escracho público destinado a "mulheres como ela".
    Isso me faz pensar quantas Chiquinhas nao ficaram pelo caminho. Quantas mulheres nao foram sumariamente apagadas da história e das artes e quanto patrimôno cultural nao se perdeu devido a esses determinismo biológicos.

    Fran

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  5. E a Frida Kahlo?????? Não era feminina.?? Há com cada um....

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  6. Caras amigas e amigos, obrigada pelos comentários, particularmente à Nicole e ao David, encantada por citarem e publicitarem o texto nos seus blogs.
    Bjs, Adília

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