Susan J. Douglas, no livro Enlightened Sexism: The Seductive Message that Feminism's Work is Done chama a nossa atenção para um fenómeno que ocorre quotidianamente diante dos nossos olhos, mas que porventura passa desapercebido à maioria. A esse fenómeno chama “Enlightened Sexism” – sexismo esclarecido.
Susan J. Douglas interpreta este fenómeno como uma resposta ao que é percebido como a ameaça de um novo regime de género. Nesse contexto, a mensagem do sexismo esclarecido, passada à saciedade pelos media de informação e de entretenimento, bem como pela moda e pela publicidade, é a de que estamos numa era pos-feminista pois a igualdade e a emancipação das mulheres já são uma realidade e por isso não há qualquer problema em trazer de volta os estereótipos sexistas, enquadrados no velho e antiquíssimo paradigma do eterno feminino.
A mensagem que se vende é a de que explorar rostos, corpos, atavios e sexualidade dá as mulheres verdadeiro poder sobre os homens e ainda por cima é um poder que eles não ressentem, antes apreciam. Ser poderosa não é ter independência económica, não é realizar-se profissionalmente, não é ter capacidade de decisão e de intervenção na esfera pública, mas sim ter aquilo que as mulheres sempre tiveram: capacidade e dotes para explorar a sua aparência física e dela tirar dividendos. Assim sendo nem sequer se percebe para que foi preciso o feminismo, mas ninguém se lembra de tirar esta conclusão tão óbvia.
As adolescentes e as mulheres jovens são o alvo privilegiado desta forma sofisticada de sexismo porque são as mais vulneráveis e no imediato as que tem mais condições de tirar dele algum partido. Gastarem a sua energia para agradarem aos homens, competirem com as outras mulheres e consumirem os produtos que as vão tornar irresistíveis é o programa e o plano de vida.
O sexismo sofisticado veste as roupagens do feminismo; as mulheres agora podem escolher e se quiserem escolher ser objetos sexuais o problema é delas e ninguém tem nada com isso. Mas a intenção não declarada é a de desfazer os estragos que o feminismo fez, lembrando constantemente às mulheres e às jovens que o importante é serem femininas e não tentarem ser iguais aos homens. Ser feminina é preocupar-se com a aparência, preocupar-se em agradar, rivalizar com as outras mulheres e considerar secundária a carreira profissional e o investimento pessoal em outra coisa que não sejam cosméticos, cirúrgias estéticas e outros atavios. E neste embróglio as jovens não percebem que apenas se lhes está a dar a oportunidade de serem aquilo que as suas avós foram e que despertou em algumas o desejo e a luta pela mudança.
Para além da valorização da aparência, mostrar às mulheres a importância do seu ‘destino biológico’ é outro trunfo que o sexismo sofisticado utiliza com extrema habilidade. Mais uma vez se esquece que esse sempre foi o modelo da “verdadeira mulher”, já no período da luta pelo sufrágio feminino. Temos assim que mamas de silicone, dietas e preocupação obsessiva com as crianças e a maternidade compõem hoje a receita do sexismo sofisticado a ministrar às jovens mulheres. Com tal dieta a sociedade pode descansar pois não há razão para preocupações e as coisas vão continuar no seu correto lugar. Afinal, mais uma vez foi preciso mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma.
A conclusão que Susan J. Douglas formula resume bem o “estado da arte”: “Com tudo isto o que os media realçam é que as mulheres se definem pelos seus corpos. Não há nada de novo nisto, certamente, mas era algo que milhões de mulheres julgavam ter enterrado nos idos de 70 do século passado. Na verdade é precisamente porque as mulheres não mais têm de exibir os traços de personalidade tradicionalmente femininos como serem passivas, dóceis vulneráveis, abertamente emocionais, tolas e deferentes para com os homens, que devem exibir traços hiper-femininos diferenciadores. (…)
Esta é agora a nossa missão: correr a cortina e mostrar como estas fantasias, a despeito de todas as mudanças, nos distraem do nosso persistente status de cidadãs de segunda classe.” (Susan J.
Douglas, Enlightened Sexism)
Esta é agora a nossa missão: correr a cortina e mostrar como estas fantasias, a despeito de todas as mudanças, nos distraem do nosso persistente status de cidadãs de segunda classe.” (Susan J.
Douglas, Enlightened Sexism)
É um fenômeno muito visível e comum - eu já havia notado, mas nunca tinha encontrado um nome tao perfeito - sexismo esclarecido.
ResponderEliminarUm exemplo clássico de sexismo esclarescido sao notícias ou reportagens que circulam na mídia sobre mulheres que alcancaram posicoes de destaque ou realizaram grandes feitos. Raramente essas reportagens focam exclusivamente na tragetória dessas mulheres - em algum momento o entrevistador(a) vai destacar o fato de ela ter marido, ou filhos (caso nao tenha vao insinuar de que ela é frustrada por isso), ou usar maquiagem, ou o tipo de roupa que usa, se faz dieta ou nao...
Pra mim isso passa uma mensagem sutil, porém muito direta - "Olhem só mulheres, vocês podem ser presidentas, astronautas ou cintistas mas nao esquecam de sua real funcao de dona-decasa/esposa/mae/peca decorativa".
Fran
Nossa, falou tudo! hehe... A sua última frase esclarece todo o sexismo atual! Lembro que vi uma vez uma reportagem sobre as quatro únicas mulheres que trabalham no BOPE no Rio de Janeiro. No início a reportagem estava muito interessante, elas falavam da trajetória delas, se existia machismo nos homens que trabalhavam lá (elas falaram que sentiam um pouco porque os homens chamavam as mulheres do BOPE de algum apelido. Não que o apelido ofendesse, mas elas se sentiam diferentes dos outros, isso elas não gostavam, elas queriam ser chamadas das mesmas coisas que os homens). Aí de repente tinha uma página só com perguntas sobre maternidade e maquiagem! Como assim? "Como vocês se mantem femininas trabalhando no BOPE?", "Como é ser mãe numa vida dessas?"... Perguntas assim, numa página inteira! Eu fiquei imaginando como seria a reportagem se fosse com homens. Seria uma pergunta sobre ser pai e só, acabou. Mas claro, não seria pai em relação aos filhos (como foi com as mulheres), mas de pai provedor da casa, o machão da matilha. Aff...
EliminarE já vi uma vez uma reportagem na TV sobre as mulheres na polícia, e de novo, a maior parte da reportagem era sobre maquiagem e beleza! WTF?
"As mulheres podem ser o que quizer, mas só se usarem rímel, lápis, batom e salto alto". Senão elas não são mulheres.
Fran e anónima
ResponderEliminarEm minha opinião o estrago maior do sexismo esclarecido é que, sob novas roupagens, continua a oferecer as mulheres os modelos que no passado impediram o progresso no sentido da real libertação, isto é, dá-lhes a ilusão de que são livres para escolherem o que quiserem, mas limita logo a partida o leque das escolhas, através de mensagem subliminar,dificil de perceber e de denunciar.
abraço, adilia