No mundo ocidental, pretende-se
enraizar a crise de valores na mulher e no seu desempenho enquanto mãe e dona
de casa. Jornalistas,
comentadores e políticos atribuem os males da nação às mães que não cumpririam
com as suas obrigações de educadoras e seriam assim responsáveis pela
desintegração social. Curiosamente, as mulheres são praticamente
excluídas desse debate. A solução para o problema residiria no retorno aos
valores tradicionais. Tudo se passaria como se a esfera privada tivesse de ser o suporte da
vida da nação, enquanto as decisões que importam a esta seriam tomadas apenas
pelos elementos masculinos. Este ideal cultural com as mães tendo a seu cargo a
educação dos filhos limita obviamente a participação das mulheres na vida
pública, confinando-as à esfera privada da vida doméstica, e reforça o conceito
de esfera pública como um domínio do masculino.
Quem defende o retorno aos
valores tradicionais pretende que a esfera pública é neutra; mas tal neutralidade é muito discutível.
O facto de a ela terem acesso, com uma escandalosa predominância, elementos do
sexo masculino afeta de modo decisivo a sua natureza porque uma esfera pública,
assim constituída, embora pretenda defender valores universais, acaba por se
constituir porta-voz de valores que interessam fundamentalmente à parte da humanidade
que representa.
Por outro lado, no mundo moderno e na civilização
ocidental, a autoridade masculina está em crise, não tanto por vitória das
mulheres, mas mais pelo facto de os homens terem abusado da autoridade que
detinham sobre os elementos da esfera privada: crianças molestadas pelos pais
biológicos ou por membros do clero, mulheres ou amantes assassinadas, assédio
sexual nos locais de trabalho, são façanhas que põem em cheque uma autoridade
que durante muito tempo foi reconhecida, porque vista como protetora dos mais
fracos. Muitas mulheres tiveram de lançar mão dos seus próprios recursos e
começaram a perceber que a autoridade masculina afinal defendia interesses que
as transcendiam; puderam assim denunciar a falácia existente: a esfera pública
apenas pretensamente defende valores universais, de facto não pode deixar de
reflectir os interesses da parte masculina da humanidade que maioritariamente a
constitui.
Por tudo isto, hoje em dia, as mulheres
trabalhadoras continuam a enfrentar discriminação, desencorajamento e falta de
apoio para as lides domésticas. Em numerosas situações o sucesso profissional
dos homens repousa numa retaguarda protegida por mulheres que tomam a seu cargo
a tarefa de lhes criarem um ambiente favorável a esse sucesso, ora é exatamente
o contrário o que se passa com as mulheres trabalhadoras.
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