segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ética sexual cristã


Os princípios fundamentais da ética sexual cristã foram elaborados por Tomás de Aquino (1224/ 1225-1274), doutor da Igreja, e ainda hoje fazem parte integrante da doutrina católica oficial.

Obreiro da síntese entre aristotelismo e cristianismo, Aquino vai tirar partido da imensa parafernália conceptual de Aristóteles para elaborar as suas teses. Na Suma Teológica formula uma teoria da sexualidade baseada no conceito aristotélico de Lei natural: Deus implantou nos humanos uma inclinação/instinto para o coito heterossexual e por isso os humanos quando se dedicam à atividade sexual estão a realizar o propósito divino e nada de mau há nisso porque o que é natural é bom, entre ser e dever ser não há rutura.

De acordo com a ontologia teleológica que perfilhou, a virtude de uma coisa consiste em respeitar a sua própria natureza, o seu fim ou telos. Todas as criaturas foram criadas para um determinado fim que está como que inscrito na sua própria natureza. Partindo da natureza de cada ser pode deduzir-se um princípio ético fundamental: para cada criatura o que é bom é cumprir o fim para que foi criada; aplicando o princípio teleológico à sexualidade, não vão restar dúvidas do que é eticamente aceitável e do que é eticamente condenável.

Estabelecida a relação causal entre sexo e reprodução, Tomás de Aquino vai só legitimar o sexo quando ele estiver aberto à reprodução. É natural que homens e mulheres se unam para garantir a preservação da espécie, por isso o único tipo de atividade sexual eticamente aceitável é a relação heterossexual porque é a que conduz à conceção de crianças. Segue-se que o sexo não procriativo, meramente recreativo, não é natural e por isso é um crime contra a natureza e também contra Deus que ordenou a própria natureza.

A finalidade, o telos, do sémen e da ejaculação é a “produção” de crianças e em última análise a perpetuação da espécie (na senda aristotélica ignora completamente o papel ativo da mulher na conceção). Quando a ejaculação não cumpre este propósito, a atividade sexual não é natural e é mesmo pecaminosa; com base nesta premissa, Tomas de Aquino execrava a masturbação, o sexo anal, o sexo oral e a bestialidade e, obviamente, o recurso a qualquer prática anticoncecional.

Para além dos crimes sexuais contra a natureza, reconhece os crimes sexuais contra os interesses da pessoa, tais como incesto, violação e  adultério (da mulher, claro). A violação, por exemplo, tem formalmente menor gravidade do que a masturbação ou a prática anticoncecional porque os pecados contra a natureza são pecados capitais enquanto os pecados contra os interesses da pessoa são apenas pecados veniais.

Parece chocante considerar mais grave a masturbação do que a violação; mas isto enquadra-se na lógica segundo a qual o que é natural é bom! A violação é um ato sexual procriativo, isso é o que mais importa, importa menos a violência e o abuso cometido contra uma pessoa, porque aí o sexo não contraria o desígnio divino!

Uma ética que pretende deduzir o dever ser do ser é filosoficamente irrelevante porque se limita a legitimar e a justificar o que entende ser a ordem natural das coisas; perverte o objetivo que deve presidir à reflexão ética que é o de contribuir para a construção de uma ordem social melhor, justa e virtuosa, qualitativamente diferente da que existe na natureza. Logo, parece plausível acreditar que, se se despende tanto trabalho e energia só para justificar o que existe na natureza, é porque aqueles que se entregam a essa tarefa têm privilégios que decorrem dessa ordem natural e não os querem perder.

Entendamo-nos, uma coisa é a ordem natural e outra a ordem social. A ordem natural é o dado, aquilo que à partida se apresenta; a ordem social é o construído; aquilo a que chegamos. O dado, em si mesmo, não é justo nem injusto, é neutro do ponto de vista ético, mas fazer dele a base para o justo e o injusto é pretender justificar desse modo uma ordem social que incorpora na sua estrutura aquilo que devia ser corrigido e contrariado.

A ética cristã, como outras éticas de matriz religiosa, ao pretender limitar o individuo à natureza, está a fazer aquilo que devia evitar a todo o custo, sob pena de entrar em contradição profunda, está a reduzir o ser humano à pura animalidade; por exemplo, ao pretender que uma mulher não controle a sua capacidade reprodutiva está a equipará-la a qualquer outra fêmea do reino animal, ora o que distinguiu o ser humano foi a capacidade de transcender a natureza e criar cultura.

 

 

 

 

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