Os princípios fundamentais da ética
sexual cristã foram elaborados por Tomás de Aquino (1224/
1225-1274), doutor da
Igreja, e ainda hoje fazem parte integrante da doutrina católica oficial.
Obreiro
da síntese entre aristotelismo e cristianismo, Aquino vai tirar partido da
imensa parafernália conceptual de Aristóteles para elaborar as suas teses. Na
Suma Teológica formula uma teoria da sexualidade baseada no conceito
aristotélico de Lei natural: Deus implantou nos humanos uma inclinação/instinto
para o coito heterossexual e por isso os humanos quando se dedicam à atividade
sexual estão a realizar o propósito divino e nada de mau há nisso porque o que
é natural é bom, entre ser e dever ser não há rutura.
De acordo com a ontologia teleológica que perfilhou, a virtude de uma coisa consiste em respeitar a
sua própria natureza, o seu fim ou telos. Todas as criaturas foram criadas para um determinado
fim que está como que inscrito na sua própria natureza. Partindo da natureza de
cada ser pode deduzir-se um princípio ético fundamental: para cada criatura o
que é bom é cumprir o fim para que foi criada; aplicando o princípio teleológico à sexualidade, não
vão restar dúvidas do que é eticamente aceitável e do que é eticamente condenável.
Estabelecida a
relação causal entre sexo e reprodução, Tomás de Aquino vai só legitimar o sexo
quando ele estiver aberto à reprodução. É natural que homens e
mulheres se unam para garantir a preservação da espécie, por isso o único tipo
de atividade sexual eticamente aceitável é a relação heterossexual porque é a
que conduz à conceção de crianças. Segue-se que o sexo não procriativo,
meramente recreativo, não é natural e por isso é um crime contra a natureza e
também contra Deus que ordenou a própria natureza.
A finalidade, o
telos, do sémen e da ejaculação é a “produção” de crianças e em última análise
a perpetuação da espécie (na senda aristotélica ignora completamente o papel
ativo da mulher na conceção). Quando a ejaculação não cumpre este propósito, a
atividade sexual não é natural e é mesmo pecaminosa; com base nesta premissa,
Tomas de Aquino execrava a masturbação, o sexo anal, o sexo oral e a
bestialidade e, obviamente, o recurso a qualquer prática anticoncecional.
Para além dos
crimes sexuais contra a natureza, reconhece os crimes sexuais contra os
interesses da pessoa, tais como incesto, violação e adultério (da mulher, claro). A violação, por
exemplo, tem formalmente menor gravidade do que a masturbação ou a prática
anticoncecional porque os pecados contra a natureza são pecados capitais
enquanto os pecados contra os interesses da pessoa são apenas pecados veniais.
Parece
chocante considerar mais grave a masturbação do que a violação; mas isto
enquadra-se na lógica segundo a qual o que é natural é bom! A violação é um ato
sexual procriativo, isso é o que mais importa, importa menos a violência e o
abuso cometido contra uma pessoa, porque aí o sexo não contraria o desígnio
divino!
Uma ética
que pretende deduzir o dever ser do ser é filosoficamente irrelevante porque se
limita a legitimar e a justificar o que entende ser a ordem
natural das coisas; perverte o objetivo que deve presidir à reflexão ética que
é o de contribuir para a construção de uma ordem social melhor, justa e
virtuosa, qualitativamente diferente da que existe na natureza. Logo, parece
plausível acreditar que, se se despende tanto trabalho e energia só para
justificar o que existe na natureza, é porque aqueles que se entregam a essa
tarefa têm privilégios que decorrem dessa ordem natural e não os querem perder.
Entendamo-nos,
uma coisa é a ordem natural e outra a ordem social. A ordem natural é o dado,
aquilo que à partida se apresenta; a ordem social é o construído; aquilo a que
chegamos. O dado, em si mesmo, não é justo nem injusto, é neutro do
ponto de vista ético, mas fazer dele a base para o
justo e o injusto é pretender justificar desse modo uma ordem social que
incorpora na sua estrutura aquilo que devia ser corrigido e contrariado.
A
ética cristã, como outras éticas de matriz religiosa, ao pretender limitar o
individuo à natureza, está a fazer aquilo que devia evitar a todo o custo, sob
pena de entrar em contradição profunda, está a reduzir o ser humano à pura
animalidade; por exemplo, ao pretender que uma mulher não controle a sua
capacidade reprodutiva está a equipará-la a qualquer outra fêmea do reino
animal, ora o que distinguiu o ser humano foi a capacidade de transcender a
natureza e criar cultura.
Sem comentários:
Enviar um comentário