Tomás de Aquino, seculo
XIII, elaborou uma ética sexual que ainda hoje constitui doutrina oficial da
Igreja católica. O “inefável” doutor foi bem mais comedido do que Agostinho e,
munido da parafernália concetual que Aristóteles lhe forneceu, construiu uma
autêntica fortaleza ideológica.
A ontologia de que parte é
teleológica, isto é, entende que cada ser foi designado para um determinado fim,
tem um telos, e a virtude está em cumprir esse fim, esse telos,
numa palavra, a sua natureza.
De acordo com a doutrina de
Aquino, sexo e prazer são permitidos, porque são naturais e fazem parte do
desígnio divino, mas só se o ato sexual estiver aberto à procriação porque esse
é o seu fim; masturbação, sexo oral e anal são pecados capitais porque são
crimes contra a natureza e, portanto, contra Deus que a ordenou divinamente;
incesto e violação são pecados menos graves, apenas veniais pois atentam tão-somente
contra a moralidade social e não contra Deus, porque não bloqueiam a conceção
(logo observam o telos).
Poderíamos continuar a
enumerar outros aspetos desta ética sexual, mas estes são suficientes para a
crítica que pretendo fazer-lhe. Uma ética que se limita a legitimar e a
justificar o que entende ser a ordem natural das coisas, considerando que esta
é boa porque foi a querida por Deus, perverte o objetivo que deve presidir à
reflexão ética que é o de contribuir para a construção de uma ordem social melhor,
justa e virtuosa, qualitativamente diferente da que existe na natureza.
Entendamo-nos, uma coisa é a ordem
natural e outra a ordem social. A ordem natural é o dado, aquilo que à partida
se apresenta; a ordem social é o construído; aquilo a que chegamos. O dado, em
si mesmo, não é justo nem injusto, é neutro do ponto de vista ético, mas fazer
dele a base para o justo e o injusto é pretender justificar desse modo uma
ordem social que passa a incorporar na sua estrutura aquilo que devia ser
corrigido e contrariado.
Por exemplo, pode acontecer - é natural
- que uma mulher em período fértil engravide no decurso de uma relação sexual;
isto, em si mesmo, nada tem de justo ou de injusto, porque o justo e o injusto
são categorias mentais que emanam da ordem dos arranjos sociais; mas se, por
exemplo, for possível evitar uma gravidez indesejada, isso é justo porque
atende aos interesses legítimos da pessoa; em contrapartida, obrigar a mulher a
suportá-la, só por que se entende que isso é que é natural e, portanto, bom, é
injusto.
Por outro lado, a ética de Tomás de
Aquino, como outras éticas de matriz religiosa, ao pretender limitar o
indivíduo à natureza, está a fazer aquilo que devia evitar a todo o custo, sob
pena de entrar em contradição profunda, está a reduzir o ser humano à pura
animalidade; por exemplo, ao pretender que uma mulher não controle a sua
capacidade reprodutiva, está a equipará-la a qualquer outra fêmea do reino
animal, ora o que distinguiu o ser humano foi a capacidade de transcender a natureza
e criar cultura.
Transformar a natureza em princípio ético, em critério
de moralidade, é transformá-la em lei natural que serve de base à lei social;
ora conceder à lei natural o primado sobre a lei social e humana encontra-se
nos antípodas do humanismo e dos seus valores mais centrais.
E não se julgue que isto é apenas teoria – conversa
fiada, como alguns dizem - porque de facto na prática ainda hoje, em muitos
países, se tenta limitar o acesso das mulheres à contraceção e ainda
recentemente no Brasil, um padre católico com relevo na hierarquia se apressou
a condenar o pessoal médico que procedeu à interrupção da gravidez de uma
menina, ainda criança, abusada pelo padrasto, não dando especial atenção à
gravidade do ato por este praticado. É que os médicos e restante pessoal tinham
atentado contra Deus e contra o plano divino que só pode ser bom, mesmo quando
em caso concreto é obviamente mau, ao passo que o abusador apenas atentou
contra os interesses de uma pobre menina e da moralidade social!!!
Por
tudo isto se prova que as teorias, as ideias, as filosofias, têm enorme
importância e só os tolos as descartam com o argumento de que não tem utilidade
prática.
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