Sexo, amor e casamento conviveram mal durante boa
parte da vida da humanidade; bem vistas as coisas, só a partir dos fins do século
XVIII, na antecâmara da época romântica, é que se começou a aceitar que amor e
sexo coexistissem na relação conjugal; se recuarmos no tempo, constatamos que,
por exemplo, nos gregos, o amor erótico é entre homens e na Idade Média, uma
mulher que apreciasse o sexo, mesmo se com o marido, era considerada uma prostituta.
Todavia, a partir do século XVIII encontramos
um registo diferente; com Kant, sexo e amor, ou seja o amor sexual, é aceitável
no quadro do casamento monogâmico heterossexual, através de contrato de
casamento. Hoje, amor e sexo são ingredientes imprescindíveis de um casamento
que se quer bem sucedido.
Na visão negativa da sexualidade que as pessoas
interiorizaram, a influência do cristianismo foi determinante, mas não podemos
esquecer que o próprio cristianismo já herdou uma perceção negativa do sexo do
próprio Platão e uma visão reprodutiva do mesmo de Aristóteles - os dois maiores
filósofos da antiguidade clássica.
No cristianismo, tanto na versão católica
como na protestante, o sexo é associado a lascívia e entendido como um pecado
só redimível se for orientado para a procriação. Precisamente, o mito central da
cultura ocidental, o mito de Adão e Eva, exprime o caráter pecaminoso do sexo e remete
a culpa para a mulher, apresentada como a tentadora do homem. A partir daí as
mulheres têm acima de tudo de ser castas e o mito mariano mostra bem a força da
proibição do sexo, sobretudo para as mulheres. O culto da virgem é afinal
também o culto da virgindade. Para o cristianismo a sexualidade é uma realidade
desgostante e negativa.
No século XIX, era colonial, a ideologia dominante
ainda justificava o sexo em termos de reprodução e considerava que só no
casamento ele era legitimável; mas também nessa época, com transformações
profundas a nível económico e social, o individualismo triunfante permitiu a
valorização de uma outra dimensão do sexo, enquanto intimidade emocional e
fonte de prazer.
A valorização do indivíduo e do individualismo, bem
como os progressos no controlo da natalidade, vieram romper com a visão
negativa do sexo. O individualismo é a crença de que o ser humano está sozinho,
é um indivíduo e, enquanto tal, é-lhe permitido procurar a felicidade pessoal,
entendendo que esta também tem a ver com a obtenção de prazer, nomeadamente
prazer sexual – se afinal se está inelutavelmente só, se afinal apenas se vive
uma vez, então é mandatório que se procure ser feliz, que se procure obter o máximo
de prazer possível. Assim, a mentalidade individualista, o ideal de liberdade
pessoal, o controlo da natalidade combinaram-se para valorizar o sexo e
retirar-lhe, pelo menos ao nível do consciente, a carga pecaminosa com que a
tradição ocidental o investiu.
Todavia, em certo sentido, do oito passou-se ao oitenta; a partir do momento
em que o marketing e a publicidade descobriram que o sexo vende, multiplicaram-se
as mensagens eróticas, enfatizou-se o seu valor e assistiu-se a uma curiosa
evolução: agora já não se trata de integrar amor e sexo, mas de valorizar o sexo
per si, independentemente do amor.
Onde nos vai conduzir esta evolução é uma questão ainda em aberto.