Qualquer prática sexual que envolva
a erotização da relação de domínio/submissão pode designar-se, com propriedade, de “sadomasoquista”.
O sadomasoquismo puro e duro não é,
nos nossos dias, politicamente correto pois, ao nível da consciência, as mulheres
têm dificuldade em aceitar que retiram prazer de serem dominadas sexualmente
pelos homens. Mas uma análise crítica da questão revela que o sadomasoquismo é
mais pervasivo do que queremos reconhecer; as investigações neste domínio
mostram que as fantasias sexuais de muitas mulheres envolvem humilhação,
degradação e violência sexual e há mesmo estudos que referem que 25% das
mulheres têm fantasias de violação.
Cumpre, todavia, referir que, embora
o instinto sexual seja inato, o desejo sexual e a forma como se expressa é
socialmente construído e resulta do processo como mulheres e homens são
educados; por exemplo, o cinema veicula constantemente modelos de homens dominadores
e de mulheres submissas; o padrão mais típico foi fornecido já há bastantes
anos por um clássico do cinema: “E tudo o vento levou”. Neste filme, que
encantou gerações de mulheres jovens e menos jovens, no casal constituído por
Scarlett O’ Hara e Rhet Butler, o sex-appeal do protagonista reside na sua
brutalidade, Butler, como se diz na cultura brasileira, é um “pegador”, é aquele
que se apropria da mulher, como alguém que se apropria de um bem apreciado.
Por outro lado, o sadomasoquismo é
a expressão, ao nível da vida sexual, de uma cultura misógina que reforça
poderosamente, isto é, decorre dessa cultura e ao mesmo tempo reforça-a, pois
liga as estruturas de domínio social às estruturas do desejo sexual, mostrando
quão poderosas e inevitáveis elas são. Esse desejo, identificado com o instinto,
parece natural e, portanto, inevitável e aceitável.
Quando uma mulher aceita este modelo
sexual - culturalmente o único que está à sua disposição - passa a ser
conivente com a sua própria subordinação; pode estrebuchar, rebelar-se, mas na
estrutura profunda ela está lá e se é profunda há-de manifestar-se em níveis
mais superficiais. Sandra Lee Bartky em Feminism and Domination resume
exemplarmente esta ideia: “ A estrutura do desejo sexual amarra a mulher ao seu
opressor.”
O sadomasoquismo puro e duro só é
estigmatizado socialmente e considerado politicamente incorreto porque rasga o
véu e mostra quanto o modelo heterossexual prevalecente é realmente pouco
respeitável. Ora a sociedade, nomeadamente os homens não gostam de reconhecer
que no fundo, bem no fundo não respeitam as mulheres e estas também não gostam
de reconhecer que no fundo bem no fundo até “gostam” que os homens não as
respeitem.
A
partir do momento em que se reconhece que o desejo sexual é culturalmente
construído e um produto do condicionamento social poderia dizer-se que a
sexualidade feminina também poderia ser substituída por outro tipo de
sexualidade recondicionada e reprogramada. Mas ocorre perguntar: qual é a
mulher que isolada e contra ventos e marés é capaz de empreender tal tarefa?
De
acordo com uma posição idealista e voluntarista, norteada pelo simpático mas
ilusório mote de que querer é poder, qualquer mulher, uma vez consciente do
caráter construído de uma sexualidade que a envergonha poderia lutar e
reprogramar-se. Mas é caso para perguntar: como é que uma mulher sozinha e
isolada é capaz de desfazer o que a cultura levou séculos, milénios, a
construir?
Assim,
as mulheres podem ter vergonha das suas fantasias sexuais porque aos seus
próprios olhos elas lhes mostram que são pessoas de menor valor, mas nem
sempre, quase nunca, lhes conseguem resistir, isto é, não conseguem deixar de
as ter porque foram interiorizadas numa fase, diríamos, em que prevalecia o
cérebro primitivo e depois, na fase do cérebro evoluído, não as conseguem
desalojar. Além disso, os modelos que lhes servem de suporte estão
constantemente a ser reforçados, através dos mais variados instrumentos
culturais. Portanto tudo se conjuga para a manutenção do status quo.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarPois, dominar, dominar toda a gente gosta, a questão é poder...
ResponderEliminarde resto parece ser uma caraterística básica de qualquer ser humano. Claro que socialmente o feminino é construido para "amar" a submissão e o masculino para amar dominar, mas a "drive" é tão profunda que pelo menos nas mulheres se manifesta através dos mais variados recalcamentos.
As mulheres que gostam de dominar apenas estão reproduzindo o modelo patriarcal que lhes é imposto e em que são 'autorizadas' no sadomasoquismo a expressar de uma maneira não convencional, pois subverte a ordem do passivo feminino e ativo masculino, um outro modo de agir. Só que a dominação sadomasoquista é apenas uma ilusão, pois acabado o teatrinho, o jogo, a mulher volta a ocupar perante a sociedade o seu lugar de inferior, subordinada e passiva. Não muda em NADA as estruturas da sociedade.
ResponderEliminarDominação, poder, hierarquia são constructos culturais do patriarcado.
Relações de poder nas relações: prostituição/pornografia, estupro, bdsm, casamentos patriarcais forçados e pedofilia.
Perfeito!
EliminarPergunta isso para os escravos de minha Dona, que tiveram suas vidas e essências destruídas pelo seu sadismo. ;-)
EliminarSim, exatamente isso.
Eliminar=D
em comentário ao ultimo comentário só gostaria de dizer que em minha opinião as estruturas económicas e sociais existentes não criam a drive de dominação apenas a reforçam; o ser humano predador parece ser um facto iniludível, o problema é construir uma outra mentalidade e aí concordo as estruturas capitalistas não ajudam, bem pelo contrário.
ResponderEliminarposso pegar esse texto seu? darei os devidos créditos! É a primeira vez que vi esse assunto ser escancarado e e desmitificado!
EliminarRealmente foi muito interessante esse texto. Vou confessar que me encontro dentro dessa categoria de mulheres que gostam de ser dominadas na cama, embora eu não suporte a ideia de receber qualquer tipo de ordem fora dela. A tal trilogia 50 tonz de cinza me fascinou pela ideia da dominação na cama, excluindo alguns pontos que existiam violência (algumas situações no livro eu dispenso). Ainda planejo abordar sobre esse livro no meu blog...Se me permitir, eu gostaria de colocar o seu blog nos favoritos do meu, assim que eu descobrir como (primeira vez que eu crio um blog, ainda estou me familiarizando com algumas ferramentas). Achei seu blog extremamente interessante, se quiser conhecer o meu, aqui está o link: http://conflitossinceros.blogspot.com.br/
ResponderEliminarQuanta miscelânia de ideias! Fiquei até atônito...
ResponderEliminarbom,podemos começar negando essa idéia de que machismo feminino é escolha.Estou farta de ouvir isso da boca de "feministas": tudo a mulher escolhe.
ResponderEliminaracabei de colocar no site o trailer do 50 tons de cinza https://www.vintagesexshop.com.br/loja/feminino/estimuladores-femininos/cinquenta-tons-de-cinza-trailer-do-filme
ResponderEliminarGostar de ser dominada é aquilo a que qualquer dominador aspira. Mas atenção os papeis sexuais até podem ser apenas simbolicos mas não se esqueçam, os simbolos tem sempre uma função e reforçam as estruturas existentes. Enquanto a diferença sexual for interpretada como hierarquia, há inferiores e superiores, ora é isso que queremos para as nossas vidas e para as nossas sociedades?
ResponderEliminarkkkk, alguém ai quer ser submisso(a).
ResponderEliminareu quero ser submisso e tambem gosto de sado duro faz parte do sexo
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