No mundo grego, a misoginia era de tal modo intensa e pervasiva que excluía completamente as mulheres da vida pública. Péricles, o maior estadista ateniense do século V a. C. resumiu de forma exemplar essa atitude; segundo palavras suas, uma boa mulher era aquela de que não se falava, nem sequer para elogiar. Por isso, não é de estranhar que não tenham chegado até nós quaisquer nomes de mulheres da época; pura e simplesmente foram ignoradas e não lhes conhecemos qualquer protagonismo. O gineceu era o seu espaço e a sua prisão.
Já no mundo romano, o panorama é algo diferente, conhecemos, embora normalmente pelos ‘piores’ motivos, os nomes de várias mulheres, de entre as quais se destacaram: Messalina, lembrada pelos excessos sexuais; Agripina, ambiciosa e sedenta de poder; Semprónia, prostituta de alto gabarito, conspiradora e revolucionária; Cleópatra, sedutora e política hábil. Claro que estas memórias foram transmitidas por homens que nem sequer se deram ao trabalho de esconder a flagrante misoginia que estas mulheres, no mínimo corajosas, tiveram de desafiar.
As mulheres romanas tinham de vencer vários obstáculos, desde logo, o infanticídio feminino, que, tal como acontecia na Grécia, era permitido. Depois as leis do casamento que as colocavam na completa sujeição de seus maridos e senhores, com poder de vida e de morte sobre as suas pessoas.
O adultério e o consumo de vinho eram crimes suscetíveis de serem punido com a pena de morte.
O historiador Valerius Maximus elogia o aristocrata Metellus, que matou a mulher ao surpreendê-la a beber vinho - provavelmente sem qualquer moderação - nos seguintes termos:
“Não apenas ninguém o acusou de crime como nem sequer o censurou. Todos consideraram tratar-se de um exemplo excelente de uma pessoa que tinha punido justamente alguém que violava as leis da sobriedade. Na verdade, qualquer mulher que procura imoderadamente o consumo de vinho fecha a porta a todas as virtudes e abre-a a todos os vícios.”
O mesmo historiador louva Gaius Sulpicius Gallus por se ter divorciado da mulher por esta expor os seus cabelos em público, mostrando assim falta de decoro, ao não reservar as suas belezas para o marido (resta dizer que só os homens tinham o poder e o direito de se divorciarem das respetivas mulheres).
Estas duas breves histórias documentam a misoginia romana de que, como é sabido, ainda hoje remanescem práticas em países de tradição muçulmana, tais como o apedrejamento das mulheres até à morte por adultério e o uso do véu islâmico.
Adília, a misoginia, de fato, é algo bastante antigo. No entanto, vc não acha que o modo de produção capitalista assimilou a misoginia ( entre outras formas de opressão, como o racismo ) , de modo a tirar proveito disso, subjugando, em última instância, toda a humanidade? Pergunto isso, porque me parece ( acho isso muito claro ) que o capitalismo tira muito proveito da opressão feminina, assim como se beneficia do racismo. Logo, vc acha qua a luta feminista tem que ser inexoravelmente anticapitalista também, sob pena de ser inócua?
ResponderEliminarCapitalismo e Socialismo. OS ismos todos em geral.
EliminarCaro Alexandre,
ResponderEliminarO capitalismo, penso, é uma estrutura econômica bastante pragmática e se lhe convém e quando lhe convém recorre à misoginia, quando não lhe convém mascara-se de libertário.Mas de facto, até historicamente e na patria mãe - estados unidos - os grandes adversários da luta pelos direitos das mulheres foram os detentores da riqueza que, por exemplo, tudo fizeram, secundados pelas suas maravilhosas esposas (anti-feministas claro), para retardarem o mais possível os avanços.
Num livro meu, passo a publicidade, O Inimigo no Gineceu,abordo esse fenómeno.
Abraço, Adília
De fato, há um número significativo de mulheres que se opõe à luta pelos direitos das mulheres. Em relação à mulher burguesa ou pequeno-burguesa - como as esposas dos detentores da riqueza citados por você - não é difícil imaginar o motivo preponderante nessa oposição, um motivo de ordem pragmática, qual seja, um acordo vantajoso. Mas é verdade que existem também as que se opõem por razões ideológicas. Não vou te questionar a esse respeito, porque seria inconveniente e deselegante, visto que esse é o objeto do seu livro. Interessei-me por ele; no entanto, não sei se o acharia aqui no Brasil. De qualquer forma, muito obrigado pela sua atenção, Adília.
ResponderEliminarEu já vi mulheres comentando que a Grécia era liberal porque tinha orgias....e hoje eu vejo muitas feministas alegando que a prática de orgia empodera e liberta as mulheres...nem sei o que dizer perante tal ignorância,mas sofremos de uma falta de memória histórica aguda.Seria algopara se pensar e com urgência.
ResponderEliminarBoa tarde, tudo bem?
ResponderEliminarGostaria de lhe perguntar quais foram as fontes das frases de Metelus (metellus) e de Péricles?
Poderia citar paginas e nome de livros que se embasou?
O texto está super bem escrito, parabéns.
Obrigada pelo texto, Adília!
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