Através dos tempos, de uma maneira geral, os filósofos manifestaram desinteresse pela sexualidade humana. É certo que Platão, em alguns diálogos, se debruçou sobre o tema, mas os mitos e fábulas que nos legou, embora interessantes, não deixam de revelar uma abordagem pouco séria e superficial. Só muitos séculos depois, mais precisamente no século XIX, um outro pensador, por sinal um ícone da misoginia filosófica, revelou um interesse directo e tratou a sexualidade humana de modo sistemático em “A Metafísica do Amor Sexual”, publicado em 1844.
Para entendermos a depreciação do sexo pelos filósofos, visível nas suas omissões, temos de lembrar que o ideal de vida filosófico é o ideal de vida pela razão, entendida como uma faculdade pura, divorciada da própria afectividade. O desejo sexual é visto como uma paixão que perturba a capacidade racional, como um estorvo que impede ou pelo menos prejudica a ascese intelectual. Libertar-se das paixões do corpo e especialmente, pela sua premência e excesso, da paixão sexual é o desiderato dos filósofos.
A grande maioria dos filósofos nem sequer casou; as mulheres dos outros, dos que casaram, ou são completamente desconhecidas ou viraram anedotas, como é o caso da irritante e rabugenta Xantipa - o protótipo do que uma esposa não deveria ser - que o bom e paciente Sócrates “evitava”, preferindo-lhe a estimulante companhia do belo e inteligente Alcibíades. Na Idade Média, com uma filosofia serva da teologia, não surpreende que os Doutores da Igreja se limitassem a aceitar o sexo como um mal necessário, reduzido à dimensão heterossexual genital e legitimado apenas no casamento monogâmico. O racionalismo moderno libertou-se, pelo menos formalmente, da tradição religiosa, mas na questão sexual mostrou-se muito pouco moderno. Os grandes filósofos da época, Descartes, Espinosa, Leibniz, Hume, Kant, Schopenhauer, Nietzche, não casaram e alguns levaram vidas sexuais paupérrimas, como foram os casos mais flagrantes de Kant e Nietzsche.
A este aparente desinteresse dos filósofos pela sexualidade não deve ser alheia a persistente e dominante concepção dualista da natureza humana, que a grande maioria defendeu. De acordo com esta concepção, o ser humano é uma dualidade: corpo e alma, o corpo é material e perecível, a alma espiritual e eterna; depreciar o corpo e exaltar o espírito é apenas e tão-somente o corolário necessário desta maneira de entender a natureza humana; como a sexualidade tem uma nítida dimensão física, foi apenas fácil e natural esquecer completamente a sua outra dimensão e desvalorizá-la, considerando-a, no mínimo, um elemento perturbador para a vida do espírito.
Com tempo voltarei aqui para ler esse post, que muito me chamou atenção. Mas é bom, que eu possa ler com calma, para assimilar toda essência do texto.
ResponderEliminarUm ótimo final de tarde.
Abraços.
Obrigada pela visita, Dayse. Espero que volte sempre.
ResponderEliminarabraço adiia
Nada mais incompreendido que a sexualidade...
ResponderEliminaradorei o texto
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