sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Shulamith Firestone e os papéis atribuídos às mulheres

Comecei a ler The Dialectic of Sex: The Case for Feminist Revolution, de Shulamith Firestone, que ainda não conhecia, e vou começar a partilhar as reflexões que a leitura me está a proporcionar.
Shulamith Firestone (1945-), feminista da geração de setenta do seculo XX, publicou então The Dialectic of Sex: The Case for Feminist Revolution, recebida com profunda desconfiança e mesmo escândalo por parte de vários sectores, nomeadamente de sectores feministas. Essa obra, escrita quando tinha apenas vinte e cinco anos, muito falada mas pouco conhecida, só foi reeditada uma vez, o que mostra como continuamos a viver em sociedades que procuram, com sucesso, calar vozes dissidentes a que não interessa dar audição.
Ora independentemente de se concordar ou não com o conteúdo abordado e teses defendidas, o que é um facto é que “exige” a nossa reflexão já que se trata de uma obra importante e de um marco que não se pode ignorar na história do feminismo e na evolução do movimento. Shulamith desafia-nos a repensar e a reavaliar os nossos sentimentos acerca dos papéis que secularmente nos têm sido atribuídos.
O livro foi publicado em 1970 e desde então os progressos na condição das mulheres têm sido em certa medida impressionantes, mas apesar de tudo há ainda muita actualidade nas ideias defendidas por S. que ainda hoje a uma primeira apreciação nos parecem chocantes.
Para S. o verdadeiro objectivo da luta deve ser não só o de minar o privilégio masculino mas também a própria distinção sexual, com o genuíno convencimento de que não basta reformar um sistema iníquo mas é necessário eliminá-lo e substitui-lo por um outro totalmente novo, não basta exigir igualdade perante a lei e igualdade de direitos; se as estruturas da sociedade não estiverem preparadas essa será uma tarefa vã e de fachada. O que é preciso é conseguir que a diferença genital não se transforme numa diferença cultural. Nesse aspeto, se ela tem razão, muito, mas mesmo muito, está ainda por fazer.
S. foi inspirada pela teoria marxista e defendeu que a revolução feminista, para o ser, tinha de começar pela base, pelo que está na origem da opressão das mulheres assim como o marxismo procurou encontrar o que se encontra na origem da opressão de classe. Mas na década de setenta, na América, embora os ventos parecessem favoráveis o facto é que a classe média era, como ainda hoje é, profundamente conservadora e não via com bons olhos qualquer movimento revolucionário. Além disso, mais tarde, a implosão da União Soviética, com razão ou sem razão, em certo sentido veio a descredibilizar o marxismo e a partir deste caldo político e cultural qualquer tentativa de imprimir ao movimento feminista um cunho revolucionário ficou votada ao fracasso e as feministas tiveram de se contentar com reformas pontuais que S. tão bem denunciara.
Uma das teses mais polémicas e chocantes de S. é a de que as mulheres, para atingirem a igualdade, têm de abandonar o seu papel biológico como únicas produtoras de crianças. O papel reprodutivo das mulheres, segundo S, foi em grande parte responsável, pelo lugar de cidadãs de segunda classe que têm ocupado e não haverá qualquer alteração significativa enquanto esse papel não for secundarizado . Defende ainda que os cuidados com as crianças devem ser partilhados por homens e mulheres, defende “a libertação das mulheres da tirania da reprodução por todos os meios possíveis e a difusão dos cuidados com as crianças pela sociedade como um todo, por homens e outras crianças assim como pelas mulheres.”
Na época e ainda hoje estas ideias parecem quase ultrajantes, mesmo a muitas mulheres; a essa sensibilidade não são alheios os meios de comunicação social que insistentemente procuram fazer passar a mensagem de que a maternidade é algo de maravilhoso. As chamadas revistas cor-de rosa não se poupam a esforços e a gravidez de jovens mulheres famosas é um item recorrente. Mas, se refletirmos um pouco, também vemos como o número de filhos que as mulheres decidem ter é cada vez menor, isto claro nos países onde a igualdade sexual tem feito o seu caminho; também vemos como nos países mais avançados, os pais juntamente com as mães se encarregam de tarefas relacionadas com os cuidados das crianças. Por isso, podemos concluir que, apesar de tudo, as reflexões “chocantes” de S. não caíram em saco roto e que ela foi mais uma daquelas pessoas que, vivendo à frente do seu tempo, teve de pagar um preço pela sua ousadia e temeridade.

3 comentários:

  1. Nossa, estou de pé batendo palmas!!! E essas reflexoes sao "chocantes" por um único motivo - sao verdadeiras. E a verdade nada se parece com contos de fada. Tenho o mesmo pensamento - o modela atual de maternidade é o grande divisor de águas, mesmo dentro do movimento feminista. Se as equacaoes mulher = mae e mae = santa abnegada/martirizada nao forem descontruídas e reformuladas dificilmente seremos livres.
    E por fim (mas nao menos importante), Adília, parabéns por mais esse maravilhoso post e por compartilhar tao preciosas informacoes!!

    Fran

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  2. Obrigada Fran pela sua atenção. Eu vou continuar a ler The Dialetic of Sex e a partilhar convosco.
    Bjs Adília

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  3. Boa Tarde, Adília!
    Td bem?

    Faço das palavras do Fran as minhas. Amo de paixão tudo que Shulamith Firestone afirmou como sendo Feminismo, creio que ela é a melhor representante das Feministas que tem mesmo como objetivo uma causa séria para lutar!

    Forte abraço!
    Profe.

    PS- Por gentileza, quando puder, Adília, faça uma visitinha para nossa comunidade e blog. Seria uma honra tê-la como participante deste nosso trabalho que se inicia!
    Muito obrigado por vc existir! Sua participação é muito importante pra nós!

    Fernando e Fox

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    Somos uma Comunidade Feminista e curtimos Rock feito por Mulheres. Somos simpatizantes do "Movimento Riot Grrrls" e defendemos a igualdade dos sexos.

    Sweet Rock'n'Roll- O Blog:
    http://sweetrockandnroll.blogspot.com.br/

    “Não será com algumas mulheres no poder que resolveremos o problema das que estão no tanque, nas ruas, na cozinha!”

    Maria Lacerda de Moura

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