Shulamith Firestone foi um ícone do movimento feminista dos anos sessenta/setenta que surpreendentemente desapareceu de cena logo após a publicação de A Dialética do Sexo em 1970, na altura um enorme sucesso comercial, mas só reeditada mais de vinte anos depois. Muito pouco se tem escrito sobre Firestone e em certo sentido ela transformou-se numa relíquia do passado, o que, para alguém que teve uma visão tão premonitória do futuro, não deixa de provocar estranheza.
A visão que expõe nessa obra é verdadeiramente utópica e, embora inspirada em Engels e Marx, vai contra a corrente, não só porque coloca na origem do processo histórico a diferença de sexo - não os antagonismos de classe - como também porque considera prioritária a luta pela libertação das mulheres; Firestone, embora consciente da desigualdade económica e racial, não assumiu a tese, cara à intelectualidade de esquerda da época, de que era prioritária a luta de classes, na suposição de que com a abolição das classes se eliminaria a opressão das mulheres.
A experiência pessoal de Firestone, bem como a experiência histórica vivida pela União Soviética, não lhe permitiam alimentar muitas ilusões quanto à bondade dessa tese. De facto, ela própria tivera oportunidade de apreciar como os colegas reagiam às propostas que apresentava para se debaterem as questões das mulheres, não as considerando oportunas e como presumiam que o papel das participantes femininas nas reuniões políticas deveria ser o de coadjuvarem os homens, secretariando e distribuindo “cafezinhos”. Na época, ao participar em Chicago na National Convention for a New Politics, redigira com outras mulheres uma resolução na qual se criticavam os media pela divulgação de estereótipos sobre as mulheres enquanto simples auxiliares dos homens e meros objetos sexuais e se exigia o controlo completo das mulheres dos seus próprios corpos, a divulgação de informação sobre o controlo de natalidade a todas as mulheres independentemente do seu estado civil e a remoção de todas as proibições contra o aborto; mas quando chegou a altura de apresentar a proposta de resolução o presidente da reunião retirou-a da pauta com o argumento de que havia assuntos mais importantes a debater. Essa foi a gota que fez transbordar o copo, na semana seguinte formava-se o primeiro grupo de mulheres. Também na União Soviética se persistia na diferenciação de papéis com uma participação mínima das mulheres na esfera pública.
Neste contexto, começa a perceber-se por que é que as propostas verdadeiramente subversivas de S. encontraram tanta resistência e anticorpos. Tinha contra ela a massa de mulheres e de homens antifeministas; era vista com desconfiança pela intelectualidade de esquerda de formação marxista; as feministas liberais consideravam que ela estava a fazer um mau serviço ao movimento ao alienar a simpatia de muitas mulheres e homens, em virtude do radicalismo das suas propostas; e mesmo no seio do movimento feminista radical, estava longe de gerar consensos; numa época em que a pílula anticoncepcional ainda era acessível a um número restrito de mulheres, as suas ideias sobre gravidez e maternidade não eram aceites por muitas. Mas o facto é que, apesar de tantas e tão poderosas resistências, a leitura de A Dialética do Sexo, quatro décadas depois, revela como se caminhou em vários aspetos no sentido preconizado pela autora.