O amor romântico ocupa um lugar preponderante na vida das pessoas, individualmente consideradas, e no próprio funcionamento da sociedade como um todo; criticá-lo não é tarefa fácil, requer alguma ousadia e uma boa dose de coragem intelectual.
Afirmar que as relações amorosas heterossexuais são, com uma frequência bem maior do que gostaríamos de reconhecer, um espaço no qual ocorre crueldade mental e violência física e psicológica, mas também um instrumento para as mulheres aceitarem sem recalcitrar, em nome do amor, um lugar de submissão e de subserviência é ir contra a corrente e fazer de desmancha-prazeres.
Afirmar que as relações amorosas heterossexuais são, com uma frequência bem maior do que gostaríamos de reconhecer, um espaço no qual ocorre crueldade mental e violência física e psicológica, mas também um instrumento para as mulheres aceitarem sem recalcitrar, em nome do amor, um lugar de submissão e de subserviência é ir contra a corrente e fazer de desmancha-prazeres.
O amor é visto pela mulher que se lhe entrega como o refúgio de um mundo exterior marcado pela desigualdade e pela agressividade; mas esta perceção é ilusória pois a esfera privada, na qual se vai acantonar, é do mesmo modo um lugar caraterizado pelo exercício de um poder que se abate sobre ela e contra o qual não consegue lutar precisamente por causa do amor que abraçou incondicionalmente.
Conscientes destes perigos bem reais do amor romântico, alguns teóricos contemporâneos, procuram isentar o amor e atribuem a opressão ainda vigente a mecanismos ideológicos de natureza religiosa, legal e cultural que continuam a atuar em favor dos interesses da ordem patriarcal. É esta precisamente a tese defendida por Anthony Giddens.
Giddens considera que o amor romântico está a evoluir para um outro tipo de amor que designa de “amor confluente” (confluent love) - uma espécie de mudança na continuidade -, um amor que supõe negociação entre os parceiros sexuais, visando estabelecer igualdade e reciprocidade na relação.
Para explicar esta mudança no sentido da democratização do amor, invocam-se não só as reivindicações feministas, mas também o exacerbamento do individualismo e da procura do prazer no curto prazo: ninguém está mais disponível para sacrifícios em nome de grandes palavras, a vida é curta, a morte certa e o carpe diem do filósofo torna-se o lema da nossa civilização.
Porque parece salvar o amor, a tese da democratização é muito sedutora; constrói uma narrativa de progresso social e em simultâneo mantém os princípios básicos do romantismo, no pressuposto implícito de que é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. O amor continua a ser entendido como uma tábua de salvação e não se procede à análise da sua estrutura para decidir se ele é compatível com a apregoada democratização. Além disso, aparentemente a teoria da democratização do amor é consistente, pelo menos as investigações sociológicas não lhe encontram contradições, a igualdade amorosa parece ter pernas para caminhar; mas não será isto apenas wishful thinking? Como é que de repente se passa de um fenómeno – o enamoramento – misterioso, estranho inexplicável, para um enamoramento, negociável e preocupado com princípios de justiça social? Como é que uma realidade se pode manter idêntica quando assume caraterísticas tão diferentes?
Assim o problema em aberto que interessa resolver é o de saber se será possível conhecer a natureza do amor e determinar se ele é, em si mesmo, uma via para a liberdade ou bem pelo contrário o caminho seguro para a servidão.
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