A sexualidade tem estado submetido ao controlo das autoridades políticas e religiosas desde tempos imemoriais, isto é, tanto quanto a memória alcança. Uma explicação plausível para este facto insiste na centralidade do sexo para a reprodução biológica, socialmente enquadrada, com a necessidade de garantir a transferência da propriedade à descendência legítima do progenitor e de manter a estabilidade necessária à coesão social que, de outro modo, seria ameaçada pela premência e natural indisciplina do desejo sexual. Regular a sexualidade e policiar o desejo tem sido pois uma constante através do processo histórico variando apenas o grau de regulação e de policiamento. A proibição de determinadas práticas sexuais, a determinação da idade legal de consentimento, as leis do casamento, o controlo dos nascimentos, integraram códigos sexuais nas mais diversas partes do mundo, visando manter uma ordem social que tinha sobretudo em vista os interesses dos homens,
Mas o poder qualquer poder estabelecido, malgrado a sua rigidez e severidade, encontra sempre, mais tarde ou mais cedo, normalmente mais tarde, quem o desafie. Foi o que aconteceu primeiro com as mulheres - que lutaram pelo reconhecimento dos seus direitos enquanto pessoas - e, em seguida com a comunidade homossexual e transexual que insistiram no reconhecimento dos seus direitos e estilos de vida, desviantes em relação à norma heterossexual.
Na linha do feminismo das décadas de sessenta/setenta, entendeu-se que o pessoal é político e assim a sexualidade não é considerada apenas uma questão do foro intimo mas é o terreno no qual se travam lutas políticas de natureza emancipatória. São lutas que se decidem no espaço público, como por exemplo, a questão do aborto e da contraceção ou do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Ao sucesso desta luta emancipatória não foi alheio o facto de grupos sexualmente oprimidos terem acesso ao mercado e terem-se tornado consumidores que o mercado pretende cativar. Isso aconteceu com as mulheres a partir da década de cinquenta, aconteceu algo semelhante com a comunidade gay que veio a revelar, sobretudo a partir de fins do século passado, uma capacidade de consumo não negligenciável. Mas, acabou por ocorrer o que se poderia ter previsto, as mesmas forças que forneceram condições económicas para a emancipação, acabaram por reduzir os efeitos desta canalizando-a em seu benefício.
Nos nossos dias, como sempre, o sexo é acerca de dinheiro, mas é-o a um nível nunca antes atingido, não só porque vende os produtos mais afastados de qualquer conotação sexual, como se vende ele próprio ou o seu simulacro, seja através da pornografia seja através da prostituição, e gera lucros astronómicos para os seus promotores. Claro que sempre que há dinheiro metido no negócio, quem tem a mão na massa gosta e precisa de reconhecimento e de respeitabilidade e assim não surpreendem tentativas, algumas já realizadas em alguns Estados, de legalização da prostituição e de normalização da prática, e de aceitação da indústria pornográfica.
Hollywood, que para além de fábrica de sonhos é fábrica de fazer dinheiro, também se rendeu à indústria do sexo e oferece-nos de bandeja, bem condimentadas comédias românticas onde a prostituição é estetizada, caso flagrante do sucesso comercial que foi, por exemplo, Preety Woman. É que parece não ser suficiente legalizar e normalizar é também necessário embelezar. E assim o capitalismo cultural do século XXI reduz-se a uma cultura do sexo onde o sexo é vendido como uma outra qualquer mercadoria e em simultâneo vende qualquer outra mercadoria.