Ironicamente, é mais uma vez o velho dualismo que entende a pessoa humana como um composto de duas substâncias heterogéneas e independentes - por um lado, o corpo, por outro, o espírito, que dá substância ao argumento a favor da legalização da prostituição. A mulher prostituída (pelo homem, é bom lembrar) não se venderia porque, afinal, poderia sempre preservar a sua alma ou espírito ou o seu verdadeiro ser ou o que quer que queiramos chamar-lhe. Mas este dualismo não tem qualquer base científica e se subsiste é apenas enquanto crença religiosa entranhada nas mentalidades. Porque não se pode separar a pessoa do seu corpo e do pensamento de que esse corpo é o substracto material, vender-se enquanto corpo é vender-se tout court enquanto pessoa, mesmo que essa venda seja temporária, lucrativa e, sobretudo, trivializada e aceite pela insensibilidade de quem não presta muita atenção a estas questões, a começar pela imensa maioria das mulheres prostituídas, que tem necessidades primárias a ser satisfeitas antes de se puderem entregar a essas lucubrações, e a acabar nos seus «clientes» que, pelos vistos, não têm capacidade para estabelecerem relações gratificantes com pessoas que sejam suas companheiras e iguais.
Curiosamente quem defende a legalização da prostituição com base neste argumento acusa as outras pessoas - as que se opõem à legalização, de puritanas, de moralistas tacanhas e mesmo de reaccionárias. É tão desconcertante que chega a ser patético se não fosse também triste. Mas é bom que percebam, uma vez por todas, que a oposição à legalização da prostituição é análoga à oposição à legalização da escravatura. Mesmo que, supostamente, algumas pessoas decidissem alienar os seus direitos enquanto pessoas e decidissem entregar-se como escravas a terceiras, se tal acontecesse, ninguém hoje, em seu perfeito juízo iria defender a restauração do regime esclavocrata, mesmo que os escravos fossem voluntários e dessem o seu consentimento. Todavia, também é bom lembrar que, quando esse regime social se encontrava instituído nos territórios coloniais europeus e nos Estados Unidos, muitas vozes, algumas autorizadas e respeitadas, se levantaram para defender a escravatura como o regime que mais interessava aos próprios escravos que, sem a protecção dos seus senhores teriam vidas muito piores e miseráveis. Provavelmente são vozes do mesmo tipo as que hoje se ouvem a favor da legalização da escravatura sexual, porque é disso que se trata, deixemo-nos de paninhos quentes, de eufemismos e de meias palavras.
É espantosa a facilidade com que as pessoas racionalizam aquilo que mais lhes convém e vai ao encontro dos seus interesses! Eu sei que as coisas têm de ser contextualizadas e que se deve evitar absolutizar, mas também sei que há coisas que estão erradas e dessa sabedoria eu não abdico: prestar-se a ser usada e vendida como uma mercadoria é uma dessas coisas. Legalizar é legitimar, é enviar a mensagem de que não há nada de errado com essa prática e, neste específico caso, é garantir aos homens, calma e tranquilamente sem amargos de boca nem ressentimentos, que não há nada de errado em tratarem mulheres de carne e osso, mulheres iguais às suas filhas, às suas mães ou às suas irmãs, como objectos, como mercadorias á disposição para a satisfação sexual que não são capazes de garantir pelos meios aceitáveis e porque não dizê-lo, socialmente saudáveis – já que não me consta que nem mesmo os mais acérrimos defensares da legalização consideram desejável ou saudável a prática da prostituição, penso que acima de tudo continuam a encará-la como um mal menor, ou estarei enganada e afinal a insanidade deste nosso mundo já me ultrapassou completamente?!
É ainda corrente defender-se a legalização da prostituição com base na teoria do contrato que foi a pedra basilar do liberalismo político dos séculos XVIII e XIX e que deixou boa memória já que veio garantir, formalmente pelo menos, que o poder dos governantes depende da aceitação dos governados, o que supõe a ideia de contrato social. É muito curioso constatar como para defender algo tão indesejável como a prostituição dá um enorme jeito cooptar conceitos e linguagem progressista: afinal é preciso garantir a liberdade de toda a gente e também a liberdade das mulheres prostituidas: se elas querem, se acham bem, que direito temos nós de lhes negar essa liberdade? Porque é que não havemos de reconhecer o direito de abdicarem da liberdade, se não querem ser livres, deixemos que sejam escravas, mais, pavimentemos o caminho, legalizemos a situação. Estas pessoas, tão prontas a utilizarem conceitos progressistas quando lhes dá jeito e hipocritamente, porque no fundo, bem no fundo, estão-se nas tintas para as mulheres prostituídas pelos homens, omitem habilmente outros conceitos que mostrariam as falácias das posições que defendem, e um desses conceitos é o de que há direitos que são inalienáveis, isto é, há direitos de que a pessoa humana não pode abdicar e um desses direitos é o de ser tratada como pessoa não como escrava.
Além deste importante aspecto, quem defende a legalização do «negócio» também esconde, ou pura e simplesmente ignora, que a teoria do contrato social quando surgiu, no fim do século XVII e no século XVIII, serviu para justificar a opressão das mulheres e a sua subordinação e submissão aos homens no seio da família. Alegava-se que pelo contrato de casamento as mulheres delegavam nos maridos o poder para as representarem e tratarem de todos os assuntos legais que lhes diziam respeito, nomeadamente administrarem os seus bens, o que por vezes faziam de forma verdadeiramente desastrosa na maior impunidade. Elas casavam, não casavam? Ninguém as forçava a assinarem o contrato de casamento e o contrato estipulava que elas se submetiam aos maridos, davam assim o seu consentimento. Mas que outras opções tinham as mulheres? O que podiam fazer se não assinassem o contrato? Que pressões se exerciam sobre elas? Eram minimamente livres para escolherem o quê?
Podemos estabelecer paralelo entre o contrato de casamento das mulheres na sociedade liberal da Europa moderna e o contrato, dos nossos dias, entre a mulher prostituída e os seus clientes e perguntar, sem os malabarismos do costume de gosto demagógico, que opções têm as mulheres prostituídas que dão o seu consentimento e que contratualizam os seus serviços? Ninguém as força (claro que isto, em inúmeras circunstancias, nem sequer é verdade) logo o contrato é válido? Mas será? Quem é que honestamente pode admitir a validade de um contrato em que a assimetria de poder entre as partes é tão escandalosa e desequilibrada. Parece que estamos a brincar com as palavras, mas é bom que não brinquemos com a vida das pessoas.
Resumindo, prostituição é igual a escravatura sexual. Você vai querer legalizar a escravatura? Você aceita legitimar um regime social que existiu na Antiguidade, no «glorioso tempo dos gregos e romanos, na Idade Média dos servos da gleba e na Época Moderna dos territórios coloniais e dos países que «importaram» pessoas desses territórios como se fossem autênticos animais? Você vai admitir que é legitimo – no sentido de que é legal, que algumas (muitas) mulheres sejam tratadas como animais, pelas quais você próprio não tem o mínimo respeito? Ou tem? Ou você acha que até é um emprego lucrativo, recomendável para a sua irmã ou filha? Coloque-se no lugar dessas mulheres, estimule a sua capacidade de empatia, deixe de verter lágrimas de crocodilo pela situação péssima das «coitadas» porque não têm condições de trabalho para estipularem os seus contratos. Mas de que é que estamos a falar, que trabalho é esse? Talvez eu de facto tenha o meu quê de puritana, concedo, para mim o trabalho, mesmo o mais modesto, tem uma dimensão libertadora; o trabalho é o meio pelo qual o ser humano transforma a natureza em objecto de fruição, a melhora, a torna mais harmoniosa e se torna a si também mais harmonioso. Mas onde está aqui a libertação, onde está a harmonia, a reciprocidade na relação, a preocupação e o respeito pelo outro enquanto pessoa? ! Não vejo e muito sinceramente acho que você também não vê!
Este texto foi de certo modo inspirado no texto de um outro blog: Rascunhos de um Pagão, que abordou de forma muito interessante o tema.
"É espantosa a facilidade com que as pessoas racionalizam aquilo que mais lhes convém e vai ao encntro dos seus interesses! (...) mas também sei que há coisas que estão erradas e dessa sabedoria eu não abdico: prestar-se a ser usada e vendida como mercadoria é uma dessas coisas."
ResponderEliminarConcordo plenamente com vc. Afinal é muito fácil para um homem vir aqui e defender a legalização da prostituição, já que não será ele a ser vendido, explorado e até sofrer com violências de todo tipo e também ter que realizar o ato sexual com várias pessoas num dia, sendo penetrado em seus orgãos internos, de todo jeito.
E acrescento que amplio o seu raciocínio e incluo apornografia nele, pois quem defende a legalização da prostituição e a pornografia feminina, também não se imagina no lugar dessas mulheres que estão a se vender para o sexo.
Sobre um comentário seu, no post A pornografia constroi as mulheres como coisas para uso sexual:
ResponderEliminar"De fato numa pornografia não sexista, a categoria de prostituição não me parece fazer qualquer sentido porque então nesse contexto, homens e mulheres estariam a receber dinheiro pela sua performance, mas a mulher não estaria a se vender para um homem. Desde que não haja a erotização da submissão e inferiorização da mulher, a questão muda completamente de figura."
Define-se prsotuição como:
Ato ou efeito de prostituir; atividade de quem obtem lucros através de serviços sexuais; o conjunto das pessoas que se prostituem etc...
Prostituir: oferecer serviços sexuais com objetivo de obter lucro; ter a prsotituição como modo de vida e etc...
Pornografia: estudo ou descriçao da prostituição e etc...
Fonte Priberam
A pornografia é prostituição, ou seja, a venda ou compra de corpos, de pessoas, para uso sexual. A questão permanece: quem se vende é mercadoria, esta se prestando e se tratando como uma mercadoria sexual, seja sendo vendida para um ou outro sexo.
Se a mulher não se vende para o homem, continua a se degradar, pois está se vendendo para o desfrute de outras mulheres. Mercadoria pura e simplesmente. Não tem justificativa comprar ou vender corpos e a manifestação da sexualidade que se realiza neste ou naquele corpo. Continua sendo prostituição.
Tratar um corpo, uma pessoa, um espírito como mercadoria é sempre submetê-lo à inferiorização.
Na Holanda onde a prostituição é legalizada, 85% das prostitutas são exploradas e sofrem violências, mas estão totalmente desprotedigas porque se é legalizada, não existe a figura do explorador.
Se a pornografia é produzida por mulheres, a exploração do corpo feminino como mercadoria também é a mesma, seja em que contexto for e a mulher continuará a ser explorada tanto na pornografia mainstream como na pornografia feminina ou não sexista, como preferir.
Se tudo é uma questão de mercado, se legaliza a prostituição para que o cliente homem não seja penalizada por comprar o corpo de uma mulher e tratá-la como mercadoria.
Se produz porno feminino ou não sexista pra que esse nicho do mercado seja atendido e o cliente homem possa continuar a consumir todo tipo de pornografia e o corpo da mulher continuará a ser tratado como mercadoria, porque será vendido para a produção desses filmes e continuará a ser vendido para a produção de outros...
Eu gostaria muito de saber qual é o posicionamento da autora deste blog em relação a estes assuntos.Ela me parece ser maluquinha da silva! Hora ela defende,hora ela ataca,é uma puta maluquice!
ResponderEliminarCreio que deve ser uma senhorita muito frustrada sexualmente,ao invés de ficar aqui defendendo prostituição e pornografia para outras,e ficar neste vai e vem,deveria estar rodando bolsinha nas esquinas de Lisboa ou fazendo uns filminhos casaieros qualquer com seu namorado(se é que ela tem um)num fundo de garagem.
Eu sou casada e graças ao meu bom Deus muintissimo bém casada,eu nunca ví em toda minha vida coisas horrorosas dessa maneira as mulheres perderam completamante o sentido da vida tenho certeza de que os horrores que estão acontecendo no mundo não é por causa do aquecimento global não,é por causa da falta de vergonha de algumas infelizes que só vive de luxuria dinheiro e isso te levará ao fim da mais absoluta desgraça posteriormente é um verdadeiro massacre em busca de prazer, que Deus tenha miséricordia de vcs.
ResponderEliminarPare e pense pois esse comportamento é um comportamento diabólico ao ver tambem que não estar publicado mais sabemos que existe tambem homens que massacra crianças usando seus corpos sexualmente esses doentes mauditos vocês teram no inferno um lugar que só vcs. poderam usufruir é horrivel o que esses loucos fazem como mercados do sexo até mesmo com mulheres imagino que as pobres crianças sofre meu Deus não sou contra o sexo pois o mesmo é para ser feito com amor respeito e devidamete em um casamento fiel e feliz não dessa maneira canibais horrivel!!!!
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