terça-feira, 3 de maio de 2011

Narcisismo feminino e alienação



Segundo Freud, o narcisismo é o estádio infantil da libido no decurso do qual o instinto sexual toma como objecto a própria pessoa; por isso designa-se de fase auto-erótica. Meninos e meninas passam por esse estádio; mas enquanto os primeiros amadurecem e ultrapassam-no, as meninas tendem, diz Freud, a fixar-se nele.
A fixação das mulheres no narcisismo funciona, segundo Freud, como um mecanismo de compensação da inveja do pénis e respetivo complexo de castração, experimentado quando descobrem a «inferioridade» do seu órgão sexual quando comparado com o dos meninos. Para compensarem a sua inferioridade sexual tendem a admirar o próprio corpo; inconscientemente sentem-se deficientes e, num processo também inconsciente, voltam-se para elas próprias, para a valorização dos seus encantos físicos que funciona como uma compensação para a sua inferioridade sexual, tendência que se intensifica na adolescência.
Em certo sentido, nesta teoria, o narcisismo feminino é apresentado como o correlato do masoquismo, e até tornaria este último aceitável; seria pois uma coisa boa para contrabalançar uma má; mas Sandra Lee Bartky não deixa de salientar com algum azedume que tal visão, ao invés de resolver o problema o complica, pois o narcisismo irá revestir-se de consequências negativas para a realização da mulher enquanto pessoa, pelo que, em princípio não será uma coisa positiva:


«[Diz-se que] sem o antídoto do amor-próprio, a mulher sentir-se-ia incapaz frente aos infortúnios que uma natureza inerentemente masoquista lhe trariam – como se uma constituição psíquica composta em tão larga medida de masoquismo e narcisismo já não fosse infelicidade bastante.»


Esta teoria sobre o narcisismo feminino encontra como suporte a teoria da inveja do pénis - hoje descredibilizada - e ignora completamente o contexto social e político que enquadra o desenvolvimento das jovens - é uma teoria essencialista; por estes motivos carece de plausibilidade. Em Simone de Beauvoir encontramos uma explicação para a persistência do narcisismo feminino bem mais plausível; segundo ela, o narcisismo resulta da situação em que decorre a vida das mulheres que as predispõe a encararem o seu próprio corpo não como um instrumento que lhes permite transcender a sua condição, mas como um objeto destinado a ser olhado e apreciado por outrem.
De fato, no passado, como ainda nos nossos dias, as mulheres, desde muito jovens, são objetificadas sexualmente e é aqui que se deve procurar a raiz do narcisismo – não na inveja do pénis. A consequência desse fenómeno de objetificação na formação do psiquismo feminino reveste uma dimensão dramática: a existência das mulheres vai depender de tal maneira do olhar dos outros que elas acabam por interiorizar esse olhar; a sua personalidade é fragmentada pois elas são em simultâneo o objecto que é mirado, mas também se vigiam a elas próprias. Nelas sujeito e objecto vão coincidir, ou melhor dito, a mulher tenderá a coincidir com o seu próprio corpo, a reduzir o seu eu total ao eu corpóreo, o que obviamente significa um empobrecimento.

O mais grave da objetificação sexual é que ela é uma tentação para a mulher, que proprende a encará-la positivamente enquanto fonte de gratificação: ser valorizada e apreciada enquanto corpo é qualquer coisa! Mas não percebe como, desse modo, está a reduzir o leque das suas possibilidades no mundo, está a remeter-se para a imanência que governa o mundo das coisas. Para além deste aspecto, como diz Beauvoir, «ao identificar o seu eu com o eu corpóreo» a mulher evita o fardo e o risco de uma subjetividade que tem de se constituir e afirmar. A mulher infantil, dependente, amada, porque submissa e dócil, não terá de se preocupar em garantir para si um lugar no mundo à custa do seu próprio esforço e trabalho.


Para reforçar a permanência da mulher na fase narcísica, radicada na objetificação sexual, é necessária a intervenção de um outro instrumento - o complexo moda/ beleza, de que Sandra Lee Bartky fala. Esse “instituto”, substituindo-se nos nossos dias ao papel anteriormente exercido pela Igreja e pela família, regula a feminilidade, criando ansiedade e necessidades fictícias nas mulheres e apresentando em simultâneo os remédios que devem tomar para se aproximarem da perfeição, de acordo com padrões estéticos por ele estabelecidos e, de uma maneira geral, sempre inatingíveis. Assim tudo se faz para que a mulher nunca ultrapasse a fase narcísica: começa-se pela objetificação sexual e complementa-se com a imposição de uma estética que a obriga a um esforço permanente para aproximar esse objeto do padrão estabelecido, centrando-se e ocupando-se constantemente com o corpo, como se uma mulher, em vez de ser uma pessoa, fosse principalmente um corpo.


Denunciar o caráter alienante do investimento narcísico é necessário, mas tem sido uma estratégia que muitas mulheres não compreendem nem aceitam e que em parte explica o seu afastamento do feminismo: como se as feministas quisessem tirar-lhes a única fonte de gratificação que têm à sua disposição. Claro que toda a cultura se esforça por reforçar esse sentimento: postas perante a possibilidade de serem rainhas de beleza ou cientistas de nomeada, provavelmente a maioria das jovens seguiria a primeira possibilidade, afinal nada se compara ao glamour da beleza, e ser cientista exige esforço e capacidade para diferir o prazer imediato, algo que é visto e apresentado como demasiado cansativo e entediante, além de que as intelectuais, de um modo geral, são percebidas como pouco atraentes sexualmente. Tudo isto complementado com os modelos que a midia propõe às jovens, sempre repetida e insistentemente do primeiro tipo, nunca do segundo.


Se a objetificação sexual é uma fonte de gratificação a que sobretudo as adolescentes e as jovens mulheres dificilmente conseguem resistir, como vamos dizer-lhes que é uma coisa má, quando de fato não é essa a tonalidade afetiva que a acompanha?
Para perceber porque é que a objetificação sexual é negativa temos de a desconstruir e de revelar as consequências nefastas que vai revestir; temos de oferecer às jovens modelos que não sejam os dos concursos de beleza, das estrelas pop ou dos anúncios publicitários. Mas esta tarefa é praticamente impossível enquanto os midia estiverem dominados por uma cultura informativa e de entretenimento que navega exatamente em sentido contrário.

4 comentários:

  1. Las teorías de Freud so solo pseudo-ciencia basada en la especulación y no en el verdadero método científico. Por suerte hoy sabemos que se equivocaba en casi todo, pero me entristece saber que aún hay gente que le cree.

    Tengo que leer a Simone de Beauvoir, jejejeje.

    Te invito a leer, por si te interesa, una entrada que hice hace bastante tiempo sobre el machismo de Freud.

    http://educacion-enrique.blogspot.com/2010/12/sigmund-freud-en-la-cultura-y-la.html

    Como siempre, encantado de leerte.

    Besos.

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  2. Enrique
    Já li teu artigo sobre Freud. Muito claro e com excelente argumentação.
    De fato é lamentável como uma pseudo-ciência pode ter tamanha divulgação e um efeito tão nocivo sobre a vida das pessoas. O problema é que as teorias freudianas são acima de tudo histórias muito bem contadas, mas são histórias, como salientas no teu texto.
    Abraço, Adília.

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  3. Adilia:

    Te he dejado un premio en mi blog.

    Saludos.

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  4. Sou mestre em lógica e filosofia da ciência pela UFMG e Popper, Kuhn, Lakatos e todos os filósofos da ciência até hoje NÃO conseguiram uma linha demarcatória que separe ciência de pseudo-ciência!

    O único critério que dá para adotar nos sós dias é "é útil ou não é útil? Presta para ajudar a humanidade ou não presta para ajudar a humanidade?"

    A psicanálise é a neuropsicanálise servem para ajudar a humanidade, logo, assunto encerrado!

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