sábado, 23 de julho de 2011

Porque é tão difícil resistir à objetificação


Vem este post a propósito daqueles que insistem em considerar que o facto de os homens objetificarem as mulheres é algo natural, normal e desejável tanto para os homens como para as mulheres. A reflexão que se segue procura lançar alguma luz sobre tão momentoso tema e é inspirada na leitura de Simone de Beauvoir.

Dada a ambiguidade da existência humana, Beauvoir faz-nos perceber que ser um ser humano, independentemente do sexo, é sempre correr o risco de auto-objetificação; esse risco é particularmente exacerbado para as mulheres, porque em relação a elas, diferentemente do que acontece com os homens, tudo na sociedade e na cultura as convida a desistirem de se afirmarem como indivíduos dotados de autonomia e de capacidade para transcenderem a experiência imediata, numa palavra, tudo as convida a desistirem de viver uma vida genuinamente humana.
Cada ser humano é simultaneamente um sujeito dotado de consciência, capaz de transcender o dado, e um objeto corpóreo que pode ser, e é, alvo dos juízos dos outros. A separação sujeito/objeto, referida por Beauvoir e também por Sartre, embora desprovida de uma base ontológica - tal como Descartes a tinha entendido - subsiste porque o eu consciente expressa-se através do corpo e o corpo é o que os outros vêem. Beauvoir não aceita o bi-substancialismo nem o dualismo antropológico; para ela, como para Sartre, no ser humano, mente e corpo são indissociáveis, mas o que ocorre é que do ponto de vista fenomenológico - do que aparece - eu experiencio-me como um sujeito, mas os outros experienciam-me como um objeto, isto é, a nossa experiência é uma experiência de dualismo. Ou, se quisermos reciclar a terminologia, é uma experiência de uma certa tensão entre imanência e transcendência, a primeira prende-nos ao dado, a segunda impele-nos a ir mais além.
Negar-se a encarar esta realidade, afirmando uma subjetividade pura ou negando-a totalmente - aquilo que Sartre designa de má fé – foi, segundo Beauvoir o que ocorreu ao longo do processo histórico com o homem a perceber-se como sujeito e a procurar, por contraponto, perceber a mulher como objeto. Para as mulheres, como os homens tendem a objetificá-las, a primeira reação é anteciparem-se ao lance e objetificarem-se a elas mesmas, mas com isso só simplificam a tarefa, desistindo de assumir uma existência autêntica, independentemente do risco e da angústia que possa comportar.
Posto isto, malgrado todas as dificuldades, para que as mulheres se realizem como seres humanos é necessário não apenas que os homens parem de as objetificar como elas próprias têm de resistir à tentação de se objetificarem a si mesmas e têm de procurar assumir-se como sujeitos responsáveis pela sua vida, com uma palavra a dizer àcerca de si mesmas e do mundo que as rodeia.

6 comentários:

  1. Obrigada pelo comentario.
    abraço, adília

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  2. Adília, esse seu post veio em um momento certo pois estou há algum tempo pensando sobre a objetificacao e a comercializacao de tudo. Tudo se tornou "coisa", tudo é mercadoria. No caso das mulheres é ainda mais perceptível pois há quase uma "coercao" social para que elas se tornem objeto nao só do homem, mas de todos que a cercam. Aquelas que lutam contra isso, nao raro, tem seu caráter ou até mesmo sua saúde mental questionada.
    Ser quem você realmente é e nao ser subjulgada por esses "valores" sociais é uma batalha diária, muitas vezes cansativa, muitas vezes frustrante. Porém é sempre libertador!!!

    Fran

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  3. Fran
    Não posso estar mais de acordo. Sabe que às vezes também me apetece baixar os braços e desistir? Sobretudo quando vejo a nossa incapacidade de nós mulheres nos organizarmos minimamente e criarmos espaços de comunicação e intervenção. Mas depois volta aquela raiva mansa que me sustem ...
    abraço, adilia

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  4. Muito bom post,
    Não desista de escrever Adília.
    Compreendo-a quando diz que, por vezes, lhe apetece desistir e baixar os braços, mas é preciso continuarmos a escrever sobre estas questões, mesmo que seja para bater na mesma tecla, para procurarmos consciencializar outras mulheres e homens e, assim, provocarmos a mudança!
    Um abraço feminista ;o)

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  5. A verdade é que se você não se objetifica, não tem a aceitação social, e eu já desisti de viver sem ela, é um fardo pesado demais...

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