terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O que os homens de ciência têm dito sobre as mulheres

Podemos começar com Aristóteles - o homem que inventou a ciência - para percebermos que afinal a ciência também tem sexo e este é masculino.
Na opinião do conceituado filósofo, a mulher carecia de qualquer coisa, era uma deformidade da natureza, acusava uma deficiência: a fêmea humana não tinha calor suficiente para transformar o sangue menstrual em sémen; desse modo, o seu contributo para a concepção era diferente do do homem num sentido que nitidamente a inferiorizava: o homem contribuía com o sémen, mas a mulher limitava-se a fornecer o receptáculo no qual o novo ser se ia desenvolver, e o sangue menstrual tinha apenas valor como elemento nutritivo. Na terminologia aristotélica, o homem fornecia a forma e a causa eficiente, a mulher, apenas a causa material. Aristóteles, todavia, não ficava por aqui e mimoseava as mulheres com outras pérolas de misoginia; afirmava que «a coragem de um homem reside no comando, a da mulher na obediência»; e que «a matéria está para a forma, como a mulher para o homem e o feio para o belo.

Alguns séculos depois, Galeno, atribuía o estatuto social inferior da mulher à sua natureza, uma natureza mais fraca que a predispunha para a submissão.

Na época moderna, Harvey reconheceu que a mulher contribuía com o óvulo para a concepção e desse modo rebateu Aristóteles, mas mesmo assim concedia que o papel do homem era superior. Na mesma época, Descartes, o criador da filosofia moderna, afirmava que era o sémen masculino que dotava o novo ser de alma.

No século XIX, as proclamações da ciência sobre a natureza das mulheres ganharam todo um outro impacto em virtude do prestígio que a ciência adquiriu ao pretender basear as suas conclusões em observações e experiencias rigorosas. Passou a ser uma autoridade que ninguém se lembrava de contestar, e tornou-se o novo ídolo e a nova religião. Novas ciências surgiram, entre as quais a biologia e a psicologia vão ocupar um lugar de destaque, mas também a sociologia e a antropologia. A teoria evolucionista de Darwin forneceu muito naturalmente o enquadramento teórico no qual as diversas ciências se dispuseram a trabalhar. Darwin enfatizava a desigualdade sexual com base em naturezas diferentes e considerava que a situação das mulheres não era problemática.

Nos nossos dias, a sociobiologia e a psicologia evolucionista procuram não desmerecer esta ilustre e antiquíssima tradição e, ao enraizarem determinadas praticas sociais na biologia, transformam o sexismo numa inevitabilidade.

Como podemos ver, apesar de toda a ‘objetividade’ todo o cuidado é pouco pois os factores culturais desde sempre contaminaram os produtos científicos e confirmaram frequentemente a visão do mundo e da vida que favorece certos setores da sociedade em detrimento de outros.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Sexismo sim, mas esclarecido !!


Susan J. Douglas, no livro Enlightened Sexism: The Seductive Message that Feminism's Work is Done chama a nossa atenção para um fenómeno que ocorre quotidianamente diante dos nossos olhos, mas que porventura passa desapercebido à maioria. A esse fenómeno chama “Enlightened Sexism” – sexismo esclarecido.
Susan J. Douglas interpreta este fenómeno como uma resposta ao que é percebido como a ameaça de um novo regime de género. Nesse contexto, a mensagem do sexismo esclarecido, passada à saciedade pelos media de informação e de entretenimento, bem como pela moda e pela publicidade, é a de que estamos numa era pos-feminista pois a igualdade e a emancipação das mulheres já são uma realidade e por isso não há qualquer problema em trazer de volta os estereótipos sexistas, enquadrados no velho e antiquíssimo paradigma do eterno feminino.
A mensagem que se vende é a de que explorar rostos, corpos, atavios e sexualidade dá as mulheres verdadeiro poder sobre os homens e ainda por cima é um poder que eles não ressentem, antes apreciam. Ser poderosa não é ter independência económica, não é realizar-se profissionalmente, não é ter capacidade de decisão e de intervenção na esfera pública, mas sim ter aquilo que as mulheres sempre tiveram: capacidade e dotes para explorar a sua aparência física e dela tirar dividendos. Assim sendo nem sequer se percebe para que foi preciso o feminismo, mas ninguém se lembra de tirar esta conclusão tão óbvia.
As adolescentes e as mulheres jovens são o alvo privilegiado desta forma sofisticada de sexismo porque são as mais vulneráveis e no imediato as que tem mais condições de tirar dele algum partido. Gastarem a sua energia para agradarem aos homens, competirem com as outras mulheres e consumirem os produtos que as vão tornar irresistíveis é o programa e o plano de vida.
O sexismo sofisticado veste as roupagens do feminismo; as mulheres agora podem escolher e se quiserem escolher ser objetos sexuais o problema é delas e ninguém tem nada com isso. Mas a intenção não declarada é a de desfazer os estragos que o feminismo fez, lembrando constantemente às mulheres e às jovens que o importante é serem femininas e não tentarem ser iguais aos homens. Ser feminina é preocupar-se com a aparência, preocupar-se em agradar, rivalizar com as outras mulheres e considerar secundária a carreira profissional e o investimento pessoal em outra coisa que não sejam cosméticos, cirúrgias estéticas e outros atavios. E neste embróglio as jovens não percebem que apenas se lhes está a dar a oportunidade de serem aquilo que as suas avós foram e que despertou em algumas o desejo e a luta pela mudança.
Para além da valorização da aparência, mostrar às mulheres a importância do seu ‘destino biológico’ é outro trunfo que o sexismo sofisticado utiliza com extrema habilidade. Mais uma vez se esquece que esse sempre foi o modelo da “verdadeira mulher”, já no período da luta pelo sufrágio feminino. Temos assim que mamas de silicone, dietas e preocupação obsessiva com as crianças e a maternidade compõem hoje a receita do sexismo sofisticado a ministrar às jovens mulheres. Com tal dieta a sociedade pode descansar pois não há razão para preocupações e as coisas vão continuar no seu correto lugar. Afinal, mais uma vez foi preciso mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma.
A conclusão que Susan J. Douglas formula resume bem o “estado da arte”: “Com tudo isto o que os media realçam é que as mulheres se definem pelos seus corpos. Não há nada de novo nisto, certamente, mas era algo que milhões de mulheres julgavam ter enterrado nos idos de 70 do século passado. Na verdade é precisamente porque as mulheres não mais têm de exibir os traços de personalidade tradicionalmente femininos como serem passivas, dóceis vulneráveis, abertamente emocionais, tolas e deferentes para com os homens, que devem exibir traços hiper-femininos diferenciadores. (…)
Esta é agora a nossa missão: correr a cortina e mostrar como estas fantasias, a despeito de todas as mudanças, nos distraem do nosso persistente status de cidadãs de segunda classe.” (Susan J.
Douglas, Enlightened Sexism)

sábado, 14 de janeiro de 2012

Erotizar as relações de domínio/submissão será suficiente?

Todas as pessoas minimamente informadas já perceberam que conferir uma carga erótica, por outras palavras, sexy, à dominação sexual das mulheres pelos homens é uma constante na publicidade e na pornografia, passando pela moda e por outros meios mais diferidos de transmitir mensagens. Por que isso acontece é o que Marianne Hester nos revela; também explica como é ainda necessário complementar esse recurso com outros instrumentos persuasivos, como sejam a violência, a ameaça de violência e outras pressões ideológicas.

“Os homens têm, e mantém, poder sobre as mulheres de modos muito diferentes e a diferentes níveis: no trabalho, em casa, através da legislação, etc. Mas o aspecto mais crucial para a compreensão da opressão das mulheres e da dominação masculina é a análise da sexualidade, porque é a partir da construção das sexualidades masculina e feminina, que podemos observar a dinâmica central da dominação masculina sobre as mulheres.
No contexto da supremacia masculina, as sexualidades feminina e masculina são construídas como especificamente diferentes e desiguais. Isto levou MacKinnon, por exemplo, a argumentar que o masculino e o feminino são criados através da erotização da submissão e do domínio. Por outras palavras, o poder dos homens e a inferioridade social das mulheres são tornadas sexy. O processo de construção das mulheres como eróticas ou sexy objetifica-as, colocando as mulheres como subordinadas e os homens como dominadores. Podemos ver isso particularmente na pornografia e nas relações heterossexuais, nas quais a sexualidade masculina objetifica o objeto feminino de desejo, enquanto a sexualidade feminina é objetificada pelo sujeito masculino desejado. Mas este processo é mais generalizado do que estes exemplos sugerem, é integral a todas as relações masculino/feminino no quadro da supremacia masculina. È isto que faz da supremacia masculina um caso único e persistente.
A dominação masculina sobre as mulheres pode parecer natural, mas esse não é o caso. Os homens têm de manter ativo e de perpetuar o seu poder sobre as mulheres. Como na manutenção de qualquer tipo de ordem social, isto acontece sob pressão para consentimento, incluindo a força, a ameaça de força e as pressões ideológicas.”
Marianne Hester, Lewd Women and Wicked Witches


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Do feminismo socialista ao feminismo radical

“Durante os anos setenta considerei-me uma feminista socialista. Resumindo, pensava que a opressão das mulheres decorria primariamente do interesse das relações sociais capitalistas ou das relações sociais ‘económicas’ mais do que do dos homens. Mas os fins dos anos setenta podem ser vistos como um ‘ponto de crise’ da análise feminista socialista e eu não fui excepção.
Nessa época surgiram novas preocupações feministas, em particular as divisões raciais entre as mulheres e a violência masculina, mas as teorias feministas socialistas e marxistas, baseadas largamente ou principalmente na análise das relações de produção capitalista, mostravam-se incapazes de fornecer as respostas adequadas.
(…) Juntamente com outras feministas vi que estas dificuldades em aplicar a análise feminista socialista e marxista eram também acompanhadas pelo comportamento dos homens da extrema-esquerda que proclamavam ser aliados do Movimento de Libertação das Mulheres. Em resposta às críticas feministas, alguns homens estavam a mudar o seu comportamento, mas o resultado era frequentemente mais um meio ínvio e escondido de assegurarem a continuação do seu controlo e poder em relação a mulheres do que de minar a dominação masculina. Outros eram abertamente hostis ao Movimento de Libertação das Mulheres e viam as preocupações feministas como uma distração da ‘ verdadeira luta’ dos conflitos de classe. (…)
Achei que a análise que toma como ponto de partida a produção económica era inadequada para explicar estas complexas relações de género, Em vez disso, um enquadramento teórico com um conjunto diferente de prioridades, em que a opressão das mulheres é vista primariamente no interesse dos homens e suportada por uma ideologia que considera os homens superiores as mulheres, parecia-me mais apropriada.
Neste enquadramento, as mulheres são oprimidas pelos homens enquanto grupo, mais do que pelo sistema económico ou pela sociedade. Este tipo de perspetiva tem sido, desde os inícios do Movimento de Libertação das Mulheres, o das feministas radicais.”
Marianne Hester, Lewd Women and Wicked Witches.