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segunda-feira, 11 de junho de 2012

O "Eu", o "Outro" e o amor romântico

“No Segundo Sexo, publicado em 1949, de Beauvoir desenvolveu uma análise hegliana do sistema patriarcal. A dinâmica chave é a tendência fundamental da consciência humana que, ao tomar consciência de si mesma como sujeito e, em simultâneo, ao dar-se conta da existência de outros sujeitos, procura vê-los como objetos, como o “outro” e como “inferior”, numa espécie de defesa contra o medo que sente da subjetividade deles. Se não houver um esforço para reconstruir a reciprocidade - o reconhecimento dos outros como seres livres e iguais -, esta tendência, combinada com as condições de vida variáveis dos diferentes grupos, leva inevitavelmente a relações de domínio e subordinação.

Os membros de grupos dominantes transformam-se em “eus” que reduzem a ameaça dos “outros”, percebendo-os como objetos. Esta foi a dinâmica base que historicamente modelou as relações entre homens e mulheres, produzindo formas de consciência diferenciadas pelo género as quais por seu turno foram reforçadas através das situações de vida dos sexos. As mulheres, definidas como “outros”, são direcionadas para uma vida de dependência, vulnerabilidade e auto sacrifício numa esfera de “imanência”. Os homens, definidos como “sujeitos”, são direcionados para uma vida de independência, força e autodeterminação.

Segundo de Beauvoir, a ideologia do amor romântico desempenha um papel significativo na manutenção deste padrão de arranjo social. Sendo-lhe negada a visão da sua própria transcendência, a mulher aprende que devotar-se completamente a um homem é o meio de a sua própria vida adquirir um significado para além do domínio da imanência. (…)
Em ordem a perseguir este aparente caminho de salvação, a mulher tem de acreditar no impossível: na libertação através da servidão. Numa tentativa de resolver este paradoxo, tem de usar de “má-fé”, mas tal envolve entrar numa série de manipulações e de auto mistificações que ainda a aprisionam mais. Só pode libertar-se se terminar a ligação, mas isso é aterrador porque significa ver-se confrontada com aquilo que precisamente a levou a entrar nela: a incapacidade para alcançar a sua própria transcendência. O amor romântico é assim uma fraude existencial.”

Wendy Langford: Gender, Power, and the Delusions of Love. Routledge. London. 1999. p. 5.

sábado, 12 de novembro de 2011

Poligamia e mulheres felizes

Num Ensaio publicado em meados do século XIX a que deu o título «Sobre as Mulheres», o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), ilustre crítico da instituição da monogamia, defendeu a sua posição com clareza e sem papas na língua.

Em sua opinião, a mulher ocidental da classe média alta - que ele designa de «lady» -usufruía de direitos que não eram naturais, direitos esses que lhe eram conferidos pela instituição da monogamia e que lhe reconheciam um estatuto de igualdade em relação ao homem. Ora Schopenhauer considera a mulher um ser secundário e inferior ao qual decididamente não convém tal estatuto. Além disso, essa situação, segundo o filósofo, teria efeitos perversos, levando muitos homens a evitarem comprometer-se matrimonialmente, com a consequência de muitas mulheres ficarem solteiras e sem recursos próprios o que empurraria uma boa parte para a prostituição e outras para uma situação deplorável:

“Nas classes altas vegetam como solteironas inúteis, nas classes baixas são reduzidas a trabalho duro de gosto discutível ou tornam-se prostitutas e levam uma vida que é tão triste como desprovida de honra.”

Em contrapartida, diz ele, nas regiões onde a monogamia se encontra substituída pela poligamia estes lamentáveis problemas não se colocam e as mulheres encontram facilmente quem as sustente; assim, justifica a poligamia com o argumento de que é benéfica para mulheres, e também é benéfica para os homens, porque um homem precisa de muitas mulheres. De resto afirma não ser preciso defender a poligamia porque ela existe em toda a parte:

“Todos nós vivemos, pelo menos durante algum tempo e a maioria de nós sempre, em poligamia. Consequentemente, como cada homem precisa de muitas mulheres, nada é mais justo do que permiti-lo, desde que se garanta o sustento das mulheres”

Embora exista em toda a parte, pode é não se encontrar regulada e era isso que, segundo Schopenhauer se devia fazer no Ocidente, criando condições para que as mulheres retornassem ao seu lugar natural de subordinadas dos homens que deveriam tomar conta delas garantindo a sua subsistência. Desse modo:

“A «lady», esse monstro da civilização europeia e da estupidez cristã-teutonica, com a sua ridícula pretensão de respeito e veneração, não mais existirá; haverá ainda mulheres, mas não mulheres infelizes, de que no presente a Europa está repleta.”

Aqui temos pois um Schopenhauer que não conhecíamos, muito preocupado com a felicidade e bem-estar das mulheres. Só ficamos em dúvida se ele sabia fazer contas já que dado que o número de mulheres é aproximadamente igual ao dos homens, ou mesmo bastante inferior - se considerarmos que pelos padrões dele a partir de certa idade as mulheres ficam imprestáveis – deve ser extremamente difícil garantir o usufruto da poligamia para uma parte considerável do sexo masculino.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O filho de Johanna Schopenhauer

De Arthur Schopenhauer e da leitura da sua diatribe “Sobre as Mulheres” deixo-vos com estas pérolas de pura e requintada misoginia:

“ Que a mulher está por natureza destinada a obedecer é evidenciado pelo facto de que qualquer mulher, colocada na posição não natural de absoluta independência, de imediato se liga a um qualquer tipo de homem, pelo qual é controlada e governada; isto acontece porque ela precisa de um dono. Se é jovem, o homem é um amante, se é velha, um padre.”

Imaginem lá em quem é que este marmanjo estaria a pensar quando escreveu tão sábias reflexões?! Nada mais nada menos que na própria mãe, Johanna Schopenhauer. Atraente, viva e inteligente, Johanna teve de casar aos dezoito anos com um homem vinte anos mais velho, ainda por cima, taciturno e depressivo. Não admira pois que com a morte do marido, que provavelmente se suicidou, livre de restrições matrimoniais, ainda na casa dos trinta, tenha começado a viver nos seus próprios termos. O facto é que se tornou uma escritora conhecida, a primeira em território germânico a escrever sem recurso a pseudónimo. Claro que o filho de Joahnna Scopenhauer - como foi conhecido durante a maior parte da sua vida - não podia perdoar-lhe tanta assertividade.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Amor e sexo em Schopenhauer

Arthur Schopenhauer (1788-1860) foi um filósofo alemão cujas considerações sobre amor e sexo devem ser conhecidas, dada a potencialidade de misoginia que implicam. Schopenhauer conseguiu dar uma aparência de rigor aos preconceitos mais caros do senso comum, mas nesse aspecto não fez mais do que seguir uma velha tradição que fornece exemplos constantes da misoginia do Canon filosófico. De facto, foi sempre muito apelativo, uma vez enfraquecido o respeito pelos preceitos divinos, “naturalizar” a injustiça social nas suas diversas vertentes:

«Por disposição natural os homens são inclinados à inconstância no amor, as mulheres à constância. O amor do homem decai perceptivelmente a partir do momento em que obtém satisfação; quase qualquer outra mulher o encanta mais do que aquela que já possuiu, ele anseia por variedade. Por outro lado, o amor da mulher aumenta a partir desse momento. Isto é uma consequência do objetivo da natureza que é dirigido para a manutenção e por isso para o maior aumento possível da espécie. O homem pode gerar facilmente para cima de uma centena de crianças por ano, a mulher, pelo contrário, pode apenas trazer uma criança ao mundo cada ano (deixando de lado o nascimento de gémeos). Por isso o homem sempre andará à procura de outras mulheres, a mulher agarrar-se-á firmemente a um homem, porque a natureza move-a por instinto e sem reflexão a reter aquele que alimenta e protege os seus frutos. De acordo com isto, a fidelidade no casamento é artificial no homem e natural na mulher e por isso o adultério por parte da mulher é muito menos perdoável do que por parte do homem, tanto objetivamente por conta das consequências como subjetivamente por conta de não ser natural.”[1]



Schopenhauer, O Mundo como Vontade e como Representação.