Os membros de grupos dominantes transformam-se em “eus” que reduzem a ameaça dos “outros”, percebendo-os como objetos. Esta foi a dinâmica base que historicamente modelou as relações entre homens e mulheres, produzindo formas de consciência diferenciadas pelo género as quais por seu turno foram reforçadas através das situações de vida dos sexos. As mulheres, definidas como “outros”, são direcionadas para uma vida de dependência, vulnerabilidade e auto sacrifício numa esfera de “imanência”. Os homens, definidos como “sujeitos”, são direcionados para uma vida de independência, força e autodeterminação.
Segundo de Beauvoir, a ideologia do amor romântico desempenha um papel significativo na manutenção deste padrão de arranjo social. Sendo-lhe negada a visão da sua própria transcendência, a mulher aprende que devotar-se completamente a um homem é o meio de a sua própria vida adquirir um significado para além do domínio da imanência. (…)
Em ordem a perseguir este aparente caminho de salvação, a mulher tem de acreditar no impossível: na libertação através da servidão. Numa tentativa de resolver este paradoxo, tem de usar de “má-fé”, mas tal envolve entrar numa série de manipulações e de auto mistificações que ainda a aprisionam mais. Só pode libertar-se se terminar a ligação, mas isso é aterrador porque significa ver-se confrontada com aquilo que precisamente a levou a entrar nela: a incapacidade para alcançar a sua própria transcendência. O amor romântico é assim uma fraude existencial.”
Wendy Langford: Gender, Power, and the Delusions of Love. Routledge. London. 1999. p. 5.