Ao analisar o erotismo enquanto exploração dos sentimentos e emoções despertadas pelo sexo, Shulamith Firestone chegou a conclusões interessantes, autênticas descobertas para a época, se lembrarmos que publicou o livro no início da década de setenta do século passado. Com extraordinária perspicácia, conseguiu verbalizar e objectivar aquilo que muitas mulheres sentiam e sentem mas não conseguem exprimir e desse modo fica resguardado numa espécie de limbo. Atrevo-me a dizer que, ainda hoje, a maior parte das mulheres e homens teriam muito a ganhar no sentido de viverem vidas mais felizes e realizadas, se lhe dessem alguma atenção.
Firestone mostrou que o erotismo, tal como é expresso na literatura, cinema, publicidade, pornografia e muitas outras formas difusas de transmitir e comunicar mensagens, é diretamente dirigido aos homens – eles são o público-alvo. O erotismo estimula constantemente a sua sexualidade e leva-os a perceberem as mulheres como objetos de “amor”, conseguindo, em simultâneo que as mulheres se identifiquem com essa percepção. É pois sempre um erotismo de um só sentido, nunca visa estimular diretamente as mulheres; implicitamente, o prazer delas é sempre entendido como um prazer vicariante: elas têm prazer não em desejarem os homens mas em sentirem que são desejadas por eles.
De facto, basta darmos atenção á publicidade e pornografia main stream para constatarmos que o erotismo é diretamente dirigido aos homens, não às mulheres: são sempre as mulheres que são objetificadas, nunca os homens. Com tal saturação de imagens e de narrativas, também facilmente se percebe como as mulheres acabam por interiorizar essa objetificação.
Que é o prazer do homem que está em questão talvez pareça mais problemático; mas se percebermos que o suposto prazer que as mulheres parecem experimentar decorre de atos que esses sim indubitavelmente dão prazer ao homem, talvez comecemos a entender como as coisas funcionam e como se está perante uma mistificação: o que importa é o prazer do homem, mas convém parecer que o prazer da mulher é coincidente com o dele. No limite o que se desejaria é que a mulher tivesse autêntico e real prazer com tudo o que dá prazer ao homem; mas se as coisas não se passarem exatamente dessa maneira, desde que se salvem as aparências, também não é assim tão relevante. Afinal elas nem reclamam!
Curiosamente, acontece com o sexo o que acontece com o amor, assim como o homem idealiza a mulher que ama, de tal modo que se pode dizer que não ama a mulher mas antes uma projeção ideal dele próprio, também em termos sexuais constrói o seu prazer com base numa ficção sobre aquilo que dá prazer à mulher que de facto é aquilo que lhe dá prazer a ele.
Deste modo, o erotismo tal como se expressa funciona como instrumento de reforço daquilo a que Firestone chamou sistema de classes sexuais, mais comummente conhecido como sistema de supremacia masculina.