A crença de que a natureza feminina implica uma componente masoquista, ainda hoje amplamente difundida, parte do pressuposto de que as mulheres têm uma predisposição biológica para o masoquismo.
Comportar-se passivamente, todavia, não é de modo algum sinónimo de felicidade ou sequer de prazer; qualquer ser humano, em princípio, aprecia a atividade, aprecia poder dispor de si, tomar iniciativas, etc. etc. Esta caraterística, visível nas crianças desde os primeiros anos do seu desenvolvimento, é frequentemente contrariada pelos adultos a pretexto de perigos vários e neste particular caso as meninas e as jovens são muitas vezes fortemente condicionadas a aceitarem um amplo leque de limitações; temos assim que em boa verdade são socialmente predispostas desde a mais tenra infância para o masoquismo.
A ideia de que o masoquismo é inerente à natureza feminina ganhou força no século XIX e contou com a autoridade de Freud que lhe forneceu a respetiva formulação teórica. Recorria-se então a essa predisposição para explicar a passividade das mulheres tanto nas relações sexuais como nas relações sociais. O masoquismo seria a causa e a passividade o efeito, mas podemos bem perguntar se esta relação não estaria equivocada no sentido e se não se estaria a pôr o carro à frente dos bois, confusão afinal mais frequente do que se pode imaginar. De qualquer modo, por motivos de pura conveniência pragmática, importava convencer as mulheres de que adoravam a passividade, adoravam ser dominadas, apreciavam ser tratadas como coisas, sobretudo se essas coisas fossem consideradas valiosas.
Mas como todos os seres humanos e também todos os mamíferos, pelo menos os que nos são mais próximos, gostam de ação, de domínio, de poder, quando se diz que alguns não gostam, o melhor é tentar descobrir a quem é que esse não gosto aproveita. Ora não é preciso escavar muito para descobrir que esse não gosto das mulheres pelo exercício do poder convém, e muito, aos homens. Por isso, não é de estranhar que, quando a partir do século XIX a relação de forças se começou a alterar, com a industrialização e o acesso das mulheres a postos de trabalho remunerados, se procurasse conferir um estatuto científico a essa crença. Afinal se até era científico, a partir daí o que é que as mulheres poderiam fazer? Podiam apenas fazer como o D. João VI da nossa história pátria que à pergunta: Juraste a Constituição, que fazes agora João? Respondeu com bonomia e sentido crítico: faço o que me dizem e como o que me dão!
Resumindo, as mulheres perceberam que o melhor seria fazer da necessidade virtude; como não podiam dominar e tinham de se submeter, como não podiam ser ativas e tinham de ser passivas, então, seria "mais sensato"apreciarem a submissão, amarem a passividade e a orientação de outrem, aceitarem “livremente” a escravidão!
O curioso é que ainda hoje, jovens, pretensamente evoluídas, saem a terreiro para defender este papelão que a sociedade lhes reservou e falam em companheiros dominadores aos quais gostam de se submeter.