sábado, 12 de novembro de 2016

MISOGINIA E RACISMO NA SUBIDA DE TRUMP AO PODER

DE ARTIGO DE JUDITH BUTLLER:

Nos Estados Unidos há duas questões que os eleitores, da esquerda ao centro, estão a colocar: quem são essas pessoas que votaram em Trump? E por que não nos preparamos para esse resultado? A palavra "devastação" aproxima-se um pouco do sentimento difuso neste momento entre aqueles que eu conheço. 

Não sabíamos o quão generalizada era a raiva contra as elites, o quão profunda era a raiva dos homens brancos contra o feminismo e o movimento pelos direitos civis, o quão muitas pessoas estão desmoralizadas pela desapropriação econômica, o quão exaltadas as pessoas estão pelo isolacionismo e pela perspectiva de novos muros e belicosidade nacionalista. Este é o novo "chicote branco"? Por que não o vimos surgindo?

Assim como os nossos amigos no Reino Unido, depois do Brexit, estamos agora céticos sobre as pesquisas: quem é entrevistado e quem não é? As pessoas dizem a verdade quando questionadas? É verdade que a grande maioria dos eleitores eram homens brancos e que muitas "pessoas de cor" pularam a rodada? Quem é esse público irritado e anulador que prefere ser governado por um louco do que por uma mulher? Quem é esse público zangado e niilista que culpa a candidata do Partido Democrata pelas devastações do neoliberalismo e do capitalismo desregulado? Temos que pensar agora sobre o populismo, direita e esquerda, e misoginia – o quão profundamente isso realmente pode chegar.

Para melhor ou pior, Hillary é identificada com a política do establishment. Mas o que não se deveria subestimar é a raiva e o ódio profundamente arraigados contra Hillary, em parte resultado de uma grande misoginia e da repulsa contra Obama, alimentadas por um longo racismo fervoroso. Trump desencadeou a raiva reprimida contra as feministas, figuradas como uma polícia censora; contra o multiculturalismo, visto como uma ameaça aos privilégios brancos; contra os imigrantes, figurados como uma ameaça à segurança. A retórica vazia da falsa força triunfou, sinal de um desespero mais difuso do que julgávamos.

Mas, talvez, estejamos vendo uma sublevação contra o primeiro presidente negro, junto com a raiva contra a possibilidade da primeira mulher presidente por parte de muitos homens e algumas mulheres brancas. Para um mundo cada vez mais descaracterizado como pós-racial e pós-feminista, estamos vendo agora como a misoginia e o racismo anulam o julgamento e um compromisso com os objetivos democráticos e inclusivos – são paixões sádicas, ressentidas e destrutivas que dirigem o nosso país.

Quem são elas, essas pessoas que votaram nele, mas quem somos nós, que não vimos o seu poder, que não previmos isso, que não conseguimos entender que as pessoas votariam em um homem com discurso racista e xenófobo, com uma história de ofensas sexuais, de exploração dos trabalhadores, de desprezo pela constituição, pelos migrantes e com um plano imprudente de aumento da militarização? 

Será que estamos cegos à verdade por causa da nossa própria forma isolada de pensamento esquerdista e liberal? Ou será que de algum modo ingênuo acreditávamos na natureza humana?  (…)
Naturalmente, nós ainda não sabemos que parte da população realmente votou. Mas ficamos com a questão sobre como a democracia parlamentar nos trouxe um presidente extremamente antidemocrático e se temos que nos preparar para sermos mais um movimento de resistência do que um partido político."


Transcrição com algum cortes e adaptações, do texto publicado na Newsletter de IHU de 11/11/2016, em que a filósofa norte-americana Judith Butler procura explicar a ascensão de Trump ao poder.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Porque as mulheres "gostam" de ser oprimidas

As mulheres gostam de ser oprimidas porque aprenderam a apreciar essa situação, através de uma coisa que se chama opressão psicológica em que, resumidamente, se pode dizer que o opressor consegue a cumplicidade do oprimido. 

A opressão psicológica facilita qualquer forma de dominação pois se a pessoa, através dela, internalizou  que é inferior, o dominador não precisa de recorrer a violência física para conseguir o que pretende e a dominação adquire uma aparência de legitimidade e de naturalidade.

A opressão psicológica das mulheres é conseguida através de três instrumentos específicos: a objetificação sexual, a estereotipização e a dominação cultural. Em qualquer dos casos, a mensagem que estas formas de opressão transmitem é que as mulheres são inferiores.

Na objetificação sexual a pessoa é identificada com o corpo e reduzida ao corpo - esta identificação é degradante porque é redutora; com ela “domesticam-se” as mulheres, reduzem-se a uma dimensão de vida biológica e animal. Um exemplo simples ilustra este aspeto. Todas conhecemos a situação, agora bem menos frequente, da jovem mulher que na rua é apreciada por desconhecidos pelos seus atributos físicos, que assobiam ou pronunciam piropos. Aparentemente inofensivo! Mas não tanto assim. através dessas expressões de “agrado” a jovem constrói uma identidade na qual a aparência física desempenha um papel importante e essa identidade compele-a a tratar do físico com um cuidado e uma tirania inusitada que um homem pode bem dispensar, orientando as suas energias para assuntos bem mais interessantes  e compensadores; parece que a mulher não tem mais nenhuma fonte de auto estima: não é inteligente, curiosa, amigável etc etc. Isto leva a mulher a perceber-se como é percebida, depois a publicidade faz o restante serviço com os estereótipos de beleza feminina etc. 

Na estereotipização, a mulher é reduzida a um estereótipo:  infantil, doce, submissa, mais intuitiva do que racional etc.. Mas, se eu sou definida por um estereotipo, então não sou respeitada na minha individualidade, pois pretendem que me comporte como acham que uma mulher se deve comportar; limitam a minha liberdade de ser quem quero ser: é a minha autonomia e capacidade de auto determinação que é posta em causa; tudo se passa como se uma mulher independente de alguma estranha maneira deixasse de ser mulher.

Pela dominação cultural, a mulher é compelida a aceitar e a assimilar os valores que a cultura dominante transmite e esta é masculina, porque enquanto mulheres que vivem desde sempre em contacto intimo com os homens, as mulheres não tem uma cultura alternativa. Ora a linguagem, a arte, a literatura e a cultura popular, com maior ou menor intensidade, são sexistas no sentido em que de uma maneira geral manifestam a supremacia masculina e as mulheres não tem acesso a outra cultura, logo estão tentadas a ter delas próprias uma percepção sexista e, à conta da cultura, a subordinação das mulheres vai parecer natural, parece que gostam de ser submissas!!!
Têm de rir das piadas mais broncas, sobre as sogras, sobre a fera amansada, a violação da rapariga feia que deveria ter ficado grata ao violador, da loira burra, tem de rir-se de si mesmas enquanto mulheres porque todas essas piadas discriminatórias são sobre mulheres.

Concluindo, objetificação sexual, estereotipização e dominação cultural mantém as mulheres no lugar considerado desejável por quem manda, por isso é tão importante que haja mais mulheres que também mandem. Por isso é que a derrota de Hilary Clinton é uma derrota de todas nós e a prova provada de que a misoginia, a que nem as mulheres escapam, e o medo ainda fazem parte do cardápio de um número muito considerável de pessoas.


segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O Pedestal do Capacho


Embora com absoluta falta de tempo, não queria deixar de vos contemplar com esta admirável pérola de misoginia, muito comum entre os que dizem adorar as mulheres. O dito é referido por Gisele Halimi, que já foi ministra da justiça de um governo socialista francês; ao discutir aquilo a que chama tática do ‘pedestal do capacho,  cita Sacha Guitry que:

 “Admitiu, cheio de boa vontade, que as mulheres são superiores aos homens desde que não procurem ser iguais a eles”

Sintético, mas profundo, deve dar muito que pensar aos e às chamadas sexistas benevolentes; e acreditem que muitas mulheres incorporam o grupo, sempre ansiosas de ocupar um pedestal mesmo que este seja o do capacho. 

sábado, 27 de agosto de 2016

BURKINI E MISOGINIA


O uso do burkini tem inegavelmente um valor simbólico, representa algo que transcende o facto de ser uma simples peça de vestuário; representa uma certa concepção da mulher e do corpo feminino, como devendo, por modéstia e por observância de  um preceito religioso,  resguardar-se do olhar dos homens (que não o do próprio - leia-se do seu dono).

Quem usa o burkini são mulheres muçulmanas, se o fazem porque gostam ou porque acham que devem, ou porque alguém  as obriga ( e há muitas maneiras de obrigar …), para o caso em análise, é-me perfeitamente indiferente; o que sei é que me afrontam e afrontam a paisagem ao imporem-me os sinais exteriores do seu estatuto de subserviência em relação à religião que professam e em relação aos homens que reverenciam. Que o fizessem nas praias dos seus países de origem, até compreendia porque aí de facto não teriam outra opção, mas que aproveitem a tolerância do Ocidente para exporem os símbolos de uma visão intolerante do mundo e da vida é o que me perturba e incomoda profundamente. 

Karl Popper, que não era de todo um totalitarista, aconselhava a não se tolerar o intolerante; por isso não deixo de me espantar com o número e a qualidade de algumas vozes que se levantam contra a proibição do uso deste estranho símbolo de opressão e de dominação. 

Transformar isto num caso - que consideram altamente inapropriado - de dizer as mulheres o que devem ou não devem usar, impondo-lhes portanto um ou outro tipo de vestuário, é pura e simplesmente ignorar completamente os contextos, desvirtuar a questão e usar de má fé, é como se costuma dizer ‘virar o bico ao prego’. 

Transformar isto num caso de liberdade de expressão: as mulheres muçulmanas são proibidas de se expressar da maneira que é mais consentânea com as suas convicções …  ressuma igual má fe; mas então porque não permitir que sejam usados nas praias, escolas, tribunais, cinemas etc. etc. símbolos suásticos? Quer dizer, proíbem-se  estes pelo que simbolizam, mas esquece-se o que o burkini simboliza e considera-se a sua interdição nas praias um atentado às liberdades individuais. Aja paciência!!!


Outros falam mesmo em misoginia, como se não percebessem que o uso desta farpela, esse sim,  é claramente resultante de uma visão misógina da mulher e do corpo feminino. 

No fundo, o que sobressai é uma tremenda confusão de ideias que não augura nada de bom para o progresso do Ocidente e dos seus valores.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Clitoris - o segredo do orgasmo feminino



Encontrei um artigo muito interessante e educativo sobre o clitoris e sua importância para a sexualidade feminina. Peço desculpa por não o apresentar traduzido, devido a falta de tempo, mas como já muita gente lê inglês, espero que possam tirar proveito dele.

“ Paul Verlaine celebrated it in his 1889 poem Printemps as a “shining pink button”, but thanks to the sociomedical researcher Odile Fillod, French schoolchildren will now understand that it looks more like a hi-tech boomerang. Yes, the world’s first open-source, anatomically correct, printable 3D clitoris is here, and it will be used for sex education in French schools, from primary to secondary level, from September.

From Fillod’s sculpture, pupils will learn that the clitoris is made up of the same tissue as the penis. That it is divided into crura or legs, bulbs, foreskin and a head. That the only difference between a clitoris and a penis is that most of the female erectile tissue is internal – and that it’s often longer, at around 8 inches.

“It’s important that women have a mental image of what is actually happening in their body when they’re stimulated,” Paris-based Fillod says. “In understanding the key role of the clitoris, a woman can stop feeling shame, or [that she’s] abnormal if penile-vaginal intercourse doesn’t do the trick for her – given the anatomical data, that is the case for most women.”

“It’s also vital to know that the equivalent of a penis in a woman is not a vagina, it’s her clitoris. Women get erections when they’re excited, only you can’t see them because most of the clitoris is internal. I wanted to show that men and women are not fundamentally different.”

Fillod had been working with Toulouse-based V. Ideaux, creators of an anti-sexist web TV series, to create a modern sex education video when it struck her that the clitoris was never presented correctly in school textbooks. This catalysed her to develop her 3D model at the Fab Lab, of the Cité des Sciences et de L’Industrie in Paris.
Fillod’s 3D clit has come in the nick of time. This June, Haut Conseil à l’Egalité, a government body monitoring gender equality in public life, published a damning report on the state of sex ed in France. The report revealed that sex education is rife with sexism. Current official guidelines state that young boys are more “focused on genital sexuality”, while girls “attach more importance to love”.
Clitoris activism is hot in France right now. The feminist group Osez Le Féminisme has been vocal in combatting the silence around it since 2011. While in Nice, a group of sex-positive feminists, Les Infemmes, has created a “sensual counter culture” fanzine called L’Antisèche du Clito or The Idiot’s Guide to the Clit. There are funny drawings of “Punk Clit,” “Dracula Clit” and “Freud Clit”, as well as facts about the organ.

Meanwhile, jeweller Anne Larue has created a bronze clitoris pendant in conjunction with Les Infemmes artist Amandine Brûlée. “The clitoris has been the hidden, shameful organ for so long,” says Larue. “My necklace brings it to the light of day.” She reassures that the more timorous should not be worried about wearing it: “For the uninitiated, it looks like an octopus or a neolithic goddess.”
The Australian doctor Helen O’Connell is often credited as being the first person to show the complete anatomy of the clitoris to the modern world in 1998. In fact that achievement belongs to LA-based activist-artist Suzann Gage, who realised, while looking for images of the clitoris to illustrate a book called A New View of a Woman’s Body in 1981, that her best information came from medical textbooks of the 1800s – when anatomical drawings were done from cadavers. So images of the clitoris might have existed for a long time but, on realising that it played no direct part in reproduction, the medical profession chose to ignore it. 
Fillod has hopes that doctors as well as school teachers, will use her sculpture to learn – and teach – the truth about the female body. “France has the reputation for being sexually sophisticated, but often it’s about male sexuality.” However, she is optimistic about the future. “Understanding that they have an erectile system just like men, I think women will start to experiment more. They will understand that pleasure is not some magic that only a partner knows how to give.”

The Australian doctor Helen O’Connell is often credited as being the first person to show the complete anatomy of the clitoris to the modern world in 1998. In fact that achievement belongs to LA-based activist-artist Suzann Gage, who realized, while looking for images of the clitoris to illustrate a book called A New View of a Woman’s Body in 1981, that her best information came from medical textbooks of the 1800s – when anatomical drawings were done from cadavers. So images of the clitoris might have existed for a long time but, on realizing that it played no direct part in reproduction, the medical profession chose to ignore it.

Fillod has hopes that doctors as well as school teachers, will use her sculpture to learn – and teach – the truth about the female body. “France has the reputation for being sexually sophisticated, but often it’s about male sexuality.” However, she is optimistic about the future. “Understanding that they have an erectile system just like men, I think women will start to experiment more. They will understand that pleasure is not some magic that only a partner knows how to give.”

encontrei este artigo no Guardian, neste endereço

quarta-feira, 11 de maio de 2016

MISOGINIA - o mais velho preconceito do mundo


Diferentemente do racismo, a misoginia não é percebida pelos homens como um preconceito, mas como algo quasi inevitável. … A misoginia tem sido parte do que o historiador do holocausto, Daniel Goldhagen, designou de ‘senso comum’ da sociedade. Foi um preconceito demasiado óbvio para ser percebido. 

Em diferentes civilizações, em diferentes tempos, o registo histórico é claro: sempre se considerou como perfeitamente normal que os homens condenassem as mulheres ou expressassem diretamente desgosto por elas, simplesmente por serem mulheres. Todas as maiores religiões do mundo e os mais renomados filósofos mundiais olharam para as mulheres com desprezo.
[Nos nossos dias] no vocabulário corrente do rap as mulheres são ‘cadelas’ e ‘putas’.  (mas não é só o rap). Grupos como os Rolling Stones [por exemplo] em 1976 publicitavam um album ‘Black and Blue’, com a imagem de uma mulher violentamente agredida, amarrada a uma cadeira. Embora o flagrante desprezo do rap pelas mulheres tenha vindo a ser atacado tanto por mulheres negras como por outros movimentos, é claramente um produto da cultura de alienação e frustração no qual a misoginia ainda prevalece como parte do ‘senso comum’ da sociedade. “

Texto adaptado de Jack Holland. “A Brief History of Misogyny: The World's Oldest Prejudice.” 

sábado, 9 de abril de 2016

Misoginia na Grécia antiga e em Roma


No mundo grego, a misoginia era de tal modo intensa e pervasiva que excluía completamente as mulheres da vida pública. Péricles, o maior estadista ateniense  do século V a. C. resumiu de forma exemplar essa atitude; segundo palavras suas, uma boa mulher era  aquela de que não se falava, nem sequer para elogiar. Por isso, não é de estranhar que não tenham chegado até nós quaisquer nomes de mulheres da época; pura e simplesmente foram ignoradas e não lhes conhecemos qualquer protagonismo. O gineceu era o seu espaço  e a sua prisão.
Já no mundo romano, o panorama é algo diferente, conhecemos, embora normalmente pelos ‘piores’ motivos, os nomes de várias mulheres, de entre as quais se destacaram: Messalina, lembrada pelos excessos sexuais; Agripina, ambiciosa e sedenta de poder; Semprónia, prostituta de alto gabarito, conspiradora e revolucionária; Cleópatra, sedutora e política hábil. Claro que estas memórias foram transmitidas por homens que nem sequer se deram ao trabalho de esconder a flagrante misoginia que estas mulheres, no mínimo corajosas, tiveram de desafiar. 
As mulheres romanas tinham de vencer vários obstáculos, desde logo, o infanticídio feminino, que, tal como acontecia na Grécia, era permitido. Depois as leis do casamento que as colocavam na completa sujeição de seus maridos e senhores, com poder de vida e de morte sobre as suas pessoas.
O adultério e o consumo de vinho eram crimes suscetíveis de serem  punido com a pena de morte.
O historiador Valerius Maximus elogia o aristocrata Metellus, que matou a mulher ao surpreendê-la a beber vinho - provavelmente sem qualquer moderação - nos seguintes termos: 

“Não apenas ninguém o acusou de crime como nem sequer o censurou. Todos consideraram tratar-se de um exemplo excelente de uma pessoa que tinha punido justamente alguém que violava as leis da sobriedade. Na verdade, qualquer mulher que procura imoderadamente o consumo de vinho fecha a porta a todas as virtudes e abre-a a todos os vícios.”

O mesmo historiador louva Gaius Sulpicius Gallus por se ter divorciado da mulher por esta expor os seus cabelos em público, mostrando assim falta de decoro, ao  não reservar as suas belezas para o marido (resta dizer que só os homens tinham o poder e o direito de se divorciarem das respetivas mulheres).


Estas duas breves histórias documentam a misoginia romana de que, como é sabido, ainda hoje remanescem práticas em países de tradição muçulmana, tais como o apedrejamento das mulheres até à morte por adultério e o uso do véu islâmico.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Feministas são pessoas ...


“Feminismos não são isentos de relações de poder, e do atrito entre essas relações costumam sair faíscas de tretas. Mas me parece que o incêndio se dá porque o feminismo, infelizmente, também não está livre da monolética. (E a monolética vem a ser um neobobismo meu, para significar a anti-dialética, ou seja: dois monólogos concomitantes, sem que uma interlocutora escute, de fato, a outra.)

Feministas discordam umas das outras o tempo todo, e na maioria das vezes tudo corre bem: o discurso até progride por conta dessas divergências. Mas algumas feministas se digladiam por causa de suas divergências. Eu gostaria muito que não fosse assim, mas é. Feministas são – imagine você – pessoas.

Algumas pessoas são maravilhosas: divertidas, inteligentes, generosas. Outras pessoas são horrorosas: agressivas, bitoladas, egoístas. No entanto a maioria das pessoas não é nenhuma coisa nem outra, mas sim uma combinação do que é bom, ruim, belo e feio. Feministas são seres humanos, com defeitos e qualidades, que erram e acertam.
(…)
Mas estar cansada de algumas atitudes demonstradas por algumas feministas não invalida o movimento. Vou te contar um segredo: as feministas não precisam ser perfeitas. (Eu especulo, inclusive, que a expectativa pela “feminista perfeita” não passe de uma extensão da ideia machistinha de que as mulheres tenham que ser perfeitas. Mas essa é outra conversa.)

Seria bacana se sempre nos respeitássemos entre nós? Certamente. O patriarcado já gosta bastante de nos silenciar, de tornar nossa fala abjeta, ou nos condenar quando pisamos na bola e nos engasgamos com um conceito mal-articulado.

Mas o feminismo sempre vai ser um lugar de problematização, questionamento, desconstrução de privilégios e insights dolorosos. Seria lindo se conseguíssemos, sempre, discordar com elegância e seguir adiante. Mas é inevitável que, às vezes, uma problematização seja feita de forma agressiva. Algumas pessoas são agressivas. E feministas – já sabe – são pessoas.”

Excerto de um artigo publicado  na CartaCapital, 11-02-2016, de Joana Burigo


sábado, 23 de janeiro de 2016

Misoginia nos nossos dias

A misoginia só pode ser inteiramente entendida se for entendida enquanto fenómeno político; perde conteúdo quando reduzida ao domínio de relações individuais porque, mais uma vez, estamos perante uma situação em que é o macro fenómeno que permite elucidar o micro fenómeno, não o contrário. 

Assim como os conflitos laborais são conflitos de classe - não se trata do fulano B, trabalhador individual, ter alguma coisa contra o fulano A (dono da empresa) - também a misoginia tem de ser entendida no mesmo sentido; na misoginia também não é um indivíduo C que odeia em geral as mulheres (as mulheres enquanto classe); mas é o sistema social e político que está todo ‘armadilhado’ para desvalorizar as mulheres em geral, as mulheres enquanto classe.

O sistema funciona de modo a mascarar formas não institucionais de dominação dos homens sobre as mulheres, funciona de modo a tornar as mulheres deferentes e submissas em relação aos homens, sem que elas mesmas se dêem conta dessa subserviência. Consegue ainda mostrar as relações entre homens e mulheres como amigáveis e como relações entre iguais.

A hostilidade só é patenteada em determinadas situações, na maioria dos casos há apenas opiniões menos favoráveis às capacidades das mulheres, pelo menos em domínios preponderantemente masculinos. Todavia, alguma atenção à publicidade e ao entretenimento, por exemplo, mostra como são mantidos os estereótipos e permite compreender por que é que, quando ‘o leite azeda’, o ódio aparece em todo o seu esplendor.