segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Complexo de Édipo e misoginia

Embora, como referi em texto anterior, a principal causa da misoginia radique no desejo de manter as mulheres em sujeição, já que é sempre qualquer atitude de rebeldia que a desencadeia, há também componentes psicológicas que ajudam a compreender melhor este complexo fenómeno.

Comecemos por lembrar que vivemos em sociedades moldadas pelos valores do judaísmo e do cristianismo – adquiridos por processos de impregnação cultural, que projectam no sexo uma tremenda carga negativa e lembremos ainda que, apesar de todos os avanços, as mentalidades resistem sempre à mudança, sobretudo quando se trata do núcleo duro das nossas emoções e sentimentos. Isto dito, para realçar que por mais modern@s que sejamos, continua a haver muito de atávico e de atrasado em nós.

A carga negativa que o sexo suscita transporta consigo um sentimento de culpa e desde cedo aprendemos que tudo o que com ele se relaciona é feio, obsceno e tabu. Os homens, tal como as mulheres, experimentam este sentimento de culpa que os leva a considerar o sexo degradante, e como para tudo, sempre que se pode, é bom encontrar um bode expiatório, como puderam, foram muito expeditos em projectar na mulher, no objecto do seu desejo sexual, essa carga negativa. A sua preocupação com o sexo é tão obsessiva e a tendência para reprimir o desejo sexual tão forte que, para se desculpabilizarem, precisam de perceber as mulheres como seres desprovidos de espiritualidade, puramente carnais e apostadas em os seduzir e corromper, por isso tem de as degradar, desvalorizar e culpabilizar. Se o sexo é degradante, se as mulheres são objectos sexuais e se reduzem ao sexo, então as mulheres são seres degradantes e obviamente inferiores. Toda esta construção mental, que nem sempre é muito óbvia, revela-se claramente se pensarmos num exemplo simples e bastante comum: não se considera indigno ou menos respeitável o homem que tem sexo com prostitutas, mas, em contrapartida, estas são percebidas como criaturas desprezíveis sobre as quais recai um tremendo estigma social. Não é o homem que é desprezível, por desejar sexualmente a mulher e por pagar para conseguir satisfazer o seu desejo, é a mulher que é desprezível por satisfazer esse desejo a troco de uma remuneração.

Há ainda um outro aspecto que em minha opinião lança alguma luz sobre esta curiosa tendência que os homens (muitos, com certeza mesmo mais do que imaginamos) têm para degradar e desrespeitar as mulheres, reduzindo-as à condição de objecto sexual mais ou menos desprovido de valor, em conformidade com os seus atractivos físicos e idade. Este aspecto tem alguma relação com o famoso complexo de Édipo que Freud descreveu.

Freud considerou que o desenvolvimento psicológico das crianças do sexo masculino passa por uma fase - que designou de Complexo de Édipo, na qual o menino «ama» a mãe e detesta o pai que surge como rival do carinho e atenção que a mãe lhe prodigaliza. Mas se evoluir normalmente acabará por resolver este complexo e por se tornar um adulto equilibrado.

Ora o que é que o complexo de Édipo poderá ter a ver com o desrespeito e depreciação das mulheres pelos homens? A resposta, embora puramente especulativa, parece revestir algum poder explicativo: pode supor-se que em muitos homens o complexo de Édipo vai deixar sempre uma marca, eles aprenderam a desistir do amor físico pela mãe, mas, assim como não puderam amar fisicamente a mãe, pela qual sentiam carinho e respeito, também não vão ser capazes de amar fisicamente qualquer mulher pela qual nutram sentimentos equivalentes. Como é que resolvem a situação? Amando fisicamente uma mulher que desrespeitem nem que para tal tenham de a levar a aderir (adesão extorquida) a comportamentos e atitudes que eles próprios consideram degradantes. Isto em certa medida poderia explicar toda a parafernália de actos pretensamente eróticos, mas intrinsecamente violentos e degradantes, que a pornografia vende com tanto sucesso.

Uma última nota: a depreciação e repressão da actividade sexual é uma constante de todas as culturas que repousam numa concepção dualista do ser humano enquanto composto de espírito e de corpo da qual decorre a desvalorização do corpo e de todas as actividades que com ele directamente se relacionam.

8 comentários:

  1. Um feminista no século XXI2 de novembro de 2009 às 17:50

    Tem graça. Já fui para a cama com várias mulheres e já amei algumas de entre elas. Com quase todas, estabeleci um elo e, para facilidade conceptual, vou utilizar o termo "amor carnal", frisando que não estou a ser dualista, para definir o processo que se estabeleceu com as mulheres com que me deitei. Isto, claro, no sentido de que as quis completas, enquanto mulheres para além do complexo de Electra; mulheres livres (mesmo que tivesse de dar uma ajudinha). Nem por isso tive de as «desrespeitar» levando-as «a aderir (adesão extorquida) a comportamentos e atitudes» que possam ser vistos como «degradantes». Mas enfim, sou apenas um homem sem inimigos, que sei eu disso?

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  2. Caro feminista
    Ainda bem que a espécie existe e está viva como mostra o seu comentário!
    Claro que, como bem compreende, o texto refere homens na generalidade e não este ou aquele em particular. Os exemplos da prostituição e da pornografia sexista são pertinentes e revelam como se transmitem determinados padrões de comportamento em matéria de sexo.
    Como sabe, também, muitos homens iniciam-se sexualmente com prostitutas e hoje muitos rapazes passam pelo processo de iniciação através das revistas e filmes pornográficos, em sequência, dadas as restrições socialmente impostas às mulheres, elas são iniciadas pelos seus companheiros, de maneira que quebrar este círculo torna-se muito complicado. O facto é que de uma maneira geral a perspectiva sobre a sexualidade é a masculina que as próprias mulheres absorvem. Talvez por isso é que ainda hoje mesmo nos países mais desenvolvidos, tantas mulheres continuam a ter uma vida sexual muito pobre que só não evidenciam por vergonha ou porque acham que isso não constitui problema pois foram socializadas para agradarem aos outros e não para procurarem os seus próprios interesse.

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  3. cara,quanta besteira....e fico surpresa de vc se basear em Freud,que era um machista convicto e além de tudo covarde.Ele foi o primeiro a descobrir os danos causadaos por abusos sexuais mas por causa de ameças,mudou suas teses.E vc se baseando nele para explicar práticas misógenas!! ah,faça-me o favor!!! E o pior de tudo é este "ar intelectual".
    E além do mais,suas conclusões são etnocentricas,só valem mesmo para Europa.procure saber mais sobre a sexualidade em outros países antes de escrever tais besteiras,ok?

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  4. Se você é tão esclarecido porque não explica, aponta fontes e recursos, ao invés de insultar quem trabalha e procura reflectir sobre estas questões. Como não inventei a pólvora, apoio-me em autores e autoras que se dedicaram a estudar estes temas. E você, posso consultar os seus artigos sobre o assunto? Depois das suas tiradas intempestivas, gostaria de compreender melhor quem as faz.
    Sei muito bem quem foi Freud e já tive oportunidade de denunciar alguns dos seus preconceitos sexistas. Quanto à teoria sobre o complexo de Édipo limitei-me a referir que parece ter algum poder explicativo.
    Conhecer outras mundividências sexuais seria interessante, mas já me dá trabalho conhecer e tentar compreender a nossa que não vejo ser minimamente debatida no âmbito dos blogs.
    Portanto para a próxima faça-me o favor de comentar com um mínimo de educação e sem partir logo para a agressividade, será que reagiu assim por estar a comentar um texto escrito por uma mulher?!

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  5. O problema, anônimo, é que o sr Freud é igualmente citado (pobre e tendenciosamente) pelo Patriarcado para fazer apologia à homofobia e à misogenia.
    O problema, sr anônimo, é que o sr Freud foi o primeiro que enveredou nessse terreno da sexualidade humana e, a despeito disso, ele era um homem inserido em um contexto histórico e social onde a mulher era considerada um homem defeituoso.
    Felizmente a psicoanálise não parou em Freud. A sexologia avançou, à contragosto dos senhores do sistema secular e clerical. Para a felicidade ds homens maduros e da humanidade, o Patriarcado está decadente, moribundo. Sobre as cinzas desse sistema falido desde sua invenção um novo mundo é possivel.

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  6. Car@ anónim@
    Eu procuro compreender, coisa que v. não parece apreciar pois, como se viu, se limita a vociferar! E procuro compreender porque penso que só compreendendo a realidade teremos qualquer hipótese de a modificar com sucesso. E nessa tentativa de compreender procuro argumentar já que um argumento também é uma forma de investigação. Foi neste contexto que referi Freud e o complexo de Édipo: se os meninos passam pelo complexo de Édipo, se alguns não resolvem positivamente esse complexo, se em muitos permanece um ressentimento, gerador de hostilidade, então a compreensão da misoginia masculina está, pelo menos em parte, relacionada com o complexo de Édipo. É esta a estrutura da minha argumentação. Porque é que não contra-argumentou e se limitou a decidir «ex cathedra» que eu só digo asneiras? Qual é a sua autoridade no assunto? Porque é que tenta desvalorizar a minha argumentação partindo do princípio de que não sei do que estou a falar?
    Esta maneira falaciosa de atingir um/a adversári@ tem o curioso nome de falácia ad hominem, mas obviamente tanto pode ser utilizada por e contra homens ou mulheres. Foi esse o caminho que v. escolheu, mas ainda está em altura de o abandonar.
    Por outro lado lembro-lhe que desde sempre a mulher com pretensões a intelectual, e é esse o estatuto que você me atribui, foi ridicularizada pelo senso comum, pelos autores literários e até pelos filósofos, lembro-lhe Moliére e Les Femmes Savantes, lembro-lhe Kant e a ridicularização que fez de Madame Chatelêt, tradutora de autores gregos e latinos, de quem ele disse que , dadas as suas pretensões intelectuais, o que melhor lhe ficava era uma barba. Como vê, não tem com que se preocupar, v. está em boa companhia!

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  7. ops! eu fiz uma grande bagunça. eu tentei defender a Adilia mas acabei dando razão ao anônimo. mau pagão! vou me penitenciar e voltamos em breve.

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  8. Beto
    Penso que não deu razão ao anónimo. O comentário dele ou dela, já nem sei, é que é extremamente ambíguo. Ataca Freud, aparentemente pela sua misoginia, mas também me ataca a mim por procurar encontrar motivações para a misoginia.
    Tenho a impressão de que o que irritou o/a comentador/a foi o ataque que fiz à pornografia e à prostituição. Se calhar é daquelas pessoas que pensam que a pornografia é um discurso moderno sobre o sexo, desinibido e pra frentex e que a prostituição é uma simples prestação de serviços.Enfim, num caso ou noutro coisas inócuas e até socialmente necessárias!!!

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