domingo, 11 de julho de 2010

Como o mito da beleza pode prejudicar os interesses das mulheres


É tão trivial que mal damos conta do sucedido: todas nós, no nosso quotidiano, fomos já confrontadas com os comentários dos nossos companheiros, filhos e outros familiares ou amigos sobre figuras femininas públicas que aparecem na televisão; esses comentários, apreciativos ou depreciativos, incidem invariavelmente sobre a aparência da personagem e não sobre as ideias que ela apresenta, distraindo a nossa atenção do que é dito para o que é visto - a figura, o vestuário, o penteado - e mostram quão prevalecente e invasivo continua a ser o mito da beleza.

O mito da beleza - a ideia de que o que é essencial numa mulher é a sua aparência física - explica porque as mulheres espectadoras têm tão pouca tendência a identificarem-se com figuras femininas que exercem funções de relevo na esfera pública; cumpre assim uma função nitidamente antifeminista, impedindo as mulheres de «sonharem» com papéis que não os tradicionais.
Um qualquer político, administrador de empresa ou intelectual é avaliado pelas suas opiniões, cultura e capacidade argumentativa, uma mulher em situação equivalente começa por sofrer uma devassa na sua aparência física e só depois, se é que isso acontece, é ouvida e avaliada por aquilo que diz. Temos pois boas razões para supor que muitas evitarão ocupar lugares de exposição pública precisamente porque pressentem que não se vão sentir à vontade com o injusto escrutínio a que inevitavelmente ficarão sujeitas.

Se sairmos dos media para a indústria do cinema e para a sua meca – Hollywood - também constatamos que nos inúmeros filmes produzidos, raros, muito raros mesmos, são aqueles em que a protagonista é uma mulher e em que mulheres, cuja vida mereceria ser contada porque se destacaram pelos seus méritos pessoais e contributo civilizacional, constituam o leitmotiv da história. Por outro lado, apenas mulheres jovens e de uma maneira geral belas são apresentadas; já em relação aos protagonistas masculinos, os critérios selectivos são completamente diferentes, tanto em termos de idade como de aspecto físico.

Para a publicidade aos mais diversos produtos ou para o exercício de cargos nas televisões, como, por exemplo, o de apresentadora, a tendência, escandalosamente dominante, é a de contratar mulheres jovens e belas, outros méritos são totalmente desvalorizados se estes dois critérios não forem assegurados.

Por tudo isto, importa denunciar a utilização do mito da beleza, importa mostrar como este implica discriminação injusta e serve a manutenção e replicação de uma sociedade sexista. As mulheres são inteligentes, cultas e interessadas nos problemas sociais, temos o direito de poder ouvir as suas opiniões e de considerar secundária a sua aparência física, mas, para isso, é necessário que esta não seja o critério essencial para as colocar nos meios de comunicação social. Como escreve Naomi Wollf: «Se rejeitarmos a afirmação insistente de que a aparência de uma mulher é o seu discurso, se nos ouvirmos umas às outras fora dos limites do mito da beleza, isso já será um passo político em frente.» (O Mito da Beleza, Rocco, 1992, p. 365.)

5 comentários:

  1. Muito interessante seu texto, pois mostra o quanto a tirania da beleza impede a mulher de ocupar posições decisivas no cenário do sociedade, simplesmente porque antes de mais nada ela precisa ser bonita e/ou atraente. Este será o critério para avaliá-la.

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  2. Olá Mariana
    Obrigada pelo comentário.
    E acrescento: mesmo quando um cargo público é ocupado por uma mulher atraente, já reparou, com certeza, que com frequência os próprios midia focam com mais insistência os atributos físicos do que a pertinência das ideias que desse modo são desvalorizadas.
    Já dei uma espreitadela no seu blog que me parece interessante, vou voltar com mais vagar.
    abraço, adília

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  3. Minha querida,

    a mulher tem dois tiranos, mais agressivos que muitos "Brunos" por aí.

    São eles: a idade e a beleza fisica

    Outro dia, um pouco antes de eu sair de ferias, flagrei meu chefe conversando com uma colega nossa, quarentona como eu. Esta colega, muito brincalhona, estava brincando, fingindo que estava flertando com outro colega nosso, por sinal, mais novo do que ela 14 anos

    Este meu chefe comentou, brincando, com esta colega, que o nosso jovem colega não é chegado em "coroa".

    Detalhes: este meu chefe é mais velho do que eu e ela exatamente 6 anos e casou-se com uma mulher 18 anos mais nova do que ele. Será que esta jovem esposa dele, quando chegar a nossa idade, também irá ouvir comentário idêntico ao que ele fez à minha colega quarentona? Será que ele chamará, no futuro, sua linda e jovem esposa de "coroa"?

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  4. Esse seu chefe tem é uma lata estanhada e teria merecido uma resposta à altura não fosse ele chefe! Sabe que as vezes quando não se pode vencer o inimigo ha sempre um jeito de nos juntarmos a ele. Eu agora quando estou a ver televisão e há homens por perto não me inibo de fazer comentarios sórdidos sobre os marmanjos que aparecem, do tipo, mas que coiro, tirem-me deste filme, com esses dentes devias era estar calado, ... etc. etc.
    Outra coisa, de facto esses tiranos de que fala são terriveis, mas não se esqueça que só o são porque nós mulheres o permitimos e não nos valorizamos enquanto pessoas. Algumas até se «põem a jeito»
    Por tudo isto me parece tão importante tentar «acordar consciencias», mesmo que o trabalho seja dificil e as vezes pareça inglório.
    abaço adilia

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  5. "As mulheres são inteligentes, cultas e interessadas nos problemas sociais." O que percebo, em especial no ambiente de trabalho, é o imperativo da beleza como elemento de valorização pessoal. Todavia, é evidente que o mundo poderia estar muito melhor, e menos injusto, se fossem dadas mais voz e presença às mulheres. Mas como, se para tanto precisa constar no currículo os itens beleza e juventude? A mulher, para ser aceita, submete-se a isso, e suas ideias passam inevitavelmente a um segundo plano.

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