No século XIX, Elizabeth Wordsworth (1840-1932), antifeminista e antisufragista assumida, manifestava, nestes termos, a sua preocupação a propósito da educação que se devia ministrar às jovens - futuras esposas e mães de família:
«Se, durante dez ou mais anos da sua vida, uma jovem está sempre enfronhada nos livros, como podemos esperar que, uma vez adulta, esteja atenta ao bem-estar pessoal dos que se encontram à sua volta – os idosos, os que trabalham arduamente, as crianças e os doentes?»
Para Dame Elizabeth, filha e irmã de clérigos anglicanos, colocados em altos cargos, como para as suas colegas antisufragistas, uma jovem não devia receber educação intelectual séria, não devia viver «enfronhada nos livros» porque isso poderia distraí-la e comprometer o papel que teria de desempenhar, quando adulta - um papel que exigia que se sacrificasse pelos outros e se esquecesse dela própria.
Elizabeth Wordsworth não parecia aperceber-se da injustiça que estava a cometer ao pretender impor a todas as jovens, futuras mulheres, aquilo que a ela parecia melhor e essa incompreensão resultava de defender um conceito de feminilidade que enaltecia a vocação maternal, o altruísmo e a devoção aos deveres familiares da «verdadeira mulher», estimulada a sacrificar os seus interesses pessoais, que, pasme-se, eram entendidos como interesses egoístas.
Neste paradigma de feminilidade, o lugar para a educação intelectual das jovens tinha de ser necessariamente limitado e o seu objectivo definido e orientado no sentido de as preparar para os papéis que a sociedade delas esperava. Ser mulher era uma espécie de ofício que uma educação intelectual «desequilibrada», leia-se, séria, poderia prejudicar. O mais que as antifeministas reconheciam era a necessidade das jovens serem formadas para virem a cumprir com eficácia a tarefa de educadoras dos seus filhos e para exercerem uma influência moralizadora positiva na vida social, logo uma educação que tinha acima de tudo uma vertente religiosa muito forte e que se centrava na modelação do carácter e das atitudes.
Este conceito de feminilidade encontra-se longe de estar ultrapassado; mesmo no mundo ocidental, num país como os Estados Unidos dos fins do século XX, a antifeminista Beverly La Haye (1929), presidente da organização «Concerned Women for America», ainda aconselhava as jovens a casarem cedo e a considerarem os maridos e os filhos como a sua prioridade. Como dizia o refrão dos anos cinquenta que ela implicitamente aceitava: «jovens americanas e livros não combinam»
Entre esta opinião da cristã evangélica Beverly La Haye e as preocupações de Elizabeth Wordsworth qualquer semelhança não é pura coincidência. As duas defendem para a mulher o lugar que tradicionalmente lhe foi reconhecido, as duas negam o feminismo e rejeitam a sua pretensão à construção de uma sociedade mais igualitária.
Podemos conceder que tanto estas duas mulheres, como as antifeministas em geral, actuam com base no convencimento da bondade das suas opiniões sobre como deve decorrer a vida das mulheres; mas também temos de reconhecer que, objectivamente, estas opiniões favorecem e suportam o tipo de sociedade em que os homens detém lugares de poder e de supremacia e as mulheres ocupam posições de subalternidade e de subserviência. Para reverter a situação e estabelecer relações de simetria entre homens e mulheres seria fundamental garantir às mulheres o acesso ao conhecimento que elas negam.
Desde sempre se percebeu que se as mulheres tivessem acesso ao conhecimento, a ordem patriarcal seria posta em causa e por isso é que a educação lhes foi recusada com diferentes justificações: começou por se dizer que não tinham capacidade e acabou a dizer-se que não seria conveniente.
Hoje, o exercício do poder sobre as mulheres já não assume as formas repressivas do passado, mas, não tenhamos ilusões, continua presente, só que mais criativo e, por isso, ainda mais perigoso e mistificador. Denunciá-lo; colocar em evidência a sua agenda escondida; revelar os seus disfarces e simulacros; numa palavra, despertar as consciências é tarefa de que não podemos demitir-nos.
Hoje, o exercício do poder sobre as mulheres já não assume as formas repressivas do passado, mas, não tenhamos ilusões, continua presente, só que mais criativo e, por isso, ainda mais perigoso e mistificador. Denunciá-lo; colocar em evidência a sua agenda escondida; revelar os seus disfarces e simulacros; numa palavra, despertar as consciências é tarefa de que não podemos demitir-nos.
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