sábado, 3 de julho de 2010

Susan B. Anthony e as «feministas conservadoras»

Susan Brown Anthony, 1820-1906, foi a segunda de sete filhos de uma família Quaker que, como acontecia entre os Quakers, era contra a escravatura e acreditava na igualdade entre homens e mulheres. Susan viveu pois num ambiente familiar muito progressista, numa casa que era o ponto de encontro de activistas anti-esclavagistas e teve como vizinho o grande orador afro-americano Frederick Douglas.
Depois de receber educação numa escola religiosa Quaker em Filadélfia, Susan seguiu a carreira de professora durante alguns anos - uma das poucas profissões então abertas a mulheres, ganhando um quinto do que os colegas masculinos ganhavam – e combateu a segregação racial nas escolas. Em 1848, juntou-se às «Filhas da Temperança» (Daughters of Temperance) e em 1852 fundou a Sociedade das Mulheres pela temperança, do Estado de New Jersey (Women´s New York State of Temperance Society), preocupada com os abusos sofridos pelas crianças e mulheres de alcoólicos, apoiou e chegou mesmo a liderar um movimento contra a venda de bebidas alcoólicas.
Conheceu Elizabeth Cady Stanton em 1851 numa convenção anti-esclavagista e tornaram-se amigas. Em 1854 apresentou uma petição sobre os direitos de propriedade das mulheres e sobre o sufrágio. Viu a primeira reivindicação satisfeita em 1860 quando foi reconhecido legalmente o direito das mulheres controlarem os seus próprios salários e heranças e exercerem autoridade sobre os filhos.
Em relação ao sufrágio, a principal reivindicação feminista da época, exigiu-o para mulheres brancas e negras; mas, porque se pronunciou sobre o absurdo que era conceder o voto a homens analfabetos enquanto se negava o mesmo direito a mulheres cultas, foi acusada de elitista. Ora tal acusação, em meu entender, resulta apenas de se ignorar propositadamente o contexto em que as afirmações são proferidas, para distorcer completamente o seu sentido.
Em 1872 teve a ousadia de votar para a eleição presidencial argumentando que a constituição diz: «Nós, as pessoas, e não, nós cidadãos brancos do sexo masculino.» Foi presa, julgada e multada, mas nunca pagou a multa.
De 1868 a 1870 foi proprietária de um jornal - «Revolution» - que, entre outros tópicos, lutava contra a discriminação no trabalho e na aplicação de leis do divórcio. Os apoios financeiros escassearam e ela própria teve de trabalhar durante alguns anos para pagar as dívidas, entretanto contraídas.
Organizou em 1890, em Washington, a primeira convenção para o sufrágio feminino e participou em outros datas e lugares em movimentos a favor do sufrágio pelo que foi de todo o direito que a emenda constitucional, que viria a legitimar o sufrágio nos Estados Unidos, ficou conhecida pela Emenda Susan B. Anthony.
Com este brilhante currículo só é de estranhar que antifeministas dos nossos dias se procurem apropriar do nome e do prestígio de que Susan Anthony goza para promoverem uma agenda que não defende os interesses das mulheres.
Susan Anthony bateu-se pelo direito de voto para as mulheres; lutou pela abolição da escravatura; reivindicou o direito das mulheres controlarem os seus salários e heranças bem como de terem autoridade sobre os filhos e poderem interpor acções de divórcio; combateu a violência doméstica; pugnou para que as mulheres não fossem discriminadas, como ela própria foi, no exercício das diferentes profissões. Todas estas lutas eram no momento lutas prioritárias e corajosas. Poderíamos perguntar se mulheres que hoje nos Estados Unidos se reclamam do seu legado, as tais «feministas conservadoras» de que fala Sara Palin, as teriam endossado. A resposta credível é rotundamente negativa. Hoje gozam de direitos de cidadania que só existem porque as feministas lutaram quando era preciso fazê-lo e quando surgiram condições objectivas para essa luta, mas é de presumir que então teriam adoptado a posição que as antifeministas assumiram, considerando que o voto não era necessário pois os homens representavam bem os interesses das mulheres.
Hoje, a luta feminista centra-se sobre a questão da autonomia das mulheres que passa pelo controlo da sua capacidade reprodutiva e pela garantia dos seus direitos reprodutivos, bem como pelo desenvolvimento de facto das liberdades que a lei lhes concede; ora é precisamente neste campo que as «feministas conservadoras» assestam baterias para minar qualquer pretensão libertadora. (Sara Palin vai ao ponto de afirmar que se uma sua filha fosse violada e engravidasse, a gravidez seria para levar até ao fim). As «feministas conservadoras» costumam ainda rejeitar o apoio a medidas que visam facilitar a vida das mães trabalhadoras, como é o caso da instituição de creches e de outros apoios. Quanto à violência doméstica, embora a critiquem, também não se cansam de afirmar que as feministas exageram o fenómeno. A culpa pelo divórcio é por vezes por elas atribuída a mulheres demasiado exigentes, influenciadas pelo feminismo. Tudo isto, penso, é mais do que suficiente para denunciar o aproveitamento que fazem do nome de uma mulher, essa sim, uma autêntica feminista porque colocou a sua vida ao serviço dos interesses das mulheres com a consciência plena de que estes passam pela sua autonomia e libertação.

4 comentários:

  1. Adília,

    Colocamos seu Blog em Memorial Lélia Gonzalez Informa - http://leliagonzalez-informa.blogspot.com Menu à direita, Blogs de Dignidade.

    Axé!
    Ana
    Rio de Janeiro-Brasil

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  2. Ana,
    Grata pela ideia de publicitar o meu blog em Memorial Lélia Gonzalez Informa.
    Com a ideia de fazer um post sobre Lélia Gonzalez, procurei por uma biografia, mas não encontrei. Gostaria de saber se há algum endereço no qual possa encontrar o que procuro.
    Abraço, Adília

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  3. Olá, tenho acompanhado seu blog há cerca de dois meses. Econtrei uma notícia interesante no site G1 do grupo "O Globo", sobre uma pesquisa científica que conclui que, até biologicamente, a identidade feminina, para existir, precisa reprimir constantemente a identidade masculina, tida como o "defalt" genético. Lembro que há tempos atrás conclui-se o contrário. Será que até a Biologia estaria tentando dar ares científicos ao machismo, ou seja a natureza tenderia ao masculino?
    Aí vai o link, trata-se da segunda notícia:
    http://colunas.g1.com.br/espiral/

    Grata!

    Fernanda Linhares - Rio de Janeiro - RJ

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  4. Cara Fernanda
    Desculpe só hoje responder mas viajei e o tempo tem andado curto. Obrigada pelo link que irei consultar.
    Quanto à questão que coloca quero dizer-lhe que temos de estar muito atentas pois não é de hoje que ciencias e cientistas fazem o jeito ao sexismo apresentando-o como uma inevitabilidade, determinada geneticamente. Com o aval da ciência, disseram-se,e em minha opinião continuam a dizer-se,enormidades. Isto de modo nenhum significa da minha parte desrespeito pelo trabalho dos cientistas quando é serio, só que por vezes não é e como diz o povo cautela e caldos de galinha não fazem mal a ninguém.
    abraço,adíia

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