quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Sexismo, racismo e democracia – convivência improvável? Ou nem tanto assim!

Vem esta questão a propósito de Belford Bax (1854-1926), jornalista e socialista britânico, defensor das oprimidas classes trabalhadoras, paladino da democracia e, simultaneamente, antagonista enérgico do sufrágio feminino e da mistura racial.

Para compatibilizar o seu «amor» pela democracia com a rejeição do reconhecimento de direitos políticos às mulheres, Bax fundamentava-se em causas orgânicas, isto é, biológicas, não em causas sociais. Para ilustrar essas causas dava como exemplo, as crianças, que não têm acesso ao exercício de certos direitos precisamente por causas orgânicas, no caso, falta de maturidade biológica, mas também referia que, se na sociedade houvesse pessoas de uma raça considerada inferior, deveria ser-lhes vedado o mesmo direito com base nas mesmas causas e isso não interferia com a natureza democrática do regime. E, acrescenta, «a razão é óbvia – as raças inferiores estão em relação às superiores no mesmo nível que estão as crianças em relação aos adultos». Nesse sentido, para acautelar os interesses da sociedade, Bax preconizava uma espécie de regime de apartheid: «a verdadeira solução é que a raça organicamente inferior deve ser entregue a si mesma para resolver o seu próprio destino social»

Bax considera que excluir elementos organicamente inferiores ou organicamente diferentes da participação na vida política não elimina a natureza democrática do regime político pois que entidades tão diferentes como brancos e negros ou mulheres e homens não permitem que se fale em igualdade. Mesmo assim, em relação aos negros norte-americanos ainda defende uma ideia algo bizarra: nos estados do Norte seriam excluídos da participação, mas nos estados do Sul, onde constituíam a maioria, seriam os brancos os excluídos. E com esta ideia «tão liberal» e «revolucionária» pretende demonstrar quão democrático é e como aprecia a democracia. Já em relação as mulheres, sendo as condições diferentes, não considera qualquer alternativa, como veremos a seguir.

Bax começa por referir que lhe parece correcto, a fim de garantir o bem geral da sociedade, que sejam colocadas restrições às camadas sociais organicamente inferiores: «Penso que é claro, portanto que temos justificação para impedir qualquer tipo de pessoas do direito de voto, se elas, como classe, indiciarem uma inferioridade, baseada numa diferença orgânica, que é provável que torne a sua cooperação na vida política ou administrativa num perigo ou numa desvantagem para a comunidade no seu todo.» Isto para concluir que no caso de se provar que as mulheres têm uma diferença orgânica que as inferioriza em relação aos homens, devem ser impedidas de votar. E a tarefa que vai empreender é a de aduzir argumentos para mostrar que de facto há razões para se supor que as mulheres são inferiores aos homens, pelo menos em aspectos importantes.

Começa por citar os trabalhos de Cesare Lombroso, um cientista da época, hoje completamente desacreditado, para mostrar as diferenças ao nível do tamanho do cérebro que apontariam no sentido de uma menor capacidade intelectual.

Num outro registo, aponta a inexistência de mulheres que se tenham salientado nos domínios das mais altas criações do espírito humano: filosofia, ciências, invenções, etc. e, embora responda às objecções das feministas que apontavam a opressão e falta de oportunidade das mulheres, ele refere domínios da literatura em que se poderiam ter salientado mas em que também nada realizaram de importante, esquecendo que nesses domínios muitas mulheres escritoras dos séculos anteriores tiveram de publicar os livros sob pseudónimos masculinos o que prova bem como era difícil dedicarem-se a um mester aparentemente tão inofensivo.

Uma outra prova da inferioridade das mulheres seria a sua tendência para a histeria, um estado de excitação mental e emocional que logicamente não lhes permitiria o discernimento necessário para lidar com as questões políticas. Esquece mais uma vez que as perturbações histéricas, detectadas muito mais em mulheres do que em homens, na época, eram meros sintomas precisamente da situação de repressão de desejos e de necessidades que as mulheres vivenciavam. Hoje, por exemplo, deixamos completamente de ouvir falar, a sério, em tal tipo de perturbações histéricas.

Bax, ainda argumenta que as mulheres não têm sentido de justiça - o que viciaria o seu carácter moral - que decorreria da sua incapacidade para atingirem princípios abstractos e gerais: «Elas preocupam-se não com princípios mas com pessoas; elas odeiam e amam, não causas, mas homens.»

Por último, um receio, porventura o fundamento mais forte do seu antagonismo em relação ao sufrágio feminino: sendo as mulheres o que são, ou pelo menos o que ele pensa que são e que julgou ter provado com a variedade e força dos argumentos apresentados, há um argumento final que deveria desencorajar a concessão do voto às mulheres: se as mulheres puderem votar e se se unirem elas poderão derrotar o voto masculino porque são a maioria da população e as consequências obviamente só podem ser calamitosas: conceder o voto às mulheres significaria a sujeição de todo o sexo masculino.

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