domingo, 17 de outubro de 2010

Dona de casa - profissão em vias de extinção?


Em vez de assestarem baterias contra os remanescentes das estruturas patriarcais que, apesar de todos os desenvolvimentos, ainda subsistem, as anti-feministas contemporâneas culpabilizam as feministas e o feminismo por terem incentivado as mulheres a prosseguirem carreiras profissionais que, dizem, se revelam desgastantes, e defendem que as mulheres se devem centrar nos seus papéis tradicionais.
Em vez de lutarem pela humanização do mercado e das condições de trabalho e pelo empenhamento dos homens na partilha equitativa das tarefas domésticas, em vez de exigirem apoio estatal a creches e a jardins de infância de qualidade, contestam todas as medidas propostas pelas feministas neste sentido. Hasteando o fantasma do colectivismo na educação das crianças, consideram negligentes as mães que têm crianças pequenas mas entendem prosseguir as suas carreiras.
Afirmam que, bem no fundo, o que as mulheres querem é criar os seus filhos e cuidar dos seus maridos e que isso as realiza, continuando assim a defender a tese de que a essência da mulher é ser mãe e esposa e que as feministas fizeram um mau serviço ao sexo feminino ao inculcarem nas mulheres a ideia de que tal projecto não preenche as suas vidas.
Claro que encontram receptividade por parte de muitas mulheres que têm profissões mal remuneradas e ainda por cima arcam com as tarefas domésticas naquilo que ficou consignado como dupla jornada de trabalho. Além disso, as anti-feministas contemporâneas cooptaram a linguagem do feminismo e acenam-lhes com os conceitos de liberdade e de escolha, tentando fazer passar a ideia de que uma mulher pode escolher entre a carreira profissional e a vida doméstica e a segunda escolha é tão ou mesmo mais digna e enriquecedora do que a primeira. Mas aqui está a escamotear-se um aspecto fundamental e é o de que, para além do prazer que podemos tirar do trabalho dito socialmente produtivo em termos de relações interpessoais e de abertura de outros horizontes, o trabalho remunerado dá à mulher capacidade de independência e de autonomia e não a prende irremediavelmente a uma situação que pode vir a querer alterar. Conheço algumas mulheres que optaram por ficar em casa, apesar de capacitadas com títulos universitários e que vieram a descobrir mais tarde, com os filhos criados e os maridos «esfriados» e à procura de companhias mais estimulantes, que afinal fizeram a aposta errada. Só que então se torna difícil e em alguns casos impossível retomar uma vida que abandonaram à partida.
Hoje, mesmo a vida familiar heterossexual alterou-se profundamente, os casais decidem ter normalmente um ou dois filhos, e a frequência do infantário começa cedo com benefícios para as crianças. Constata-se ainda que as escolinhas são normalmente muito atractivas para as crianças que aprendem e brincam com outras num ambiente muito mais estimulante do que aquele que encontram em casa. Por outro lado, as tarefas domésticas ocupam um número reduzido de horas não tendo qualquer comparação com o que se passava há algumas décadas atrás. Por tudo isto, as pretensões das anti-feministas revelam-se completamente deslocadas e só poderiam fazer algum sentido se o relógio da história andasse para trás como elas gostariam que acontecesse.

P.S. Quando falo em anti-feministas não se pense que estou a invocar uma entidade abstracta, elas andam por aí bem activas, a título de exemplo, conheçam Danielle Crittenden e Wendy Shalit que fizeram carreiras profissionais prósperas e lucrativas a aconselharem as mulheres a desistirem das carreiras.

4 comentários:

  1. Adília, ando sumida, mas é o doutorado... Volto para ler com calma seus posts recentes. Abraço!

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  2. Oi, Mariana
    Obrigada pela mensagem. Espero mesmo que volte, e sorte para o doutorado.
    abraço, adília

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  3. Olá, Adília! É com grande prazer que leio seus textos sempre tão inteligentes, sensatos, críticos. Creio que você presta um excelente serviço aqui, esclarecendo, informando. Algumas considerações às vezes parecem a nós, no nosso íntimo, muito óbvias, e deixamos simplesmente de falar nelas, mas aí mesmo é que é preciso mexer: o óbvio é o mais difícil de se perceber, por ser como o ar que respiramos. Divulgo seu trabalho no blog por acreditar nos frutos dele. Parabéns! Um abraço. Andréia Delmaschio.

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  4. Olá Andréia
    Muito obrigada pelas suas palavras: é sempre bom receber elogios.
    Abraço, Adília

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