quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

«boas raparigas» e «más raparigas» - todas são objectificadas


"O sistema patriarcal sugere que há apenas duas identidades que uma mulher pode assumir. Se aceita o seu papel tradicional de género é uma «boa rapariga»; se não, é «má rapariga». Estes dois papéis … vêem as mulheres apenas em termos de como se relacionam com a ordem patriarcal. Claro que o modo como as «boas rapariga» e as «más raparigas» são especificamente definidas alterar-se-á de acordo com a época. Mas será o sistema patriarcal que procederá à definição porque ambos os papéis são projecção do desejo masculino patriarcal; por exemplo, o desejo de possuir mulheres adequadas para serem esposas e mães, o desejo para controlar a sexualidade da mulher de modo a que a sexualidade dos homens não seja ameaçada de nenhum modo, e o desejo de dominar em todas as questões financeiras. Este último desejo é bem servido pela ideologia patriarcal que considera certos tipos de ocupações impróprias para as «boas raparigas»; foi uma ideologia que forçou muitas mulheres escritoras da era vitoriana na Inglaterra a publicarem o seu trabalho sob pseudónimo e que obrigou escritoras dos dois lados do Atlântico a acomodarem a sua arte a expectativas patriarcais. (...)
De acordo com a ideologia patriarcal, em plena força na década de 1950, as más raparigas violam as normas sexuais patriarcais de um ou de outro modo, são sexualmente atrevidas em termos de aparência ou de comportamento, ou tem múltiplos parceiros sexuais. Os homens dormem com as «más raparigas», mas não casam com elas; as «más raparigas» são usadas e depois descartadas porque não merecem melhor e provavelmente nem mesmo esperam melhor; não são boas o suficiente para usarem o nome de um homem e para serem mães das suas crianças legítimas. Esse papel apenas é apropriado para uma convenientemente submissa «boa rapariga». A «boa rapariga é recompensada pelo seu comportamento sendo colocada num pedestal pela cultura patriarcal. A ela são atribuídas todas as virtudes associadas com a feminilidade patriarcal e com a domesticidade: é modesta, não assertiva, auto-sacrifica-se e cuida dos outros, não tem necessidades próprias porque se sente totalmente satisfeita por servir a sua família. De vez em quando pode sentir-se triste com os problemas dos outros e preocupa-se frequentemente com aqueles de que cuida – mas nunca está zangada. Na Inglaterra da cultura vitoriana ela era o «anjo na casa», fazia da casa um porto seguro para o marido - onde ele podia fortalecer-se espiritualmente, antes de reassumir as lutas diárias no local de trabalho - e para as suas crianças onde podiam receber a orientação moral necessária para virem a assumir os seus papeis tradicionais no mundo adulto.
O que há de errado em ser colocada num pedestal? Uma coisa: os pedestais são pequenos e deixam a uma mulher pouco espaço para fazer outra coisa que não seja desempenhar o papel prescrito. Por exemplo, para permanecer no pedestal vitoriano a «boa rapariga» tinha de permanecer desinteressada da actividade sexual a não ser com o objectivo da procriação, porque se acreditava que não era natural que as mulheres tivessem desejo sexual. De facto, esperava-se que a «boa» mulher achasse o sexo ameaçador ou desgostante. Além disso, os pedestais são instáveis, pode cair-se facilmente de um pedestal e quando uma mulher cai é punida com frequência; no melhor dos casos, sofre auto-recriminação, no pior sofre punição física da comunidade e do seu marido, o qual até há relativamente pouco tempo era encorajado pelas leis e pelos costumes, e é ainda com muita frequência tacitamente perdoado por um sistema de justiça ineficiente ou cúmplice.
Neste contexto, é interessante notar que o sistema patriarcal objectifica tanto as «boas» como as «más» raparigas. Isto é, trata as mulheres, qualquer que seja o seu papel, como objectos. Como objectos as mulheres existem, de acordo com a ordem patriarcal, para serem usadas, sem consideração pelas suas próprias perspectivas, sentimentos e opiniões. Afinal, de um ponto de vista patriarcal, as perspectivas, sentimentos e opiniões das mulheres não contam a não ser que se conformem com as do sistema patriarcal.”
Lois Tyson, Critical Theory Today, Routledge, 2006.

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