Face à recente disposição do Estado australiano que remove restrições à aceitação de mulheres não só no exército mas especificamente na frente de combate, Clive Hamilton, professor de ética da Universidade Charles Sturt, considera que o feminismo com a sua ênfase na igualdade e não na liberdade continua a equivocar-se.
Clive Hamilton insiste nas diferenças entre os sexos e em como elas deviam ser valorizadas ao invés de tudo se fazer para as diminuir; mas parece esquecer que foi com base nas diferenças que a inferiorização das mulheres foi construída, e que, por isso, as feministas, pelo menos muitas, continuam a olhar com justificada suspeição para o discurso da diferença.
O argumento de Hamilton é o de que serem admitidas nas fileiras de um exército e participarem em combate devia ser rejeitado pelas mulheres pois corresponde a assimilar valores masculinos de violência e conflito. Quer dizer as mulheres reivindicam acesso a postos de combate só para serem iguais aos homens, mas ele pergunta-se se não seria melhor manter as diferenças e valorizá-las e chama à colação a feminista Carol Gilligan que enfatiza as diferenças entre homens e mulheres no domínio da moralidade: as mulheres preocupam-se mais com o cuidado a ter com o outro do que com um dever abstrato, enfatizam mais a responsabilidade do que os direitos, são mais dialogantes e negociadoras, sempre prontas a colocarem-se nos sapatos dos outros.
Quando diz que a valorização da guerra como meio de dirimir conflitos é a vitória de um modo masculino de pensar e que as mulheres estão literalmente a entrar em campo minado, eu acho que em certo sentido ele tem razão. Mas o problema que eu coloco e que ele ilude é o de saber se é possível a libertação das mulheres sem a igualdade de direitos em relação aos homens. Penso que aqui, infelizmente, não é possível queimar etapas, se não se lutar pela igualdade não vai ser possível atingir a liberdade. A história fornece argumentos factuais que corroboram esta tese. Em todos os momentos históricos em que humanidade procurou libertar-se de grilhões o que se constatou foi que essa humanidade se entendia como masculina e em relação às mulheres pretendia deixar tudo na mesma.
A argumentação de Clive lembra vagamente a argumentação dos partidos de inspiração marxista da primeira metade do século XX que consideravam burguesas as reivindicações das feministas e que defendiam que o importante era mulheres e homens lutarem pelos direitos dos trabalhadores e pela mudança social de fundo. Eram partidos politicamente de vanguarda mas socialmente reaccionários e se lhes tivéssemos dado ouvidos não só não se tinha operado a mudança social que preconizavam como as mulheres continuariam no lugar que muitos consideravam natural e desejável.
Quando Hamilton diz que se é para fazerem a política que os homens fazem então para quê pôr mulheres em cargos públicos, o argumento colhe, mas só até certo ponto, pois na mesma ordem de ideias e linha de coerência também deveríamos perguntar por que é que se acabou com o colonialismo se os novos governantes continuam a levar a cabo a exploração das populações; mas não passa pela cabeça de Hamilton e ainda bem, pôr em causa a justiça da luta de libertação dos povos oprimidos pelas potências coloniais.
Penso que a perpetuação do sistema capitalista é compatível com a realização do ideal feminista da igualdade, isto é, o sistema não vai cair pelo facto de reconhecer a igualdade das mulheres, como durante tanto tempo se temeu. A submissão das mulheres aos homens, embora tenha sido reforçada e potenciada pelo sistema capitalista, pressupõe outras raízes e essas tiveram a ver com a diferenciação acentuada de papéis: a produção social para os homens e a reprodução para as mulheres. Assim, em minha opinião só quando for alcançado um patamar estável e consistente de igualdade é que se pode partir para a luta pela liberdade, pelo menos para as mulheres.
Eu não sou cartesiana mas há um aspecto no método preconizado por Descartes que me parece importante: dividir um problema nos seus componentes e procurar resolvê-lo por partes: resolvamos o problema da inferiorização das mulheres, partamos depois para o da sua libertação que terá de ser o da libertação da humanidade no seu todo, homens e mulheres incluídos. Tentar as duas coisas em simultâneo não parece praticável, fazer uma com a desculpa que a outra vem por acréscimo não é realista.