Partindo de uma formação filosófica de raiz marxista, Firestone desenvolveu uma análise da opressão das mulheres que pressupõe uma base material. Para essa análise, Marx e Engels forneceram-lhe o método dialético e a concepção materialista dialética da história. Segundo esta concepção, a história não é uma realidade estática de coisas e acontecimentos separados e independentes, mas um processo em que há constantes ações e reações de opostos que se interpenetram e que têm na base condições económicas.
F. estabelece um paralelismo entre a revolução feminista, que em sua opinião as mulheres têm de empreender, e a revolução económica, que se encontrava no horizonte da explanação de Marx e de Engels; considera mesmo que a teorização feminista precisa de ir mais longe porque o fenómeno que intenta explicar tem raízes mais remotas, entroncando no próprio reino animal.
Em Marx e Engels aprecia o facto de não procurarem debitar discursos edificantes acerca da injustiça das desigualdades sociais, como os socialistas utópicos faziam “preconizando um mundo ideal onde privilégio de classe e exploração não existiriam. Também as primeiras feministas tinham postulado um mundo onde o privilégio masculino e a exploração não deviam existir – por mera virtude da boa vontade”. Marx e Engels permitiram-lhe perceber que a situação de opressão em que as mulheres se encontram não muda por pura boa vontade, por mais inspiradora que essa vontade seja. É preciso ir às raízes da opressão, só assim se encontra a resposta para o problema.
A convergência com Marx e Engels fica no entanto por aqui. Porque, para F., não é a situação económica, mas a diferença sexual de natureza biológica que se encontra primariamente na origem da opressão das mulheres. Quer dizer, ao invés de partir da economia parte da biologia. Defende que a opressão sexual é a primitiva, mais antiga que a de classe social, e forneceu o modelo para todas as formas de opressão que se vieram a instalar nas sociedades humanas. Pretende assim que, para alem do nível económico, se encontra o nível sexual e é deste que convém partir.
Na visão que expõe em The Dialectic of Sex coloca na origem do processo histórico a diferença de sexo - não os antagonismos de classe. Por outro lado, considera prioritária a luta pela libertação das mulheres. Consciente da desigualdade económica e racial, não assumiu a tese, cara à intelectualidade de esquerda da época, de que era prioritária a luta de classes, na suposição de que com a abolição das classes se eliminaria a opressão das mulheres. A sua experiência pessoal, bem como a experiência histórica vivida pela União Soviética, não lhe permitiam alimentar muitas ilusões quanto à bondade dessa tese. De facto, ela própria tivera oportunidade de apreciar como os colegas (de esquerda) reagiam às propostas que apresentava, não as considerando oportunas e como presumiam que o papel das participantes femininas nas reuniões políticas deveria ser o de se limitarem a coadjuvar os homens, afinal o papel que desde sempre a sociedade lhes atribuíra. Também na União Soviética se persistia na diferenciação de papéis com uma participação mínima das mulheres na esfera pública, dificuldades em relação ao aborto e contracepção, etc. etc.
Neste contexto, F. defende que, assim como os trabalhadores precisam de controlar os meios de produção, também as mulheres têm de controlar os meios de reprodução, num caso e no outro tem sido essa falta de controlo que tem criado condições favoráveis à opressão.
Muito legal essa analogia! Também acho que a raíz da opressao é biológica e que a opressao econômica e social das mulheres advém desses biologismos. Mas é importante frisar a palavra "biologismo". Nao existe uma característica fisiológica inerente das fêmeas humanas que as torna incapazes de exercer "x" ou "y" funcao. Como o ser humano desenvolveu uma "incrível" capacidade de distorcao de conceitos para se beneficiar (normalmente em detrimento ao seu próximo) foi estabelecido que mulheres, como todas as fêmeas, devem se limitar a reproduzir, cuidar da prole e do lar. Enquanto tais conceitos perdurarem, podemos adotar qualquer sistema econômico que nada vai mudar.
ResponderEliminarFran
Adilia, bom artigo uma vez mais. Vejo que colocou em destaque dois dos seus livros.
ResponderEliminarE onde se encontra aquele tão importante primeiro livro seu "Sexismo, os homens definem a regra do jogo"?
Fran
ResponderEliminarObrigada pelo comentário sempre pertinente.
Está de facto a ver bem o problema, uma coisa é a biologia e outra o biologismo. Num próximo post vou procurar abordar este tema, até porque há quem acuse Firestone de essencialismo e de biologismo,o que me parece incorreto.
Olá Promenade
ResponderEliminarObrigada pelo comentario. Infelizmente, esse título que refere ainda tem de aguardar mais algum tempo. Vamos a ver.