domingo, 18 de dezembro de 2011

Shulamith Firestone e o materialismo dialético

Partindo de uma formação filosófica de raiz marxista, Firestone desenvolveu uma análise da opressão das mulheres que pressupõe uma base material. Para essa análise, Marx e Engels forneceram-lhe o método dialético e a concepção materialista dialética da história. Segundo esta concepção, a história não é uma realidade estática de coisas e acontecimentos separados e independentes, mas um processo em que há constantes ações e reações de opostos que se interpenetram e que têm na base condições económicas.

F. estabelece um paralelismo entre a revolução feminista, que em sua opinião as mulheres têm de empreender, e a revolução económica, que se encontrava no horizonte da explanação de Marx e de Engels; considera mesmo que a teorização feminista precisa de ir mais longe porque o fenómeno que intenta explicar tem raízes mais remotas, entroncando no próprio reino animal.

Em Marx e Engels aprecia o facto de não procurarem debitar discursos edificantes acerca da injustiça das desigualdades sociais, como os socialistas utópicos faziam “preconizando um mundo ideal onde privilégio de classe e exploração não existiriam. Também as primeiras feministas tinham postulado um mundo onde o privilégio masculino e a exploração não deviam existir – por mera virtude da boa vontade”. Marx e Engels permitiram-lhe perceber que a situação de opressão em que as mulheres se encontram não muda por pura boa vontade, por mais inspiradora que essa vontade seja. É preciso ir às raízes da opressão, só assim se encontra a resposta para o problema.

A convergência com Marx e Engels fica no entanto por aqui. Porque, para F., não é a situação económica, mas a diferença sexual de natureza biológica que se encontra primariamente na origem da opressão das mulheres. Quer dizer, ao invés de partir da economia parte da biologia. Defende que a opressão sexual é a primitiva, mais antiga que a de classe social, e forneceu o modelo para todas as formas de opressão que se vieram a instalar nas sociedades humanas. Pretende assim que, para alem do nível económico, se encontra o nível sexual e é deste que convém partir.

Na visão que expõe em The Dialectic of Sex coloca na origem do processo histórico a diferença de sexo - não os antagonismos de classe. Por outro lado, considera prioritária a luta pela libertação das mulheres. Consciente da desigualdade económica e racial, não assumiu a tese, cara à intelectualidade de esquerda da época, de que era prioritária a luta de classes, na suposição de que com a abolição das classes se eliminaria a opressão das mulheres. A sua experiência pessoal, bem como a experiência histórica vivida pela União Soviética, não lhe permitiam alimentar muitas ilusões quanto à bondade dessa tese. De facto, ela própria tivera oportunidade de apreciar como os colegas (de esquerda) reagiam às propostas que apresentava, não as considerando oportunas e como presumiam que o papel das participantes femininas nas reuniões políticas deveria ser o de se limitarem a coadjuvar os homens, afinal o papel que desde sempre a sociedade lhes atribuíra. Também na União Soviética se persistia na diferenciação de papéis com uma participação mínima das mulheres na esfera pública, dificuldades em relação ao aborto e contracepção, etc. etc.

Neste contexto, F. defende que, assim como os trabalhadores precisam de controlar os meios de produção, também as mulheres têm de controlar os meios de reprodução, num caso e no outro tem sido essa falta de controlo que tem criado condições favoráveis à opressão.

4 comentários:

  1. Muito legal essa analogia! Também acho que a raíz da opressao é biológica e que a opressao econômica e social das mulheres advém desses biologismos. Mas é importante frisar a palavra "biologismo". Nao existe uma característica fisiológica inerente das fêmeas humanas que as torna incapazes de exercer "x" ou "y" funcao. Como o ser humano desenvolveu uma "incrível" capacidade de distorcao de conceitos para se beneficiar (normalmente em detrimento ao seu próximo) foi estabelecido que mulheres, como todas as fêmeas, devem se limitar a reproduzir, cuidar da prole e do lar. Enquanto tais conceitos perdurarem, podemos adotar qualquer sistema econômico que nada vai mudar.

    Fran

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  2. Adilia, bom artigo uma vez mais. Vejo que colocou em destaque dois dos seus livros.

    E onde se encontra aquele tão importante primeiro livro seu "Sexismo, os homens definem a regra do jogo"?

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  3. Fran
    Obrigada pelo comentário sempre pertinente.
    Está de facto a ver bem o problema, uma coisa é a biologia e outra o biologismo. Num próximo post vou procurar abordar este tema, até porque há quem acuse Firestone de essencialismo e de biologismo,o que me parece incorreto.

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  4. Olá Promenade
    Obrigada pelo comentario. Infelizmente, esse título que refere ainda tem de aguardar mais algum tempo. Vamos a ver.

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