sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Reflexões sobre a opressão das mulheres


Nos países do Ocidente, a opressão das mulheres não reveste uma forma imediatamente económica ou política e por isso, não sendo facilmente reconhecida, a tendência é negar a sua existência. Mas não há apenas opressão económica ou política, também existe opressão psicológica e é essa que precisamos de compreender, se queremos perceber como é que as mulheres continuam a ser oprimidas.
A opressão psicológica é obtida através da diminuição da auto-estima das mulheres; quando isso acontece elas vão interiorizar sentimentos de inferioridade e naturalmente, vão ter de si mesmas a percepção de que, de alguma maneira, são inferiores. Quando alguém se considera inferior, não lhe passa pela cabeça revoltar-se e, desse modo, aceita todos as limitações e constrangimentos que lhe quiserem impor; a partir daí, esse estatuto encontra-se justificado e legitimado, deixando de ser necessário recorrer a violência física para o garantir.
Um dos meios mais seguros para conseguir que uma pessoa ou um grupo tenham um auto-conceito diminuído consiste tão simplesmente em retirar-lhe poder para controlar a sua própria vida e aqui temos de convir que tudo tem sido e continua a ser feito para que as mulheres tenham escasso poder sobre as suas vidas. Não é por acaso ou por um súbito amor pela vida embrionária que se procura limitar o mais possível o acesso das mulheres ao recurso ao aborto e em muitos casos à contracepção. Uma vez garantido que a mulher continuará a ser joguete de uma fatalidade biológica, o resto decorrera naturalmente. Mas para tornar mais palatável esta situação de falta de poder e consequentemente de opressão, é muito conveniente criar ou alimentar mitos culturais que neste caso vão mais uma vez apelar para a sacralidade da vida humana - do feto, pelos vistos não da mulher - e para a sacralidade da maternidade. Reduzir a mulher à função materna e obrigá-la a exercer essa função a qualquer custo é uma outra forma de a transformar em objecto sexual; é uma forma de a inferiorizar pois se percebe bem que qualquer objecto por mais precioso que seja é inferior a qualquer sujeito por menos elevado que seja. É ainda reduzi-la a um estereótipo e penalizar qualquer outra que não se queira encaixar nesse estereótipo. Ora, quando se definem as pessoas por estereótipos, a tendência é desrespeitar os seus interesses se estes não coincidem com aquilo que delas se espera. Além disso quando uma pessoa é definida por um estereótipo, ela tende a ver-se como o estereótipo - que é partilhado por uma comunidade - a vê: se toda a gente a vê dessa maneira, quem é ela para afirmar que é diferente? Nesse contexto, pode ser difícil ou mesmo impossível realizar escolhas autênticas e por isso o estereótipo representa uma ameaça à capacidade de autodeterminação de quem é visado por ele, neste caso, das mulheres.
Por outro lado, a cultura dominante continua a ser sexista e isso significa opressão para as mulheres que estão condenadas a ver-se através dessa grelha cultural e a assimilar valores que funcionam no sentido da sua opressão, veiculados através de filmes, livros, seriados televisivos, publicidade, moda, etc. etc., para não falar já do pano de fundo constituído pela religião a que em desespero se acolhem e pela linguagem que têm de usar para se exprimirem e para se entenderem a si mesmas.
O mais grave ainda é que as mulheres, diferentemente de outros grupos que historicamente têm sido oprimidos - lembremos negros e judeus - não podem recorrer a uma cultura alternativa porque, divididas por laços familiares entre os diversos extractos sociais, nunca tiveram qualquer hipótese de a construir e por isso falta-lhes identidade cultural, cimento indispensável para criar coesão num grupo. Socializadas dentro da cultura patriarcal, ela própria estratificada, as mulheres identificam-se mais facilmente com os homens dos mesmos extractos do que com mulheres de outros extractos culturais.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Homossexuais e baixo estatuto social

Não é por acaso que quando a mídia aceita apresentar homossexuais, particularmente em novelas ou seriados televisivos, «escolhe» personagens que evidenciam, muitas vezes de forma exagerada e ridícula, características femininas, seja através da postura, do modo de falar ou comportamento, pois assim eles são socialmente «aceitáveis». Toda a gente sabe que há muitos homossexuais, provavelmente a maioria, que não se enquadram neste estereótipo, mas esses nunca aparecem.

Esta é uma maneira de diminuir o status dos homossexuais – apresentá-los como femininos é desvalorizá-los porque também sabemos que o estatuto das mulheres ainda hoje é percebido como inferior ao dos homens. Isto acontece porque os homossexuais põem em causa a identidade masculina, tal como ela tem sido construída, e o grupo dos homens, sentindo-se ameaçado, encontra neles o bode expiatório que pode ser punido e para não punir homens opta por punir «mulheres».
Um homem feminino, embora objecto de medo, é ridicularizado, fingindo-se que não vale a pena temê-lo porque afinal é uma mulher, não é verdadeiramente um homem. Em contrapartida, uma mulher masculina, ao assumir traços que são valorizados socialmente, embora temida e execrada, não é tão frequentemente ridicularizada, ao invés do ridículo, para ela, recorre-se pura e simplesmente ao insulto torpe.

O excerto que a seguir transcrevo chama a nossa atenção para estes aspectos, nem sempre compreendidos quando se faz uma leitura superficial da situação:

“ Uma das razões por que os homossexuais perdem em estatuto é porque são percebidos como femininos, e como sabemos as mulheres enquanto classe gozam de um prestígio relativamente baixo. Além disso, ‘as ovelhas negras’ – membros de um grupo que, por se desviarem das normas do grupo, ameaçam o sentido de status ou de identidade de todo o grupo – podem ser especificamente vilipendiados. … por contraste, as mulheres podem sentir orgulho nos atributos masculinos porque estes favorecem o seu status natural.”
(Laurie A. Rudman and Peter Glick: The Social Psychology of Gender)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Subir na vertical



Cabe hoje contrabalançar o último post aqui publicado com uma boa notícia.

Depois do recente escândalo na Polícia do Rio de Janeiro e de terem sido indiciados por crime de corrupção cerca de trinta policiais, Martha Mesquita Rocha (51) foi nomeada a nova chefe da polícia do Rio, sendo a primeira mulher no Brasil a ocupar tão alto cargo.

Votos do maior sucesso e esperança de que Martha consiga fazer a diferença.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Para as mulheres, a melhor maneira de subir continua a ser na horizontal

A Itália é um dos países europeus com piores índices no que concerne à igualdade de género e as italianas pensam que Berlusconi não é alheio a esse fenómeno. Antes de ser primeiro-ministro, dirigiu durante décadas um poderoso império no domínio da comunicação social, com a ajuda do qual se fez eleger, e teve oportunidade de moldar a imagem da mulher que considerava aceitável: jovem, bela, fútil e ávida de ser tratada como objecto sexual. Depois de se transformar em político, bem, depois é o que se vê com escândalos atrás de escândalos que envolvem relacionamentos com jovens, algumas menores de idade.
Berlusconi continua a enviar às jovens mulheres a mensagem de que o caminho mais fácil para se darem bem é serem acompanhantes de homens ricos e politicamente influentes. Hoje, ser garota de programa é um meio glamoroso de garantir rápida ascensão social. Berlusconi aliás sempre procurou atenuar a linha entre show business e política ao escolher candidatas a cargos políticos de entre as protagonistas dos seus programas televisivos. Mara Carfagna, ex show girl e modelo topless, é ministra do seu gabinete para a questão da igualdade de oportunidades, as outras quatro são praticamente desconhecidas, inócuas e inoperantes politicamente, uma espécie de verbo de encher ... para inglês ver.
Com Berlusconi as mulheres podem ter a certeza de que o melhor meio de subirem ainda é na horizontal, desde que sejam jovens, belas e disponíveis.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Filosofia e sexo

Através dos tempos, de uma maneira geral, os filósofos manifestaram desinteresse pela sexualidade humana. É certo que Platão, em alguns diálogos, se debruçou sobre o tema, mas os mitos e fábulas que nos legou, embora interessantes, não deixam de revelar uma abordagem pouco séria e superficial. Só muitos séculos depois, mais precisamente no século XIX, um outro pensador, por sinal um ícone da misoginia filosófica, revelou um interesse directo e tratou a sexualidade humana de modo sistemático em “A Metafísica do Amor Sexual”, publicado em 1844.
Para entendermos a depreciação do sexo pelos filósofos, visível nas suas omissões, temos de lembrar que o ideal de vida filosófico é o ideal de vida pela razão, entendida como uma faculdade pura, divorciada da própria afectividade. O desejo sexual é visto como uma paixão que perturba a capacidade racional, como um estorvo que impede ou pelo menos prejudica a ascese intelectual. Libertar-se das paixões do corpo e especialmente, pela sua premência e excesso, da paixão sexual é o desiderato dos filósofos.

A grande maioria dos filósofos nem sequer casou; as mulheres dos outros, dos que casaram, ou são completamente desconhecidas ou viraram anedotas, como é o caso da irritante e rabugenta Xantipa - o protótipo do que uma esposa não deveria ser - que o bom e paciente Sócrates “evitava”, preferindo-lhe a estimulante companhia do belo e inteligente Alcibíades. Na Idade Média, com uma filosofia serva da teologia, não surpreende que os Doutores da Igreja se limitassem a aceitar o sexo como um mal necessário, reduzido à dimensão heterossexual genital e legitimado apenas no casamento monogâmico. O racionalismo moderno libertou-se, pelo menos formalmente, da tradição religiosa, mas na questão sexual mostrou-se muito pouco moderno. Os grandes filósofos da época, Descartes, Espinosa, Leibniz, Hume, Kant, Schopenhauer, Nietzche, não casaram e alguns levaram vidas sexuais paupérrimas, como foram os casos mais flagrantes de Kant e Nietzsche.
A este aparente desinteresse dos filósofos pela sexualidade não deve ser alheia a persistente e dominante concepção dualista da natureza humana, que a grande maioria defendeu. De acordo com esta concepção, o ser humano é uma dualidade: corpo e alma, o corpo é material e perecível, a alma espiritual e eterna; depreciar o corpo e exaltar o espírito é apenas e tão-somente o corolário necessário desta maneira de entender a natureza humana; como a sexualidade tem uma nítida dimensão física, foi apenas fácil e natural esquecer completamente a sua outra dimensão e desvalorizá-la, considerando-a, no mínimo, um elemento perturbador para a vida do espírito.