quinta-feira, 28 de julho de 2011

Das desvantagens do modelo sexual de domínio/submissão


Continuar a insistir num modelo sexual de domínio/submissão, com homens ativos/dominadores e mulheres passivas/submissas, não é de modo nenhum irrelevante para a manutenção da ordem social existente, uma ordem que ainda é, sem sombra de dúvida, de supremacia masculina. Não perceber as implicações sociais deste modelo sexual é muito comum e acontece com as próprias mulheres, as primeiras a não entenderem como os seus desejos foram moldados pela cultura dominante em que cresceram e foram educadas.
A prostituição, a pornografia, mas também a violência doméstica, a violação e até mesmo o assédio sexual, cada um destes 'instrumentos’ cumpre à sua maneira uma função: a de mostrar as mulheres como objetos passivos manipulados pelos homens, destinados a satisfazer os seus interesses e necessidades. Neste contexto torna-se muito mais difícil a afirmação social e o sucesso das mulheres em campos como a economia, a cultura ou a política; desse modo, a desigualdade mantém-se e replica-se, sem ser necessário fazer intervir outras medidas, porventura, hoje, politicamente incorretas, e atribuindo-se a situação a constrangimentos naturais.
Senão vejamos, se as mulheres gostam de ser sexualmente dominadas, como o modelo pretende e nos quer fazer crer, então não se encontra uma justificação forte para punir a violência doméstica pois esta será mera expressão da agressividade e dominância masculina que as próprias mulheres aceitam e desejam no campo sexual. O mesmo se passa com a violação e com a presunção de que no fundo qualquer mulher gosta de ser dominada logo gosta de ser violada que é apenas uma outra forma de dominação. De resto, o que é que a pornografia main stream faz que não seja erotizar constantemente a dominação masculina e a submissão feminina! Por outro lado, não é a prostituição a prova provada de que as mulheres estão disponíveis para satisfazerem os homens a troco de dinheiro, para serem usadas e abusadas como objetos?
Tudo isto permite que se contem histórias incríveis mas infelizmente verídicas como a de um magnate brasileiro, rei já não sei de quê, que nos seus oitenta gosta de se mostrar acompanhado por mulheres jovens e bonitas. Instado se esperava que elas gostassem dele respondeu: sabe, eu gosto muito de camarões, mas, quando vou ao restaurante e encomendo, não pergunto aos camarões se gostam de mim, limito-me a comer e a pagar.
Muito instrutivo, não?! Mas voltemos a aspetos mais teóricos. Postular essências metafísicas, neste caso de homens dominadores e de mulheres submissas, é um exercício filosófico, mas não é, como erroneamente se supõe, um exercício inócuo, os filósofos, contrariamente a uma opinião muito divulgada, não dão ponto sem nó. É que se aceitarmos essas essências, temos de aceitar as consequências que delas decorrem e que procurei evidenciar atrás, é uma questão de lógica que nos ensina a extrair consequências a partir de premissas, se não desejamos aceitar a conclusão como verdadeira temos de denunciar a falsidade da premissa de que partiu, mas, se aceitarmos a premissa como verdadeira então a conclusão (lógica) também será verdadeira.

Por tudo isto eu gostaria que uma mulher pensasse duas vezes antes de dizer que para ela o homem tem de ser dominador e que é assim que se sente sexualmente estimulada; ou melhor, ela até pode sentir isso, pois ninguém manda nos seus desejos, mas pode perceber que não é responsável por eles e se eles a colocam numa situação de vulnerabilidade é melhor começar a pensar em substitui-los por outros, é uma tarefa tremendamente difícil, mas se calhar não impossível. Nenhuma pessoa gosta de ser dominada; nem mesmo os animais, experimente prender os movimentos ao seu cão ou gato e aguarde… Você pode é gostar da ideia de que é dominada porque lhe inculcaram essa ideia na sua cabeça, a convenceram de que gosta, de que é assim que deve ser e foi condicionada a associar o prazer sexual a essa ideia. O fisiologista russo Pavlov, a propósito de cães, explicou muito bem como é que estes mecanismos funcionam. Nós não somos cães, mas somos animais, às vezes, para meu gosto, demasiado amestrados.
Está na hora de parar para pensar e dar um pontapé em ideias feitas para nos tramar.

sábado, 23 de julho de 2011

Porque é tão difícil resistir à objetificação


Vem este post a propósito daqueles que insistem em considerar que o facto de os homens objetificarem as mulheres é algo natural, normal e desejável tanto para os homens como para as mulheres. A reflexão que se segue procura lançar alguma luz sobre tão momentoso tema e é inspirada na leitura de Simone de Beauvoir.

Dada a ambiguidade da existência humana, Beauvoir faz-nos perceber que ser um ser humano, independentemente do sexo, é sempre correr o risco de auto-objetificação; esse risco é particularmente exacerbado para as mulheres, porque em relação a elas, diferentemente do que acontece com os homens, tudo na sociedade e na cultura as convida a desistirem de se afirmarem como indivíduos dotados de autonomia e de capacidade para transcenderem a experiência imediata, numa palavra, tudo as convida a desistirem de viver uma vida genuinamente humana.
Cada ser humano é simultaneamente um sujeito dotado de consciência, capaz de transcender o dado, e um objeto corpóreo que pode ser, e é, alvo dos juízos dos outros. A separação sujeito/objeto, referida por Beauvoir e também por Sartre, embora desprovida de uma base ontológica - tal como Descartes a tinha entendido - subsiste porque o eu consciente expressa-se através do corpo e o corpo é o que os outros vêem. Beauvoir não aceita o bi-substancialismo nem o dualismo antropológico; para ela, como para Sartre, no ser humano, mente e corpo são indissociáveis, mas o que ocorre é que do ponto de vista fenomenológico - do que aparece - eu experiencio-me como um sujeito, mas os outros experienciam-me como um objeto, isto é, a nossa experiência é uma experiência de dualismo. Ou, se quisermos reciclar a terminologia, é uma experiência de uma certa tensão entre imanência e transcendência, a primeira prende-nos ao dado, a segunda impele-nos a ir mais além.
Negar-se a encarar esta realidade, afirmando uma subjetividade pura ou negando-a totalmente - aquilo que Sartre designa de má fé – foi, segundo Beauvoir o que ocorreu ao longo do processo histórico com o homem a perceber-se como sujeito e a procurar, por contraponto, perceber a mulher como objeto. Para as mulheres, como os homens tendem a objetificá-las, a primeira reação é anteciparem-se ao lance e objetificarem-se a elas mesmas, mas com isso só simplificam a tarefa, desistindo de assumir uma existência autêntica, independentemente do risco e da angústia que possa comportar.
Posto isto, malgrado todas as dificuldades, para que as mulheres se realizem como seres humanos é necessário não apenas que os homens parem de as objetificar como elas próprias têm de resistir à tentação de se objetificarem a si mesmas e têm de procurar assumir-se como sujeitos responsáveis pela sua vida, com uma palavra a dizer àcerca de si mesmas e do mundo que as rodeia.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Mais mulheres nos órgãos diretivos das empresas


A exemplo da Noruega, que já nos idos de 2003 adotou medidas para reforçar a presença feminina nas administrações das principais empresas do país, e da Finlândia, que tornou obrigatória a justificação por parte de empresas que não apresentem representação feminina nos seus órgãos decisórios, a Comissão Europeia parece ter acordado finalmente para o problema e por 543 votos a favor, 109 contra e 29 abstenções aprovou medidas tendentes a contribuírem para a sua resolução, assim, se necessário, prevê mesmo o estabelecimento de quotas para o ano de 2012 para que se atinja uma percentagem de 30% em 2015 e de 40% em 2020 em órgãos de direção das empresas dos Estados membros.
Rodi Kratsa, vice-presidente do Parlamento Europeu, no debate prévio à aprovação das medidas, reforçou a ideia de que a presença de mulheres nos órgãos administrativos das empresas não é só uma questão de ética e de igualdade de oportunidades mas também é um elemento estrutural para a competitividade das empresas e para o crescimento económico dos países.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Educação e estereótipos de gênero


A experiência sueca de educação pré-escolar que se propõe atingir uma educação neutral do ponto de vista de gênero tem levantado alguma celeuma no país e mesmo no estrangeiro por parte de pessoas que se mostram muito preocupadas com eventuais prejuízos que pode provocar nas crianças face à definição/indefinição de papéis de gênero.
Um dos argumentos invocado por quem se opõe à experiência insiste em que a diferenciação de papéis não precisa de ser acompanhada de inferiorização do papel feminino em relação ao masculino; assim por exemplo, brincar com bonecas ou brincar com carrinhos, diz-se, é igualmente valioso. Mas, se refletirmos um pouco, percebemos a fragilidade do argumento: veremos que estas brincadeiras só aparentemente são igualmente avaliadas porque enquanto a primeira apenas prepara e condiciona a menina para um papel, considerado natural, a outra antecipa um percurso de vida que nada terá de natural, orientado para eventuais profissões e intervenção no espaço público. Parece necessário e importante preparar as meninas para o seu futuro papel de mães mas não se considera que uma preparação equivalente deva ser ministrada aos meninos.
O que se verifica é que a diferenciação de papéis tem sido acompanhada da desvalorização do papel feminino e é preciso romper este ciclo, que toda a nossa cultura favorece; se uma mulher se limita ao papel de esposa e de mãe encontra-se automaticamente em desvantagem em relação ao homem porque, ao não transcender essa condição, não se afirma como um ser autónomo e criativo.
Outros acusam os métodos pedagógicos utilizados na Egalia e em outros-jardins-de infância suecos de visarem condicionar mentalmente as crianças, como se só aí existisse condicionamento mental. Esquecem que todas as sociedades ensinam relações de género só que o fazem seguindo o modelo de dominância masculina que nunca perturbou essa ‘boa gente’, agora tão incomodada quando se procura ensinar igualdade nas relações de género.
Jay Belsky, especialista em psicologia infantil na Universidade da California, mostrou-se muito preocupado com a eventualidade de os meninos, impedidos de correrem e de brincarem com paus, que imaginam serem espadas, perderem características masculinas. Este psicólogo ignora que educar os jovens para serem ’verdadeiros homens’ de acordo com um padrão de masculinidade que valoriza não apenas a assertividade, mas também a agressividade, é prepará-los para serem agentes de violência doméstica e social, para engrossarem a população prisional e para virem a ter pela frente uma baixa perspetiva em termos de longevidade. Ignora que as sociedades em que as relações de género são mais igualitárias não só apresentam melhores índices de saúde física e mental como vivem relações familiares menos conflituosas e mais compreensivas.
Tudo leva a crer que o condicionamento mental só é bem aceite e não levanta qualquer problema quando é aquele que a sociedade patriarcal realiza com enorme sucesso através de uma panóplia de instrumentos educativos formais e informais que moldam rapazes e raparigas no decurso do processo de aculturação. Tentar interferir com a norma de dominação masculina ainda vigente na sociedade patriarcal, esse parece ser o crime da Egalia e dos outros jardins-de-infância que seguem o novo modelo educativo.