domingo, 7 de setembro de 2014

3. O modelo de sexualidade que aprendemos não é indiferente para o nosso lugar no mundo

Sexo e sexualidade revestem-se da maior importância na vida das pessoas.O sexo, fonte de prazer, de proibições e de excessos, está associado a poder e poder implica a estrutura hierárquica de domínio/submissão.
No campo da vida sexual, às mulheres, historicamente, foi reservado o estatuto de submissão, mitigado é certo, porque se lhes deixou a possibilidade de serem “sexy”, possibilidade essa encorajada culturalmente.
Ser sexy é ser desejável e quem é desejável sente que tem algum poder, como o sente quem é inteligente, culto ou simplesmente rico, só que estas três fontes de poder, durante milénios reservadas exclusivamente aos homens, são estáveis e permanentes, ao passo que ser sexy é transitório, fugaz e extremamente contingente.
Hoje, que essas outras fontes de poder - inteligência, que pressupõe desenvolvimento intelectual, cultura e riqueza - já estão abertas às mulheres, particularmente no mundo ocidental, continua a encorajar-se as jovens a centrarem-se apenas na exploração da vertente sexual, dos seus atributos físicos, da sua aparência, e elas deixam-se tentar facilmente já que não é preciso grande esforço para ser sexy, ao passo que para ser culto, rico ou perito em alguma coisa é bem mais problemático; assim, tendem a enveredar pelo caminho mais fácil, com a pressão acrescida de ser esse o modelo que constantemente lhes vendem, quando, numa sociedade que quisesse favorecer a autonomia sexual de mulheres e de homens, se devia proceder exatamente ao contrário.
Assim, o primeiro preconceito que temos de combater é o de que a sexualidade é espontaneidade; a sexualidade é aprendida culturalmente e as consequências dessa aprendizagem podem ser desastrosa para a autonomia e capacidade de autodeterminação sexual das mulheres.
Dado o modelo aprendido, as mulheres vivem a sexualidade de forma passiva; a cultura em geral e a religião em particular tudo fazem para o promover, ao valorizarem a castidade sexual, a virgindade e a pureza (para as mulheres) e ao criarem obstáculos para um acesso eficiente a mecanismos contracetivos e, em muitos lugares, ao diabolizarem o aborto, mesmo quando este se encontra enquadrado pela legislação.
São óbvios os interesses das sociedades patriarcais neste tipo de sexualidade feminina e desde muito cedo as meninas aprendem que devem ser recatadas, não promíscuas, e que devem associar o sexo a casamento ou a uma relação estável. O modelo fornecido aos meninos é exatamente o oposto deste.
Esta aprendizagem da sexualidade pelas mulheres é mais importante do que podemos pensar, devo mesmo dizer que a maior parte das mulheres nem sequer se apercebe da sua importância e, por isso, não se rebela, tornando-se inconscientemente cúmplice de um sistema que aliás seria muito difícil de vencer porque tudo se conjuga para ajudar a mantê-lo.
Ora a aprendizagem deste tipo de sexualidade pelas mulheres é muito importante porque através da adopção  desse tipo de sexualidade é definido o seu lugar no mundo. Esta implicação têm-lhes escapado e por isso nunca será de mais chamar a atenção para este fenómeno.
Aliás é tão importante para a sociedade patriarcal reforçar e manter este modelo que, no preciso momento em que a religião começou a perder a força cultural que durante tempos imemoriais possuiu - estou a pensar no século XIX- logo, as ciências em geral, e particularmente, a medicina, a psicologia e a sexologia começaram ativamente a prescrever comportamentos apropriados para as mulheres e estes muito pouco se afastavam daqueles que a religião sempre preconizava (claro que era preciso mudar alguma coisa para manter tudo na mesma). Quer dizer, numa altura em que a influência religiosa parecia declinar, apareceram logo outros prosélitos da moralidade sexual, aplicada sobretudo às mulheres.
A partir da segunda metade do século XX, com a chamada revolução sexual, parecia que se ia assistir a uma modificação substancial no modelo de sexualidade proposto para as mulheres e de facto avançou-se alguma coisa, mas temo bem que esse avanço não esteja a dar-se no sentido da verdadeira autodeterminação sexual das mulheres e que mais uma vez, como ocorreu no século XIX, se esteja a vender gato por lebre (a mudar alguma coisa para que fique tudo na mesma. Na próxima "lição" vou tentar clarificar estas minha safirmações. 


3 comentários:

  1. Obrigada, Ana.
    É sempre bom saber que somos de algum préstimo.
    abraço, Adília

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  2. Triste, porém Fato.
    Adoro os seus textos.
    Embora eu seja um homem, me considero Feminista.
    Acredito que sem as mulheres esse mundo não passaria de um deserto, sem vida; uma NADA.
    No Brasil, vejo que a maior parte das mulheres não sabem e nem têm interesse em saber o que significa as lutas feministas.
    Talvez pela opressão, ficam numa falsa zona de conforto, enquanto os seus homens ou afins as subjulgam.
    Tenho asco dessa sociedade por tratar as mulheres de forma tão vil.
    Esse ciclo de violência fálica ou falocêntrica precisa cessar.
    Continue com esse maravilhoso projeto de vida. Esse blog é divinamente ótimo

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