terça-feira, 1 de junho de 2010

Opressão e sistema económico e sócio-cultural

O feminismo dos anos setenta teve a inteligência de nos fazer perceber que a situação em que as mulheres se encontram desde longa data é fruto de um sistema social e cultural que as discrimina e as subordina aos interesses do sexo masculino; isto é, não é culpa das próprias mulheres - que não teriam maiores ambições, nem tão pouco dos homens, tomados individualmente, mas da sociedade que, através de mecanismos legais e ideológicos, mantém e replica essa discriminação e subordinação. Quer dizer, em rigor, não são os homens que oprimem as mulheres, são estruturas opressivas em que a vida das mulheres decorre que exercem essa função. Daí que para operar mudanças significativas, tem de se alterar essas estruturas e isso só pode ser feito se as mulheres tomarem consciência da situação e se o sexo masculino colaborar.

Contra essa discriminação e subordinação as mulheres só começaram a rebelar-se a partir do momento em que surgiram condições objectivas que permitiram alguma esperança de sucesso. Durante séculos e séculos, as condições eram-lhes de tal modo adversas que apenas poderiam tentar tirar o melhor partido possível das circunstâncias em que se encontravam, coisa que algumas fizeram com particular êxito.
As condições objectivas acima referidas foram sobretudo de natureza material, mas também ideológica. No primeiro aspecto, decorreram da industrialização do mundo ocidental e do acesso das mulheres ao mercado de trabalho; no segundo, decorreram da ideologia iluminista, moderna e racionalista, que, ao exigir igualdade e universalidade de direitos para todos os homens, também abriu a porta às mulheres, embora muito a contragosto, começando por permitir-lhes aceder ao tipo de educação até então reservado exclusivamente para os homens.

Deste modo, a consciência de que as mulheres fazem parte de uma classe discriminada e desfavorecida esteve como que adormecida durante séculos: «A partir do berço aprendiam os comportamentos femininos apropriados; do púlpito aprendiam o pecado de Eva e os papeis que Deus ordenara para homens e mulheres. Liam na literatura popular que a «libertação» consistia em serem salvas por um homem e em apaixonarem-se. Desafiar o seu destino seria desafiar Deus, a Igreja, o Estado e o poder do amor romântico.» * Ainda hoje essa consciência não se encontra muito disseminada porque as alavancas do poder continuam nas mãos dos homens e estes, mesmo que inconscientemente, não têm nenhum interesses em que as coisas se modifiquem e nem sequer lhes podemos levar isso a mal. Se não vejamos: na igreja, na alta finança, na política, na ciência, no mundo da cultura, sobretudo da cultura de massas: revistas, filmes, televisões, quem dá cartas, quem põe e dispõe são homens; as mulheres, além de recém-chegadas, encontram-se na maior parte das vezes na situação de dependentes de «patrões» que decidem o que fazer e como fazer, e que não convém hostilizar; assim não é de espantar que a ideologia dominante continue a ser a masculina que, habilmente, não podemos deixar de o reconhecer, usa o poder, não de forma repressiva, mas de forma criativa para convencer as mulheres de que os seus verdadeiros interesses são aqueles que vão ao encontro dos interesses dos homens; e também temos de reconhecer, com alguma humildade, que muitas mulheres não parecem difíceis de convencer. O inefável Rousseau, que a sabia toda, embora negasse às mulheres os mais elementares direitos, já dizia que elas não deviam abdicar do «império» que tinham sobre os homens; infelizmente continua a haver muitas que não percebem como esse império é precário - vamos dizer, volátil, e sacrificam o seu desenvolvimento como pessoas a um qualquer projecto centrado no agrado e na deferência que podem propiciar aos homens ou a um homem em particular.

Há pois aspectos muito concretos que tem de ser acautelados; um dos mais importantes é a garantia de independência económica das mulheres, mas para que esta funcione e não surja como mais uma forma de as oprimir - lembremos por exemplo a dupla jornada de trabalho, é necessário proceder a novos arranjos sociais na família e no local de trabalho e isso só será possível se as mulheres participarem de modo significativo na vida política e se começarem a furar o bloqueio que as tem afastado das diferentes esferas de influência social, desde a religiosa, passando pela económica e pela cultural Um mundo de coisas por fazer que nos deve levar a concluir que o feminismo continua a fazer todo o sentido.
*Carolyn Johnston: Sexual Power: Feminism and the Family in America, Tuscaloosa, Alabama, University of Alabama Press, 1992, prefácio, p. x.

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